REGRESSO

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- O que pensas-te hoje? - A mulher à frente de Luke perguntou pela segunda vez quando o rapaz decidiu fingir não tê-la ouvido. Lorraine, rabiscou algo no seu pequeno bloco de notas, ao que Luke não teve o prazer de descodificar. 

- Porquê que acordei hoje. - Luke disse enquanto admirava os anéis prateados que decoravam os seus dedos. Teriam sido a última moda que o rapaz tinha adotado, e ele não se arrependia.

Lorraine suspirou levemente e com certa delicadeza, colocou os seus óculos na mesa. - Tu precisas tanto disto, Luke.

O rapaz estava estupefacto. Como é que as pessoas poderiam saber exactamente o que ele precisava, melhor que ele próprio?  Não bastava a sua mãe com o seu obséquio de opinar e distribuir a sua implícita sensatez, assim que o via a entrar pela porta; e agora, Lorraine. O que Luke realmente necessitava, era que todos tivessem a cortesia e a humildade de desaparecerem. 

Decidido em não lhe responder, encostou as suas costas à cadeira. Com os olhos postos na janela, a fim de não cruzar o seu olhar com Lorraine, este viu um dia, uma vez mais, cinzento e ridiculamente frio. De todo que a chuva e o mau tempo, quisessem abandonar o sul de Yorkshire. Chuva parecia que vinha para ficar e Luke ponderou em como estes dias cinzentos e gelados, anulavam a sua paz de espírito.

Lorraine desistiu de olhar Luke e começou a ponderar o que anteriormente escrevera. Luke não lhe apetecia acordar, o que era um pensamento recorrente do rapaz. No inicio da sessão, Lorraine reparou em como o jovem tinha adotado novos vestes; talvez indicasse uma progressão no seu comportamento, à procura de um bem-estar interior e melhorias na condição física. Mas assim que Luke abriu a boca e disse-lhe que não devia ter acordado, esta logo percebeu em como estava redondamente enganada e a adolescência era extenuadamente complexa. 

- Lembras-te de te ter pedido que escrevesses o que provocava a tua ansiedade, num diário? Trouxeste-o ou já escreveste algo? - Luke por momentos, permaneceu confuso, não tendo a mínima do que Lorraine lhe estaria a pedir. Ao qual a mulher não se admirou.

- Eu pedi que o fizesses, para podermos discutir melhor sobre o que te anseia. Era um exercício. Vá, um trabalho de casa

- Ah, bem. Esqueci-me de o fazer. A carga trabalho do secundário já me dá dores de cabeça. Mas irei certamente, trazê-lo para a próxima vez. - Luke mentiu e coçou a sua nuca. Ainda ponderou em dizer que se tinha esquecido do tal caderno em cima da mesa ou que o tinha perdido, mas já esperava que Lorraine soubesse da sua mentira hostil. 

- Espero que sim, Luke. Gostava de te conhecer um pouco melhor. 

De certo, que Luke não queria conhecer melhor Lorraine. Esta parecia ser alguém extremamente amável e demasiado matriarca para seu gosto; alguém que conhecia os seus princípios e valores, e isso assustava-o. O sexo feminino perturbava-o. Então, ele decidiu permanecer longe de mulheres decididas que pudessem esfregar o quão bem resolvidas eram, na sua cara. O sentimento de menorização sempre se evidenciou no rosto adverso de Luke, e Lorraine, sempre o soube desde que o jovem pisou o seu consultório.

O rapaz fechou os olhos e inspirou o ar que adentrou naquele pequeno consultório, e a sua cabeça caiu para trás. Estava tão exausto, e ainda lhe faltavam vinte minutos para que a sessão entre os dois se desse como terminada.

- Luke?

O consultório de Lorraine era tão impessoal. As cores geladas e bejes estavam a dar voltas à cabeça e estômago de Luke, e apenas duas molduras e desenhos que cobriam a parede atrás de Lorraine, é que davam um toque acolhedor àqueles que iam ali com a suas lamurias. Luke odiava aquela pequena sala, os desenhos mal feitos e a mulher à sua frente. 

- Luke?

- Diga. 

- Creio que deves ser menos severo para contigo mesmo, sabes. - A mulher colocou a face entre as mãos, e o seu anel de casamento brilhou com a luz do candeeiro. - A tua postura demonstra muita rigidez e uma tamanha inflexibilidade. Tenta ser mais brando, e verás que a tua paz de espírito irá melhorar. Deixa-me, pelo menos, ajudar-te. 

Uma vez mais com um sorriso nos lábios, Lorraine levantou-se e indicou a Luke, que a sessão entre o dois, tinha chegado ao fim. O rapaz arrastou a cadeira e mostrou-lhe um breve sorriso quando viu Lorraine aproximar-se para o abraçar. Luke dispensava qualquer tipo de demonstrações de afecto, portanto apressou-se em sair dali

Ao chegar à porta da clínica, Luke não encontrou a sua mãe e o seu carro vermelho, como era de habitual. Quando se ia preparar para lhe ligar, e reclamar por ela o fazer ficar à espera ao frio da rua, este leu uma mensagem da sua progenitora a avisar que a sua avó Agatha, tinha-se sentido  mal, e estariam a caminho do hospital de Barnsley. 

Estava frio, mas a chuva tinha deixado de cumprimentar a manhã de Yorkshire e Luke agradeceu por isso. Traria apenas consigo o seu casaco e um cachecol que a sua mãe lhe tinha feito. Teria-se esquecido do seu gorro e carteira, quando pôs as mãos aos bolsos e não a encontrou. Mesmo que quisesse apanhar o autocarro para ir para casa, era-lhe impossível. 

O rapaz estava mais aborrecido por ter de se dirigir a pé até casa, do que propriamente dos espasmos recorrentes da sua avó Agatha, que a levavam a idas constantes ao hospital. 

O dia encontrava-se melancólico, tal como os dias prévios daquele mês de Novembro. Luke, sem nenhum lugar para onde ir, sem ser para uma casa vazia, direccionou-se a caminho do cemitério mais próximo. Yorkshire era um sítio incrivelmente pequeno, tudo era relativamente próximo e Luke quis ir sem que a sua mãe soubesse. 

Poucos quilómetros depois, muros e grades começaram a aparecer. Uma florista permanecia perto da entrada e Luke planeava comprar um ramo de lírios, se não se fosse esquecer da carteira em casa. 

Assim que adentrou o cemitério, poucas pessoas por ali vagueavam. O panorama trazia-lhe uma insólita tristeza, mas a caminho do cemitério, Luke prometeu não chorar.

O rapaz sentia umas tremendas saudades do seu progenitor. Ele sabia que assim que pusesse um pé dentro daquele portão, a mágoa ia ser sua inimiga, e varrer-lhe-ia os sentidos. Mas ele não ia chorar.

Luke encontrou a lápide, e pensou que fosse mais difícil encontrá-la. Viu begônias e antúrios a decorá-la, a sua mãe devia ter sido a culpada, e ele estava grato por esta não lhe ter referenciado a sua visita. 

Um soluço ameaçou Luke, e lágrimas seguiram. 

- Oh, pai. - Murmurou e sentou-se para se poder aproximar um pouco mais. Oh, quanto ele desejava estar mais próximo do seu pai.

Permaneceu sentado e arrancou um antúrio, girando-o entre os dedos. As suas bochechas já molhadas, o jovem sentiu o seu interior a deteriorar-se em plena dor. Quase como se lhe tivessem dado um pontapé nas entranhas, e o tivessem deixado para morrer, pensou e dramatizou Luke. 

Não muito tempo depois, uma estranha sensação apoderou-se no fundo da sua barriga e a pele dos seus braços arrepiou-se. Culpou o imenso frio que faria naquele inverno.

Já nervoso, colocou as mãos aos bolsos do seu casaco, a fim de encontrar os seus comprimidos mas tudo que encontrou, foi o seu telemóvel. De tão nervoso, levantou-se. Ao que o levou a  tropeçar, com a tamanha velocidade a se tinha levantado.

Envergonhado que alguém o tivesse visto, este despediu-se do seu pai, não sabendo quando regressaria mas prometeu-lhe que dessa vez, lhe traria flores. Luke direcionou-se para a saída, mas não se recordou por onde veio ou do portão ferrugento que viu ao entrar. 

Deu uma volta maior, a fim de encontrar a saída. De novo ansioso, este sentou-se e respirou fundo tal como Lorraine lhe tinha ensinado. Tudo o que Luke queria era ir embora e deixar de ver flores murchas e lápides. 

Algo debaixo dele era tão frágil, que lhe pareceu partir. Sem se aperceber onde estava sentado, virou o seu rosto para o lado e viu que era numa lápide.

Caroline Paige Wright

Com amor da mãe e de sua avó, que a paz lhe seja garantida.

1915-1924




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⏰ Última atualização: Aug 13, 2020 ⏰

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