O frio das mãos

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Dohee estava com uma grande pilha de papéis, agora molhados pela chuva, em frente a um ponto de ônibus com pessoas a encarando descaradamente.

"Pelo menos chego em casa logo"- pensou.

Era um dia frio e muito chuvoso. As pessoas já não sabiam o que fazer quanto a umidade gelada que obrigava a todos procurarem um lugar coberto.

Dohee segurava os últimos registros de um manuscrito que jamais seria lançado, feito por um autor que havia desistido de escrever por motivos de saúde. Seus braços doíam, mas ela não conseguia imaginar a si mesma descartando 500 páginas escritas à mão.

O ônibus não era mais acolhedor que o ponto de ônibus descoberto, e não havia uma parte do corpo de Dohee que não estivesse encharcada de água.

Chegando em casa, colocou cuidadosamente os manuscritos perto da mesa de centro da sala e foi tomar um banho.

Os vidros da sacada estavam embaçados o suficiente para Dohee precisar limpar o vapor.

A cidade, aparentemente abandonada por todos que não gostam de se molhar, construía a visão de Dohee, que aparentava feliz mesmo com a ausência de beleza urbana vista de sua janela. Com um sorriso de canto, Dohee pegou um casaco impermeável e colocou botas que a deram segurança o suficiente para ela sair de casa.

Como uma marcha ensaiada, andou por cerca de 15 minutos antes de cruzar uma esquina e chegar em um pequeno parque, onde alguns bancos de madeira absorviam os chuviscos e um poste de luz amarela denunciava o sentido dos pingos de chuva.

Dohee sentou em um dos bancos e olhou para o prédio que ficava em frente ao parque. Lá estava ele, outra vez. De pé no escuro do telhado, mostrando apenas uma silhueta de um casaco e um guarda chuva.

"Você é realmente algo" - pensou Dohee , antes de sorrir sozinha.

Meses antes do evento com o autor, Dohee descobriu sua condição e resolveu caminhar para pensar em uma forma de ajudá-lo. Não haviam muitas pessoas disponíveis para ajudá-la a pensar em algo. Ela estava novamente sozinha, com um grande problema e uma cabeça barulhenta.

Dohee descobriu o parque depois de correr para lá tentando pegar o cachorro de uma senhora que havia fugido, desde então, aquele lugar se tornara o melhor para respirar dentre todos os outros.

Uma figura curiosa chamou a atenção de Dohee em um dos últimos dias do verão. Um homem de altura mediana estava de pé no telhado de um dos prédios que ficavam em frente ao parque.

"A não, carinha, não faça isso" - Sussurrou Dohee para si mesma quando levantou do banco num impulso que quase a obrigou a gritar.

O homem abriu os braços e ficou assim durante alguns segundos, como se estivesse sentindo a brisa, antes quente e úmida que acolhia os que preferiam o calor. Dohee não se viu mais na posição de alarmar alguém sobre o que estava acontecendo depois de o ver fazendo isso, e momentos depois, a figura do telhado desceu da beirada e começou a dançar.

Dohee não escutava música nenhuma, mas podia acompanhar o ritmo em sua cabeça, observando a silhueta dele contra a luz do fim da tarde.

Depois desse dia, sempre que Dohee aparecia no parque com várias coisas para digerir, sendo elas um lanche de rua ou pensamentos complicados, o rapaz estava lá para complementar o que ela tinha como refúgio.

"Ele está de boné hoje" - Pensou ao terminar de comer.

A chuva no inverno estava longe de ser algo reconfortante, era no mínimo uma inconveniência da natureza para quem andava a pé. Ela realmente não ajudava Dohee, mesmo estando em um dos seus lugares favoritos do mundo. Enquanto sentia a ponta do seu nariz perder a sensibilidade, tentava encontrar sentido no que conhecemos por "destino". A pessoa que ela mais adimirara desde os tempos terríveis de faculdade, agora não tinha tempo suficiente de vida para terminar o que seria seu maior feito.

"Se tiver alguém me escutando agora, me diga por favor, qual o sentido de tudo isso" - Sussurrou a garota, formando uma fumaça com o calor de suas palavras ao chocarem o frio.

A melhor das chuvas [NCT - Taeyong]Onde histórias criam vida. Descubra agora