Deixa fugir.

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"De vez em quando, a vida nos dá uma dose de seu uísque mais vagabundo. Que desce queimando pelo esôfago já quase voltando pelo mesmo caminho. Às vezes somos só isso, o peso. E chega mais um, coloca um grão, e a pilha fica próximo a desmoronar e sentimos medo. Mesmo sabendo que no fim, não faz diferença o próprio grão, mas sim quem o colocou lá."


Ciao a tutti! Gostaria de deixar bem claro que isso não passa de uma ficção, e quaisquer semelhanças com a vida real encontradas aqui são meras coincidência. Desde já, agradeço a leitura!


Nova York, março de 2008.

A noite nova-iorquina começava a cair ao longe, e da janela do apartamento de Nicola, a vista era perfeita. No caso, para quem estivesse disposto à aprecia-la.
O pequeno apartamento banhado à luz amarela, presa à um lustre rangente que vez ou outra perdia algumas de suas peças de vidro, agora estava silencioso. Extremamente quieto. Nicola estranhava todo aquele silêncio, mas não ousava sair de seu torpor; sentado no sofá da sala imaginária, o rapaz encarava um pedaço de papel e sentia as lagrimas formando um nó espesso em sua garganta. Outrora, olhava para a parede a sua frente, lotada de discos, livros, e fotos. Recordações. A faculdade. Sua mãe o segurando no colo. Seu pai arrumando a bagunça de brinquedos enquanto ele montava em suas costas como se fosse um peão de rodeio. O primeiro violão. E Chiara Civello.

Deixa fugir
Ela não quer ficar aqui com você
Ela provou do mundo além dessa porta
E já não importa o que tente dizer.


O rapaz respirou fundo e escovou os longos cabelos claros com as mãos quando ouviu a campanhinha tocar. Não quis atender, então não moveu um músculo sequer. Insistente, do outro lado da porta ouviu-se um murmúrio em reclamação. E, não contente, logo os esmurros vieram até que Nicola viu-se obrigado a levantar e abrir a porta.

— We're late, Nicola! — "Estamos atrasados, Nicola" esbravejou o rapaz — We gotta go, everybody's waiting! Where's Chiara? — "Temos que ir, estão todos esperando! Onde está Chiara?" perguntou o moço vasculhando o imóvel de uma ponta a outra à procura de Chiara.

O rapaz era Fellipo, seu meio irmão e melhor amigo. Ele havia saído da Itália para estudar em Nova York, e consequentemente, zelava por seu irmão mais novo. Montaram uma dupla para tocar nos bares à noite depois que se formaram, e conheceram Chiara. A afinidade foi instantânea e logo começaram a trabalhar juntos. Pouco tempo mais tarde, conheceram Giorgio, o baixista e então  o grupo estava formado.

— I don't know where she is. — "Eu não sei onde ela está." respondeu apaticamente, olhando para o chão enquanto segurava a porta com o pé.

— How is it?! She's your fiancée! And lives here! — "O que?! Ela é sua noiva! E mora aqui!" — disse o irmão mais velho, um tanto confuso.

— She left, and we arent together anymore. It's over, done. She's gone, Fellipo. — "Ela foi embora, e não estamos mais juntos. Acabou. Ela se foi, Fellipo."

Nicola fez uma mesura de mão para que o outro rapaz entrasse no apartamento e ele finalmente pudesse fechar a porta atrás de si. Sentiu um nó formar-se em sua garganta quando chegaram à porta do quarto. Ele estendeu ao irmão o pedaço de papel que segurava.

— I'm sorry Nicola, I've got to go." — "Me desculpe Nicola, eu tive que ir." Leu em voz alta.

Levantando o rosto para encarar, viu o irmão abrir a porta do armário e acenar para o vazio que havia dentro dele. Sem roupas, sem sapatos. Ela havia levado tudo. Deixou sobre a cama o casaco vermelho que usava para dar sorte nas apresentações e a aliança sobre o mesmo.

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