Parte I

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Ponto de vista: Christopher Schmidt


- Assistiu ao jogo de ontem? – Mike perguntou e descartou uma carta na mesa. 

- Não. – Menti, segurando o riso. Esperei o homem expirar em alívio para continuar. – Eu assisti um massacre e não um jogo. – Descartei um seis de Copas. 

- Ah, vai se foder, Schmidt! – Respondeu, bufando e soltando suas cartas de qualquer maneira na mesa. 

Travis, Louis e Danny gargalharam com a reação do garoto. Mike era o mais novo a entrar no corpo de bombeiros, e fora facilmente acolhido pelo grupo mais antigo como se fosse um irmão mais novo. Isso tinha suas vantagens, mas também não facilitávamos para o moleque. Eu podia ver fogo saindo por suas ventas. Torcer por um time que sempre perdia era teimosia, mas continuar apostando nele vez após vez que ele perdia era burrice mesmo. Fiz questão de apontar isso em voz alta, recebendo um olhar fuzilador dele. 

- Tô fora. - Anunciou, começando a se levantar. 

- Ok, ok paramos. – Eu disse, levantando as mãos em rendição. - Não precisa se afastar. 

Mike me avaliou com o olhar, tentando enxergar alguma coisa por trás de minhas palavras. Por fim, deu-se por vencido e se sentou novamente na cadeira de plástico. Carteado era apenas uma das atividades que usávamos para relaxar e passar o tempo entre as chamadas de emergência. Estava sendo uma noite bem tranquila, com somente duas ocorrências menores e isoladas e, mesmo assim, não podíamos nunca esmorecer ou baixar a guarda. Lancei um olhar ao garoto que observava o teto parecendo entediado. Senti o riso começando a voltar e tentei disfarçar com uma tosse, mas os olhares risonhos de Travis e o morder de lábios de Danny não deixaram mais eu me conter. Ao mesmo tempo, nós três começamos a gargalhar novamente e recebi um tapa do mais jovem em minha nuca. 

- Desisto de vocês. - Revirou os olhos. - Depois eu que sou infantil. 

- Vocês não cansam de brigar, não? - Elisa, recém-chegada no local, questionou, com as mãos na cintura. 

Elisa é nossa chefe, capitã do esquadrão. Eu ia lhe responder sarcasticamente, mas o soar da sirene fez com que largássemos tudo de qualquer jeito e nos apressássemos em preparar o equipamento. Terminando de me paramentar, corri com meus companheiros e nossa chefe em direção ao caminhão vermelho. 

- Incêndio residencial na Rua Wilkins. O tanque de abastecimento está completo, equipamentos todos nos conformes. Boa sorte. 

- Valeu, Joe! – Respondi, entrando no veículo e sentando-me no banco do motorista, onde era meu lugar. 

Bati a porta e coloquei o cinto e apressando-me em dar partida no veículo. Logo estávamos andando pelas ruas de Chicago e eu rapidamente atingi velocidade. Pedi para Trev ligar a sirene e assim que ele o fez, aconteceu de novo. Minhas pupilas se dilataram e eu senti a familiar descarga de adrenalina percorrendo meu corpo. Inalei profundamente em êxtase. Eu era viciado em tudo aquilo. 

Desde que decidi ser um bombeiro, eu soube que seria assim toda vez: a adrenalina, o "rush" passando por minhas veias e a emoção de salvar a vida de alguém que muitas vezes já não tinha esperança. O porque de eu ter escolhido essa profissão? Quando criança, eu assisti um incêndio em frente à casa em que eu morava, observei os bombeiros entrarem no prédio tomado por chamas e saírem de lá carregando sobreviventes nos braços. Achei um ato heroico e comecei a anunciar para minha mãe que queria ser bombeiro. Eu sempre fui muito solitário. Criado somente por minha mãe, filho único, sem muitos amigos. E eu sabia que para me colocar em risco todos os dias nessa profissão eu não poderia ter muitos vínculos, pois não saberia lidar com uma namorada louca de preocupação cada vez que eu saísse para atender um chamado; já não bastava mamãe. Por isso – e por ver famílias e mais famílias se desfazerem a cada incêndio que íamos apagar – decidi me manter longe disso e as coisas iam muito bem assim. 

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