A Primeira Vez

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Ipanel era uma cidade assustadoramente organizada, até o clima obedecia aos seus cronogramas. Chovia às segundas e quartas sempre no mesmo horário, não havia trovões ou relâmpagos, não chovia demais ou de menos. Tudo era na exata medida. Não faltava trabalho, nem harmonia entre as pessoas. Ipanel era o paraíso.

Insônia era algo incomum para os meus conterrâneos, mas normal para mim. Talvez fosse a única coisa que não obedecia aos padrões da cidade. Durante essas noites eu me sentava nos degraus da varanda e ficava olhando a paisagem manchada pelo escuro da madrugada até o sono aparecer. A casa onde eu morava tinha um jardim bem grande na frente, e claro, não precisávamos de grades ou muros, não havia perigo algum.

Não me lembro do motivo que me deixou agitada naquela quinta-feira. Nem meus chás ou os livros conseguiram me acalmar. Saí para caminhar pelo meu jardim esperando que o pequeno contato com a natureza trouxesse alguma paz. Bem acima de mim, ouvi um estalo. Uma sombra sobrevoou minha casa, uma luz iluminou o céu e começou a chover em uma parte específica da rua, há poucos metros de onde eu estava. Aquilo me assustou e aguçou minha curiosidade.

Outro relâmpago e pude ver a cidade, antes perfeita, destruída. Alguns prédios pareciam ter sido explodidos, os entulhos ainda estavam por ali. Minha casa estava intacta, mas o jardim bem-cuidado deu lugar ao amontoado de plantas mortas. Tudo ganhou uma cor meio avermelhada, assim como o céu.

Cheguei mais perto do local onde caía a chuva, olhei para cima e percebi um vidro, a redoma, a se perder de vista. Provavelmente cobria toda Ipanel. Havia um buraco nela bem naquele ponto. Estendi o braço e deixei aquelas gotas, que vinham de fora, molharem minhas mãos. Fiquei tão absorta que mal ouvi os passos de três pessoas mascaradas chegando por trás. Eles me seguraram e injetaram algo em meu pescoço.

Não deu tempo de reagir.

IpahellWhere stories live. Discover now