Capítulo 1 sem título

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Minhas costas estavam doloridas. Resultado de ter permanecido sentada em uma cadeira sem o seu encosto. O velho ventilador de ferro, que perdeu suas forças com o tempo, já não dava conta daquela situação. Mesmo que eu conseguisse alcançar as janelas à minha frente, grandes cadeados impossibilitavam a sua abertura. O dia estava nublado e frio, ficar aqui está sendo uma tortura. Com movimentos rápidos, esfregando um pé no outro, tiro meus sapatos de couro levemente engraxados, puxo fora as meias com os dedos e deixo os pés suados roçarem o carpete ornamentado. Mesmo que estar sem sapatos fosse melhor do que estar, a poeira do carpete incomodava ao toque. Decido alongar o pescoço. Penso que a minha cabeça é um planeta, e o pescoço é o sol, com um movimento que faz dois dois ossos estalarem, o planeta deu uma volta ao redor do sol. Minha boca seca ansiava por algum líquido. Minhas coxas foram amarradas sobre o assento com fita adesiva, envolvendo e machucando a pele. Queria gritar por Débora - estou aqui a trinta minutos, já deve ser hora do intervalo da sua turma - mas elas iriam me escutar, e talvez me bater. Imagino que a fresta da janela mais alta talvez fosse suficiente para que ela me escutasse. Ao pensar nela, precisei respirar fundo e pressionar as coxas uma na outra.

Depois do que pareceram ser cinco minutos, um barulho de vidro partindo ecoou no corredor. Aquela nova serviçal desastrada sempre tropeça nos seus saltos, como se nunca tivesse precisado usar tais sapatos na vida. Lembrei de quando tive aulas de postura. Um, depois dois, depois três livros. Sapatos com saltos cada vez maiores. Assim como a camareira, eu mesma já havia derrubado vários copos no tapete macio da sala, mas os meus sempre estiveram vazios, e não eram de vidro, e sim de metal. Em um dia, quando julgaram-me experiente o bastante, colocaram uma taça de cristal na minha bandeja, e serviram suco com uma jarra. No fim, eu havia conseguido ir de uma ponta à outra do salão sem nem mesmo desequilibrá-la. Esse pensamento me faz sorrir, esse era um dos meus poucos méritos morando naquela mansão, então eu deveria valorizá-los.

Gritos e reclamações da diretora começaram a vir da sala ao lado. Com as feições de ratinha e cabelo oleoso preso em um coque baixo, a novata seria demitida. Em um colégio que prega e venera a classe e a perfeição, nem mesmo uma faxineira com maus modos era alguém de se deixar passar. Quando os berros - que foram sufocados pelas paredes - acabaram, a porta de carvalho se abriu, e com passos aveludados e melancólicos, alguém desceu as escadas até o salão.

Treino - Presa no quartoWhere stories live. Discover now