01:34am. A vista da minha varanda nunca esteve tão escura e triste. Sinto a brisa fria tocando minha pele e arrepiando cada pelo do meu corpo. Sinto um frio na minha barriga, seria amor? Dizem que quando se ama sente-se borboletas no estômago. Minha amiga Wendy disse que o amor é a pior das doenças, trás a pior das dores, as piores decepções. Bem, ela com certeza falou mais que isso, mas não deu pra entender com a sua voz chorosa e abafada pelo seu travesseiro de flores.
Me senti mal por ela e agradeci aos céus pela dádiva do saber lidar. Observo uma pessoa passando do outro lado da rua, despreocupada, acendendo um cigarro e se encostando em um poste. No meu campo de visão eu mal via a silhueta, o cigarro aceso parecia um vagalume de onde eu estava. Miopia.
A silhueta se move pra esquina da rua onde havia um poste iluminando na rua atrás dela. Então ela levantou a cabeça para o céu e soltou a fumaça para cima. Pobres pulmões. O que eu estou fazendo aqui? Essa sombra pode ser um bandido prestes a pegar uma arma, mirar e atirar em mim. O que me prendia naquela varanda? Além, claro, do ronco alto da minha prima que me impossibilitava de ter um sono tranquilo e, provavelmente, ruim sobre como eu irei me ferrar na apresentação do trabalho amanhã.
02:06am. A vista da minha varanda nunca esteve tão sem vida. O vagalume se foi, a silhueta se foi, a brisa esfriou ainda mais. Decidi entrar e me forçar a pelo menos cochilar, ou eu posso colocar uma meia na boca da minha prima, o que me parece a opção mais interessante.
Entro novamente no meu quarto e encaro o meu abajur ligado na mesinha ao lado da minha cama. Segunda coisa que me impede de dormir. Eu simplesmente odeio a luz batendo em minhas pálpebras, fazendo eu enxergar um tom de vermelho me tirando de meu pensamentos, teorias e paranoias pré-sono. Mas ela tem medo do escuro, ela sente que não está sozinha, se sente mais vulnerável a tudo. Como somos diferentes. No escuro eu me sinto protegida, fico fora de alcance. Ninguém pode me ver, não percebem meus erros, minhas falhas, não condenam meu fracasso, não existe derrota. Sou apenas eu, sozinha, longe de qualquer coisa que me pode prejudicar. Mas eu não posso morar no escuro. Eu gosto das cores, dos cheiros, dos gostos, da vida. A vida é bela, a vida é preciosa, esplêndida e entre outros adjetivos que consigam exprimir o tamanho fascínio que eu sinto por ela.
Jen peux plus. Tenho meus dias, meus limites. Sinto que amanhã será um dia surpreendente. Pelo menos é o que diz o meu horóscopo. Oh ma vie, descabida, sem rumo, perdida. Eu juro a ti, oh ma vie, aproveitar-te em cada segundo, minuto ou hora. Oh ma vie, clamo que não seja dura comigo, pois eu não sei lidar com a dor e nem compreender a ignorância do mundo. Douce vie, que eu guarde minhas memórias e as repasse, para quando eu virar pó e restarem apenas os meus ossos, eu me mantenha viva em espírito, cores e luz. Lumière de la vie, que meu protetor, seja ele um anjo, um Deus, um espírito, uma entidade, me assegure que sempre voltarei completa ou complementada à minha morada. Seja ela qual for e onde for. Assim me perco em meus pensamentos, até que uma silhueta, um vagalume e um anjo invadem meus sonhos.
04:50am foi a hora que despertei com o som de Somebody Told Me tocando por ser o som do meu despertador, logo em seguida escutei a voz fina e preguiçosa da minha prima clamando para que eu desligasse essa porcaria. Os adolescentes de hoje em dia não sabem o que é música boa. Com certeza se fosse uma música da Taylor Swift ela pularia da cama e saltitaria cantando pela casa como se estivesse em um clipe, mas quem sou eu pra julgar? Quando vi o videoclipe de You Belong With Me passei a sonhar com um vizinho gato que dialogasse comigo por folhas de papel escritas e exibidas na varanda.
Não me surpreendo ao ver as enormes zonas arrocheadas ao redor de meus olhos, cara de cansaço e cabelo altamente bagunçado. Chamo isso de efeito Eve. Toda vez que minha prima Eve dorme aqui em casa eu acordo assim. Ela sim consegue tirar meu sono com seu ronco, medo de escuro e amor por portas abertas (que eu considero extremamente irritante).
Vou no spotify e deixo ele tocando em uma playlist aleatória, um método meu para encontrar músicas boas não muito conhecidas que merecem serem escutadas. Entro no box e pulo assustada ao sentir o contato da água gelada com a minha pele que vai esquentando aos poucos. Daria pra fazer uma daquelas frases motivadoras nesse exato momento: A vida é como a água fria das 5 e meia da manhã, temos que encarar por que sabemos que a água quente vem depois e melhora tudo. Por mais dramática que seja, tem um fundo de verdade.
Alguns minutos após o meu longo banho de meia hora, me assusto com algo que com certeza era pior que a água fria das 5 e meia da manhã. Um som bem alto de um cara gritando acompanhado de uma bateria, o método deixar o celular tocando aleatoriamente para achar uma música divinamente linda me decepciona em certos dias, com certeza ele acha mais músicas ruins que boas.
- Isabel, você prefere ovos mexidos ou sopa? - Fala Eve com a voz abafada pela porta do banheiro.
Abro a porta do banheiro e a olho com uma expressão levemente surpresa, arqueando minhas sobrancelhas confusa pela opção da sopa.
- Sopa é péssimo, Eve.
- Realmente, sopa às 5 é uma péssima escolha. - diz Eve enquanto se vira para retornar à cozinha.
- Sopa é péssimo independente do horário, Eve. - Dou uma leve risada ao perceber que ela deu essa opção por a) exatamente por saber que eu odeio sopa e b) por não haver outra coisa pra fazer aqui além de cuscuz, ovos e macarrão.
Visto-me com uma blusa preta de gola alta sem mangas que já usei umas mil vezes desde que a ganhei, uma saia estilo colegial de filmes americanos que eu comprei em um site por apenas 35 reias e um tênis preto bem sofrido, suprindo a necessidade vintage que a minha aparência precisa.
- Essa blusa de novo? Cuidado Isa, as pessoas vão jogar moedas em você na rua. Vão pensar que você é uma mendiga.
- Minha blusa tem história, mais respeito, por favor. - Reviro os olhos pegando o meu último toddynho e observando a situação da geladeira, quase completamente vazia, preenchida somente por garrafas de água e uma caixa de ovos. - Eu nunca tinha visto uma geladeira triste.
- Não é só a geladeira, como você consegue ficar feliz com uma geladeira depressiva em casa? Essa é a prova que você é uma pessoa péssima.
- Sou uma pessoa péssima por que sou feliz?
- É uma pessoa péssima por não comprar nada pra preencher a coitada. - Fala enquanto anda em direção do quarto provavelmente indo buscar um livro ou ligar o rádio. Ela anda extremamente preocupada com suas notas ultimamente, a separação dos pais não só gerou problemas na parte familiar como gerou na acadêmica também. Pobre Eve.
- Até parece que eu sou a única pessoa que mora nessa casa. - Grito pra ter certeza que ela me escutou e reviro os olhos.
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Isabel
Ficção AdolescenteIsabel é uma adolescente condenada à viver. Um livro que retrada de forma divertida e diferente a subjetividade da vida de uma pessoa qualquer que vai deixar de ser uma pessoa qualquer pra você quando você, meu caro leitor, apertar em "adicionar à...