Primeiro Tom de Ternura: Neutro

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Os prédios no céu noturno de Seul estavam incrivelmente maleáveis, lentamente dançando da esquerda para a direita.

Apesar de eu saber que aquilo era apenas mais um dos efeitos do excesso de álcool, conseguia ainda sim ser um espetáculo incrivelmente bonito. E seria ainda mais se não fosse o odor ácido de urina e vômito que exalava de mim.

Alcoolismo. Quem diria que alguém como eu chegaria nesse ponto?

Tentei levantar, mas o movimento repentino só me fez vomitar novamente, caindo miseravelmente sobre a poça do líquido fétido.

Horrível.

Ri em minha própria desgraça, sentindo minha consciência se esvaindo aos poucos enquanto respirava o ar frio daquela noite de inverno, rezando internamente para não contrair uma gripe que prejudicaria os negócios.

Não posso parar de trabalhar.

***

Acordei no baque de um sono mal dormido. Levantando com violência, eu estranhei não ver as paredes mofadas do meu cômodo, e senti falta do cheiro horrível das consequências das minhas decisões ruins da noite passada.

Ao invés de tudo isso, o que me cercava eram roupas limpas e uma cama macia, num quarto amplo e silencioso de cores neutras.

E apesar de tudo isso, o único sentimento que me atingiu – além da sede da ressaca descomunal – foi o frio cortante do medo no meu coração. Onde eu estava? Um cliente me achou? Por que cuidaria de mim?

Teria eu sido estuprado? Mais do que o normal?

Com os olhos de lacrimejantes, fiz questão de descer da cama ainda tonto, procurando algo familiar – minhas roupas, minha carteira ou meu celular –, enquanto a voz da minha falecida avó retumbava em minha cabeça.

"Nada é de graça, Jeongguk."

Minha movimentação deve ter chamado a atenção do dono do cômodo, já que o mesmo entrou pela porta segundos depois, com o olhar surpreso em seu rosto lívido.

Os fios de cabelo prata harmonizavam com a aura que transparecia de seus olhos profundos e lábios roliços. O homem era bonito, e mesmo em meu estado deplorável eu era capaz de ver isso.

Mas aquela beleza toda não me enganava em nada. No mundo em que eu vivia, os bonitos eram potencialmente os mais perigosos.

BDSM? Piada, aquilo que esses seres nojentos nutriam era nada mais que o sadismo e desejo de tortura reprimidos, e quem mais sofria com isso eram pessoas do mesmo ramo que eu.

Pessoas com aquele tipo de rosto acham que a beleza os livra de qualquer espécie de punição, seja essa divina ou estatal, e na maioria das vezes, eles estavam certos.

Aquela casa ampla, os lençóis macios e caros, as poucas regalias que meus olhos podiam identificar já me davam a ideia que não importasse o que eu fizesse, aquele era o tipo que além de bonito, o tipo de sujeito que possuía o dinheiro e o status para se livrar das consequências do que quer que ele tivesse feito ou fosse fazer. E naquele momento de realização, derrotado, caí em meus joelhos.

Ele deu um passo para frente e pensei ter visto malícia em seus olhos. Meus lábios tremeram, e as lágrimas ameaçaram escorrer. Me arrastei até seus pés, e ele deu um passo para trás quando agarrei as suas pernas.

Eu só queria acabar com aquilo logo.

Trêmulo e com medo, eu agarrei a barra de sua calça e ameacei tocar em seu pênis.

Minha boca ficou ainda mais seca, e o desconhecido agarrou minhas mãos, e eu gani como um cão abandonado de medo.

Não era isso que ele queria?

Ao abaixar para me encarar com raiva, ele colocou a mão nos meus ombros e me sacudiu.

"O que diabos você está fazendo?" Sua voz machucou meus ouvidos sensíveis pela ressaca e eu me encolhi mais ainda em meu lugar no chão, sentindo a primeira lágrima rolar. "Por que você está chorando?" Sua voz suavizou um pouco e eu olhei para seu rosto. "Você usou algo além da bebida?" Mãos ágeis e profissionais percorreram meu rosto, num toque técnico extremamente familiar. "Ou está apenas confuso por conta da ressaca?" Seus olhos encararam diretamente os meus. "Qual o seu nome?"

"E-eu.." Minha voz não saiu como deveria, e acabei me enrolando numa resposta. "Jeongguk... Não, meu nome é HaeJoon." Quis me socar ao mencionar meu nome verdadeiro, sabe-se lá o que ele poderia fazer com essa informação. "Moon HaeJoon."

O homem me encarou com olhos desconfiados, e eu podia perfeitamente ver que ele se questionava o porquê de eu ter mentido meu nome, mas ele não tinha como provar a mentira. "Você sabe que eu estou com sua carteira, não é?"

Ok, talvez ele tivesse sim como provar.

"Por que perguntou então?" Rebati, irritado.

"Queria ver se você estava consciente de seus atos."

Admito que quis dar alguma espécie de resposta esperta ou simplesmente mal educada, mas naquele exato momento um enjôo severo me abateu, e o homem, percebendo, me guiou até um banheiro, onde eu expeli tudo que não tinha no meu estômago, sentando ao lado do vaso sanitário, logo ao lado onde o mesmo me encarava pensativo.

"Obrigado..." As palavras deslizaram suavemente pela minha língua, e eu ainda não sabia o que ele tinha feito, o porquê e quais eram as intenções dele, mas era evidente que se eu havia dormido em uma cama cheirosa com roupas limpas e banho tomado, era porque alguém havia cuidado de mim, e esse alguém era ele.

"Você não deveria beber tanto." A bronca veio de forma suave, como se aquele desconhecido realmente entendesse algo sobre mim que ele nem mesmo sabia o que era, já que eu não havia contado nada.

"Me desculpe." Respondi com real pesar em meu coração. Eu sabia mais do que ninguém que eu estava errado, mas às vezes, dar para vários velhos feios e brutos – que além de tudo, fodiam muito mal – simplesmente me levava a loucura, numa insanidade curada apenas pela amnésia alcoólica.

Ser garoto de programa não é uma das vidas mais glamourosas, no final das contas. 

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⏰ Última atualização: Mar 08, 2019 ⏰

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