O perfume adocidado de Ayla

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Levi

Com o outono chegando, algumas folhas já estavam entrando na cor laranja da estação, esperando o tempo certo para caírem. Há menos crianças na rua agora, o horário de verão já terminou. O ar refrescante invade as ruas e balança as coisas mais leves, como folhas e roupas penduradas em varais. É quando Levi sai de casa, caminhando em direção a faculdade. É quando vários alunos saem para estudar.
Levi não tem do que reclamar. O clima agradável se instala pelas ruelas estreitas, que antes eram abafadas pelo calor infernal do verão. Levi odeia o verão. Odeia sair do banho já soando pelo calor. Ele ama o inverno refrescante, ama as estações mais frescas possíveis. E novamente Levi se sente bem ao sair de casa com um moletom fino de cor cinza, com uma calça abrigo preta. Ele se sente confortável com roupas grandes e folgadas.
Levi pode ver, ainda fora da faculdade, uma garota de óculos de armação redonda e preta, seus cabelos são negros. Levi a reconhece, e sorri ao ver sua paixonite na arquibancada da faculdade. Lá está Ayla, lendo seu livro quieta. Ela usa um moletom fino na cor laranja, com detalhes escritos em vermelho nas mangas, usa um short jeans por baixo do moletom, mas ele quase não aparece. O capuz está sobre sua cabeça, mas não impede que seus fios voem para lá e para cá.
Ayla está concentrada, mas pode sentir um olhar árduo sobre si, então olha em volta por segundos. Levi volta a caminhar, agora encarando a entrada da faculdade. Ele sorri igual a um idiota, mas não se importa. É a primeira vez que se sente assim, e está feliz com isso.
Apertando a alça da mochila entre as mãos, Levi caminha entre os corredores da faculdade. Alguns olhares são totalmente seus, outros  ainda não perceberam que Levi passa, então ele fica despercebido. Quando seus pés tocam o chão da sala, ele pode ver dois de seus amigos e se junta a eles.

Ayla

Ayla, que antes estava sentada em um canto da arquibancada, agora está caminhando encolhida pelos corredores. Ninguém a vê, ninguém a ouve, ninguém sabe sobre ela. Ayla é como um vulto ou um fantasma, está lá, mas você não pode vê-la.
Ela caminha devagar, encolhida e desviando de possíveis acidentes, como trombar com alguém. Se sente amedrontada ao ver alguém caminhado em sua direção, então se encolhe e desvia o caminho. Ayla é como um camaleão, camuflada, ninguém a vê.
Sua mão de encontra na alça da bolsa que carrega. A bolsa é pequena e de cor preta, dentro ela guarda um caderno e um estojo. Os olhos azuis continuam rolando pelos corredores, até entrar pela porta de sua sala. Ela não encara ninguém, passa reto, envergonhada. Literatura é sua grande paixão. Ela escreve para um site de histórias, e está prestes a publicar um livro com ajuda de um dos seus professores, o único que já ouviu sua voz.
— Ei, garota! — é a voz de um dos garotos da sala, ele parece querer algo. Os olhos azuis de Ayla se guiam até o rosto do loirinho, mas logo voltam para sua classe. — Pode me alcançar esse lápis ao seu lado? — Ayla encara o chão, vendo o lápis de cor preta e o pega. Analisa o lápis, está pela metade, já usado por um longo período. Ela apenas estica o braço para o lado, e sente o lápis sendo puxado. — Obrigado.
Ayla se sente perdida. Como pode ficar tão quieta? Nem ela mesma sabe. Desde que se entende por gente, não troca muitas palavras com seus pais, não fala nada e só sabe encarar e concordar com tudo. Se sente desnorteada. Como pode viver em um mundo assim? Ayla parece não saber nada, mas ela sabe até mais que os outros. Ela está em todos os cantos, ouve tudo, vê tudo, mas não fala nada. Passa tudo despercebido sobre a visão dos outros.
— Boa noite, gente. Vamos começar a aula? — o professor de português está na sala. Ele não é o preferido de Ayla, mas ela está lá para aprender. Anota tudo, até mesmo o que o homem diz.
Nada passa em sua cabecinha, ela apenas escreve. Se sente bem. É algo que sempre fez. É sua coisa favorita. Quando chega em casa, escreve em seu computador um pouco de seu livro. Trata-se de um conto antigo, da época das bruxas. Ela escreve sobre uma bruxa que é seduzida por um homem sem poderes ou inteligência. Ayla gosta de histórias assim. Se sente bem em contá-las como se fossem realmente algo que aconteceu na antiguidade, mas é apenas uma ficção, algo que se passou apenas em sua cabeça.

Levi

— Vai sair hoje a noite, Levi? — Lucas pergunta quando os dois saem da sala. Levi nega, buscando pelo celular dentro da mochila. — Vamos jantar na pizzaria, que tal?
— Claro. Às oito? — Levi sabe de qual pizzaria Lucas se refere. Desde o colegial, ele, Lucas e Daniel, vão sempre para lá jantar em dias que querem se refugiar de algo, ou simplesmente esfriar a cabeça bebendo com os amigos.
Levi sente falta de Daniel, são dias sem o ver. Daniel foi o único entre os três que preferiu cursar medicina a direito. Daniel entre os três sempre foi o mais inteligente, o mais alto e o mais risonho. Lucas, dentre os três, sempre foi o mais piadista, o mais justo e o menor. Levi sempre foi assim, quieto, lerdo e esportista.
Ele encara as escadas, a espera de Ayla. A esse ponto, Lucas já está alguns corredores a frente, conversando com alguém. Quando um tumulto de gente se junta na escada, Levi sabe que Ayla desce também. Ela é sempre a última a descer, tem medo de ser arrastada pela multidão. Após todos os corpos quentes e ágeis descerem a escada, vem a garota de cabeça baixa, com as duas mãos grudadas a bolsa. Levi se sente pronto para falar com ela, mas não o faz. Ele prefere esperar. Ayla cruza o corredor devagar, encolhida e invisível. Levi está logo atrás dela, mas não é percebido.
Alguns passos a frente, Ayla é empurrada por um grupo de garotos altos que não a viram ali. Ela bate contra um armário, se desequilibra e cai. Há uma dor visível em seu pulso, então ela geme pela dor. O garoto responsável pela queda de Ayla não está mais lá, e no momento Levi prefere ficar para cuidar da garota.
Levi cuidadosamente se abaixa na frente da garota, segurando seu pulso. Ela se encolhe, mas não diz nada. Levi examina seu pulso, e ve que não foi nada grave, mas por culpa do impacto vai haver uma dor muscular de dois a quatro dias, até passar realmente.
— Sente dor? — ele pergunta. Encara o rosto da menor, então ela nega, sentindo o garoto apertar seu pulso com cuidado. — Sente dor? — ele repete a pergunta, tentando movimentar seu pulso, então ela geme. A dor está nos movimentos. — Certo, vem comigo. Na enfermaria há uma faixa para esse tipo de lesão.
Levi a ajuda a levantar. Ayla se encolhe assim que pode ficar de pé, mas continua calada. O moreno guia a garota até a enfermaria e quando chegam lá, Levi pede por uma faixa para o pulso da garota. A enfermeira que cuida do lugar logo coloca a faixa no pulso de Ayla, deixando-a firme.
— Obrigada. — pela primeira vez, a voz de Ayla é ouvida por Levi. Seus pêlos se arrepiam, cada um deles. O agradecimento é baixo, mas a voz de Ayla não sai dos ouvidos de Levi, ele se sente cada vez mais tocado pela voz calma e adorável que sai pelos lábios de Ayla.
No corredor, o qual dá para a saída da faculdade, Levi resolve falar, e acha que não terá resposta. Mas ele ainda, sim, espera uma. Levi quer acreditar que vai ouvir o vez a voz calma, suave, doce, mas também trêmula, vacilante. Levi sente o medo e a doçura na voz de Ayla, e isso a deixa atraente. Ele também não sabe como explicar essa situação.
— Ayla, você está bem? — ela concorda, mas som algum sai por seus lábios. Levi imaginou. Ele resolve não fazer nada a respeito, até sentir um cheiro bom. Ele funga uma, duas, três, cinco vezes, e depois percebe que o cheiro vem da pessoa ao seu lado.
O perfume é inebriante, agradável, doce. Há morango na fragrância, e isso deixa Levi louco. Penetrante, o cheiro não quer de forma alguma abandonar Levi. Há algo na essência que o atrai, e ele sabe bem o porquê. Oras, bolas! O cheiro é bom, tem morango, e a pessoa que o usa, é a pessoa que mais o atrai no momento em questão!
Levi sente que está nas nuvens. O cheiro adocicado o carrega pelos corredores, e ele deseja ter seu nariz para sempre. Como um cheiro tão delicioso pode ser tão inebriante? Levi já sentiu, ouviu e viu coisas viciantes, mas o perfume que Ayla carrega é com certeza o melhor e o mais viciante de tudo que Levi já experimentou.
"O melhor perfume pertence a ela, com certeza."

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