O homem planeja, Deus ri.

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Eu corri...
Corri tão rápido...

O suficiente pra sentir meu coração bater na boca.

 Suficiente para não  sentir minhas pernas, como se percorresse quilômetros na garupa de alguém...

Mesmo assim não fora o suficiente, aquele corredor imenso gelado e sem fim ainda seria a  ultima coisa que eu lembraria...

É estranho os últimos segundos de vida... Antes de tudo acabar e as cortinas da vida se fecharem...
Pessoas que já tiveram uma experiencia de quase morte, relatavam que sua vida inteira passa por sua mente em apenas um piscar de olhos.
Não foi bem assim comigo...
Ouvia a minha própria voz, falando a mim mesma que era o fim...
Parabéns Pan, você fez tudo que pode, mas acabou....

Não consegui conter as lágrimas que teimavam em cair dos meus olhos enquanto eu intuitivamente continuava correndo, tentando me agarrar a um fiapo de chance de sair daquilo tudo ainda viva. 

 Mas não era choro de medo, era decepção... 

Como uma criança pequena, que confia piamente no bom coração das pessoas, eu havia sido enganada...

Ele entrou na minha vida, manipulou todos os acontecimentos até ali... Como uma peça em um jogo de tabuleiro, eu estava no lugar exato, pronta para ser aniquilada...

"sacrifiquem a rainha"

Eu era a rainha!




10/03/2023

7:30
PRIMMMMMM!
- Nãaao...

Eu odiava as segundas-feiras...

Odiava acordar cedo...

Eu odiava aquele barulho insuportável que o despertador que Vincent havia me dado, a três aniversários atrás, fazia.
Toda manhã era a mesma coisa, desligava o despertador com o travesseiro, ficava mais tempo na cama, levantava em um salto, estendia a cama, lavava a colher do brigadeiro que comi na noite anterior assistindo Netflix, e colocava o café pra passar enquanto me arrumava, muitas das vezes sem tomar , já que eu havia ignorado Ben, o sapo despertador gritante.
Sim, meu despertador tinha nome e era um sapo.

Eu adorada sapos...


Também gostava do cheiro do café, ele me lembrava tempos mais felizes.
Como quando eu dormia até tarde e era acordava por Ví com o café borbulhante na caneca e um beijo na testa.
Ou quando ele colocava minhas pantufas de sapo e saía pela casa, com meu roupão miniatura no corpo esguio de quase 1.90, dançando com o pote do café na mão...
Aos sábados quando fazíamos um café "colonial" em casa depois de termos dormido até tarde por conta da maratona de Grey's Anatomy.

 
Ví cursava medicina​ e me jurava de pés juntos que metade dos procedimentos da serie eram mentira, embora eu soubesse que não era bem assim. Fingia acreditar por que amava a forma como ele tentava me proteger do mundo. Como um bom parceiro,  fazia de tudo pra me proteger das decepções de fora...

Vincent...

Com seus quatro anos de diferença de idade, ele me ensinou a ter pra onde correr quando o mundo tentasse me machucar... Ele só não me ensinou uma coisa... Pra quem eu correria quando ele não tivesse mais ali?!



-Olá Pan.
-Dona Gleice. Respondi, sem fitá-la. Continuei caminhando rumo a saída. Ela podia captar o medo nos olhos de qualquer um. Era o que Ví costumava dizer escondendo o riso entre os lábios.
Sorri daquela lembrança. Dona Gleice era o motivo dos nossos risos no fim de tarde na praça, depois de uma volta de roller. Eu patinava e ele corria...
Ví ia a todas as reuniões condominiais e depois falava de um a um pra mim. Tinha o cara que ficava "limpando o nariz" enquanto falava na frente de todos, tinha a boazuda do 801 que não tirava os olhos do marido gay do filho da dona Gleice, tinha o seu Bartô que se perdia no que estava falando por conta dos seus, evidentes, problemas de memoria, isso quando ele não dormia sentado na sala de reuniões.
- Você recebeu a notificação da reunião no sábado às 16h? Ela sempre vinha atrás da gente... De mim agora. - Você não trabalha aos sábados né, podia vir, vamos abrir uma investigação para saber de quem é o cachorro que está destruindo as flores do canteiro externo do bloco leste...  Você acredita que na última vez eles defecaram nas plantas? De-fe-ca-ram menina!
"E adubo dona Gleice."
Ela era mais cômica do que qualquer outra coisa. Não fazia mal a ninguém, mas para uma mulher cheia de faro investigativo, não era bem inteligente não.
-Vou ver dona Gleice. Não prometo nada... sabe como é, compromissos, home office... Estou atrasada, até mais!
Era óbvio que era o carinha da bunda de fora do 505. E não precisava ser muito inteligente pra saber disso. 

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