CAPÍTULO III - Nuvem

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As larvas do meu coração viraram borboletas no meu estômago — Tati Bernardi

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As larvas do meu coração viraram borboletas no meu estômago
— Tati Bernardi


ERA ENGRAÇADO DORMIR COM ALICE.

 A filha unigênita de Solange Drummond movia-se pela cama a noite inteira. Primeiro, ela se deitaria em posição fetal, com costas quentes contra as suas. Alguns minutos depois, Alice viraria o corpo para o seu lado, encostando a testa na coluna de quem estivesse ao seu lado. Ela iria ponderar por alguns segundos, mas no fim, jogaria suas pernas grossas por cima da sua cintura e as enroscaria com as suas, enquanto abraçava o seu ombro.

 Ela dormiria assim por horas, até simplesmente te largar e virar as costas para você e dormir na sua posição inicial. Era um processo que se repetia em um círculo vicioso durante a noite inteira — mas às vezes podia mudar, com Alice caindo da cama, por exemplo.

 O que eu não estava acostumado, era dormir com uma garota e ela simplesmente desaparecer no minuto seguinte.

Sem nem mesmo deixar recado.

— Alice? — chamei por seu nome, esperando qualquer sinal de que ela ainda estivesse ali.

 Não podia ser um sonho. Sonhos não eram tão reais quanto o que eu havia vivido na noite passada. Sonhos não tinham cheiros e gritos tão vívidos quanto a realidade.

 Alice tinha que estar em algum lugar que não fosse a minha imaginação.

 Chamei por seu nome três vezes antes de resolver levantar da cama e ir procurar a intrusa pela casa. Eram seis horas da matina, e Corote tirava o carro da garagem para mais um dia de trabalho, enquanto o cheiro do café que mamãe preparara se misturava com os roncos de Liana, que provavelmente dormia de conchinha com o travesseiro, fantasiando que o objeto fosse Aline.

 Liana, naquela época, ainda não podia dizer abertamente para nossa família sobre o seu gosto por meninas, não por nossa mãe, que era totalmente tolerante aos homossexuais. Como sempre, o problema era o nosso "querido" padrasto.

 Na verdade, nem mesmo hoje, estando mais perto da morte do que qualquer um, meu padrasto não conseguia aceitar pessoas do mesmo sexo amando-se de forma tão natural. Mesmo que preso a uma cadeira de rodas e, muitas vezes grogue pela quantidade massiva de remédios ingeridos em um mesmo dia, quando Pedro, o garoto magrelo da última casa da nossa rua, tinha sido pego aos beijos com outro rapaz por Dona Bia, Corote o perturbou por longos dezesseis dias.

 No começo eram risadinhas de escárnios ou um "veadinho" sussurrado quando o velho o via subir a ladeira, mas com o decorrer dos dias, as coisas começaram a ficar realmente estranhas. O cachorro de Pedro apareceu morto sem explicações, sua janela foi quebrada no meio da noite e, ele e seu namorado, Thiago, foram espancados por um grupo de homens encapuzados certa noite quando voltavam do cinema.

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