PostMortem

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Eu olho para o céu com esperança.

Ele é escuro, o ar denso bate mais forte e lança meus cabelos em sua direção, o seguro contra o peito.

O ar é pesado, dizem que há tantas partículas carregadas nele que o tornam mais pesado do que sempre fora.

Dizem que é por isso que não vivemos muito.

Dizem que o céu já foi azul e que talvez se parecemos de depositar tanta fumaça industrial nele, talvez daqui cem anos ele voltaria a ser.

E teria animais novamente.

Insetos se rastejando na terra entre uma grama alta e verde, pássaros voando no céu e teríamos mais comida.

Mas ninguém vai parar suas máquinas para termos isso.

Se um dia tivemos e abrimos mão, por que lutariam para ter de volta?

Eu gostaria de acreditar que pudessemos corrigir isso.

Eu gostaria de viver nesse lugar se ele fosse um pouco melhor.

Todos gritam em silêncio, mas eu posso ouvi-los, choros sem lágrimas de almas que já se perderam ou que nunca se encontraram.

Eu queria poder parar de trabalhar agora, minhas pernas estão cansadas e mal me mantém em pé, mas ainda está longe de anoitecer e mesmo após isso ainda faltará muito tempo para terminar minha jornada de trabalho.

Puxo com força as folhas da última planta que cresce em abundância suficiente para servir de alimento.

Suas folhas são negras pelo excesso de pigmentarina, o recurso final de uma planta para obter a luz do sol.

Plant postmortem ou Planta pós morte é fina, delgada e de caule comprido, folhas largas e raízes profundas, características que tornam ela a única planta que suporta a vida nas condições atuais. Obtém água e nutrientes das profundezas e do ar, energia por suas folhas grandes capazes de armazenar até a mínima fração de luz.

As fábricas poluem o ar até o estado de partículas flutuantes e a água de rios superficiais e aquíferos até um lodo quase sem viscosidade e vazão, mas a PostMortem resiste a isso e ainda sim é comestível.

Talvez seja por ela que chegamos à esse estado.

Diziam que não precisávamos nos adaptar à natureza, ela se adaptaria a nós, que não importa o que fizéssemos o planeta evoluiria, nos devolveria da melhor maneira possível, com sua riqueza.

Postmortem era capaz de fazer isso e outros iriam se adaptar, animais, plantas, pessoas. Um dia nenhuma espécie de vida iria ser subjugada por venenos, poluição ou radiação.

Seríamos indestrutíveis e não precisamos temer, a evolução resolveria nossos problemas.

Isso não aconteceu.

Não importa quantos anos se passem, não seremos capazes de viver em meio a poluição secular sem nos afetarmos por ela.

Somos a escória de uma sociedade que um dia foi próspera.

Esse glorioso passado de riquezas e exploração nos destinou à uma vida na merda.

Pensavam que o mundo estava podre e que ele nos apodrecia lentamente, mas sempre foi o contrário.

O ser humano é um erro da evolução, uma praga que a natureza não conseguiu equilibrar com suas outras criações.

Uma pedra solta que desfez toda a parede evolutiva em construção e adaptação.

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⏰ Last updated: Oct 02, 2021 ⏰

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MORPHEUS - Mundo AdormecidoWhere stories live. Discover now