15 Volta à vida

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20 dias depois

As sessões de terapia só não eram mais insuportáveis do que as de fisioterapia. O tempo passava devagar, mas minha recuperação lenta começou a dar sinais. Minha primeira grande vitória foi ter me livrado da sonda naso-gástrica, minha primeira refeição foi uma saborosa fatia de mamão. Nunca me senti tão feliz em ter uma fruta entre os dentes. Na verdade nunca me senti tão bem em poder comer novamente, e principalmente, sentir meu corpo aceitar aquilo sem reclamar. Mônica me ajudava em tudo o que os enfermeiros do hospital permitiam, mas aproveitava mais o tempo com ela, conversando e orientando-a com as coisas da minha vida como uma assistente pessoal, como a Val fazia. Encarreguei-a de conseguir um apartamento ali perto, eu teria um longo tratamento pela frente, e precisaria ficar próximo ao hospital.

Charles disse que a gravadora arcaria com os custos de tudo. Apesar de ele lamentar o ocorrido, ele não tinha mais onde enfiar tanto dinheiro. Qualquer um que tivesse o mínimo de contato com o que acontecia na TV, redes sociais, ou ouvisse som no carro, não conseguiria se desviar de alguma das nossas músicas. Vendemos mais álbuns, revistas e músicas em streaming do que em toda a nossa carreira.

Fazia uns dois dias que meus dedos passaram a ficar de fora das ataduras, com cuidado, e luvas para proteger a pele ainda sensível, mas já era capaz de mexer em um tablet sozinho e acompanhar as notícias.

A primeira coisa que busquei, foram as homenagens para meus amigos. Todos eles foram levados de volta ao Rio. De volta para suas "pseudo" famílias. Mas nossos fãs... Esses não os deixaram sozinhos. De pensar que enquanto as despedidas deles aconteciam, eu estava apagado na UTI... Eu me sentia mal. E a Val... Sobre ela não falaram muito, só mesmo que ela havia sido levada de volta a São Paulo, sua única parente era uma tia, com quem ela pouco falava.

Estava terminando de ver um vídeo com as homenagens ao Pete, quando a porta se abriu. Limpei meu rosto e bloqueei a tela, o mais rápido que consegui.

- Tenho uma coisa pra você. - Mônica estava parada na fresta da porta.

Sorri para ela, deixando o tablet sobre as pernas. - Pele nova? - brinquei.

Ela riu - Não, seu bobo. Olha só - Ela ergueu um saco de papel do Mc Donalds.

Arregalei os olhos, sentindo até minha boca salivar. - Tu tá de sacanagem Moniquinha! - sorri

Rindo, ela fechou a porta e trouxe o saco até mim. - Sei que você adora, e como já faz mais de uma semana que você está comendo direitinho, resolvi te fazer essa surpresa. Um agradinho para o melhor paciente que já cuidei.

- Caramba! Posso mesmo comer isso? - quase chorei de alegria.

- Pode Rod, só não trouxe refrigerante porque isso ainda é cedo, quando começar a caminhar, aí você pode um pouquinho.

Balancei a cabeça negativamente - Tô nem aí pra refrigerante. - dei de ombros. - Pega pra mim?

Olhei para o saco, e ela entendeu o recado, tirou o lanche da embalagem, o colocou nos guardanapos e me entregou.

Coloquei meus dedos ao redor do lanche, mas só de sentir a temperatura morna dele, não consegui segurá-lo.

Engoli seco baixando as mãos. - Merda!

Com o mesmo sorriso meigo de sempre, ela apoiou o lanche na caixinha e segurou delicadamente minhas mãos - É normal ter sensibilidade Rod. Posso segurar para você?

Suspirei derrotado - É o único jeito de eu desfrutar disso quente...

- Não reclame, você está melhorando aos poucos.

Assenti. -Para quem não conseguia segurar nem água no estômago, ter um lanche desses na frente e poder mordê-lo já um prêmio e tanto.

Ela sorriu - Tem razão, pense desse jeito... Você já evoluiu muito.-pegou o lanche novamente e o segurou para mim. - Pedaço pequeno tá?

Fiz careta e mordi o lanche. Pela primeira vez em muito tempo, senti que eu não ia mesmo morrer. Senti o gosto de estar vivo, e claro, me lembrei da última vez que havia sentido aquele gosto, meses atrás, com todos eles. Nossas palhaçadas, nossa bagunça. A transa com a Val no mato atrás do restaurante. Tudo parecia tão distante, mas aquele gosto me levava até lá.

- O que foi Rod? Está tão ruim assim?

Mônica me olhou estranho.

- Não, eu... - Ela pegou um guardanapo e limpou minha boca. - Eu viajei... Nada demais.

Ela sorriu - Mais?

Olhei para ela - É claro que quero mais, isso tá muito bom.

Ela riu, e olhei para a porta, vendo Adriana parada lá, com uma cara bem estranha. Mas ela respirou fundo, sorriu, e entrou no meu quarto.

- Estou vendo que já está bem melhor.

Sorri para Mônica - Acho que sim, ganhei mimo da minha enfermeira... Isso deve ser um bom sinal.

- E é. - Ela ignorou a bagunça em cima de mim, de tablet, embalagens de lanche e guardanapos. - Vou reunir minha equipe, e se estiverem de acordo, vou dar alta a você.

- Sério?

- Sei que deve estar louco para se ver livre de mim. - ela sorriu com pesar.

Fiz careta - Eu não diria louco... Aliviado talvez?

Ela riu passando a língua pelos lábios, era assim que eu sabia que a havia irritado - Aliviado... - um suspiro alto - Tudo bem... Podem... Continuar... - ela se virou, e foi embora.

Mônica piscou olhando da porta para mim. - O que foi isso? Vocês dois estão muito esquisitos ultimamente.

Dei de ombros - Pra você ver... Doutora Queiroz, está morrendo de ciúmes de você.

- De mim? - ela riu - Fala sério Rod, o que disse para ela?

- Acha que precisei dizer alguma coisa? Ela me espiona sempre que pode, uma frase nossa fora de contexto, e pá! Estamos apaixonados e prontos para casar Moniquinha.

- Não pode deixar ela pensar isso Rod...

- Por que não? Deixa ela pensar o que quiser, ela é casada, devia era espionar o marido dela.

Ela balançou a cabeça negativamente - Vocês são dois tontos.

- Pode ser... Mas esse tonto ainda está com fome. - fiz beiço.

Mesmo a contra gosto, ela voltou a segurar o lanche pacientemente enquanto eu comia devagar. Claro que estava feliz com a notícia da alta, mas também estava com medo. Minhas pernas eram as partes mais afetadas, e não estavam nem perto de ficarem boas. Eu não me sentia seguro, me apavorava com a possibilidade de dar mais trabalho a Mônica do que ela poderia aguentar. E não podia perdê-la. Nem podia pensar em ficar sem ela outra vez.

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