Capítulo 6 Espinhos e cacos.

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Tudo se faz e refaz conforme o tempo passa a sua volta,onde você não sabe se vai sorrir ou chorar nas próximas horas,esperar até que o ônibus chegue,cumprir horário no trabalho,chegar na hora marcada...É como ter um relógio desenhado em nossos rostos,tenho minha rotina decorada como uma música em minha cabeça, e quando estou cansada de cumpri-la tenho que fazer do mesmo jeito, assim são os dias de todos, é assim que a vida funciona.

Mas no dia seguinte, sorria e diga que tudo está bem, isso é normal, é a mais bela forma de se sentir pior, é como se você fosse engolindo tudo que te magoa durante meses, semanas e até horas, até encher o seu interior, então choramos, mas ainda existem as persistentes palavras que resolvem martelar em nossas cabeças, como um enorme prédio de decepções, com muitas e muitas salas, cheias de papéis com palavras não ditas, com as que machucaram e com aquelas que são impossíveis de se livrar. Muitas vezes você tenta reformar esse prédio, substituir as coisas ruins pelas coisas boas, mas tantos papéis tantas palavras fazem com que você se sinta cansado, sem tempo e adiando tudo para o dia seguinte.
E às vezes eu só quero pedir desculpas para mim mesma, talvez eu tenha que manter distância das pessoas, talvez eu as machuque, é como se eu tivesse cactos em minhas mãos, como se eu fosse feita toda de espinho, não sei dizer o que há de errado comigo, apenas sei da dor que esses espinhos me causam, às vezes também os toco, quando tento de fato corta-los de mim, sem que ninguém veja, sinto como se minha pele sangrasse, mas não, não há nada em mim, apenas mais uma crise, um delírio que tive durante uma breve falta de ar , algo que quis apertar meu pescoço. Alguns dias se transformam em vômito e lágrimas, outros são válidos apenas enquanto o sol ainda brilha, não tenho me garantido durante as noites, o sono já não me acompanha mais, nem meus lindos sonhos com nuvens cor de rosa, a escuridão toma conta de tudo, o castelo possui cores sombrias e pinturas envelhecidas, todos a minha volta são repletos de medo, eu estou trancada em meu pensamento, me vejo criança, me vejo querendo fugir, ouço minhas próprias gargalhadas em meu interior, sou repleta pela dor das memórias, sou dominada pela culpa, abandonada por mim mesma, castigada por mim mesma, desde que a solidão e a tristeza chegaram eu não passo de um borrão, até mesmo para os meus olhos diante do reflexo do espelho. A alegria se transformou na pequena criança que me deixou, que fora tirada de mim, muitas das vezes a vejo crescer, já em outras continua a mesma, ela sempre quer dançar, quando na adolescência sonha em ser uma bailarina de sucesso, vejo seus sonhos coloridos serem criados pelo passar dos dias, me lembrando aos poucos que hoje sou alguém que não possui nada, nem mesmo um sorriso que seja verdadeiro, essa fase já se tornou grave demais, dolorosa o bastante para já não carregar mais tal nome, agora ela vive grudada em mim, uma sombra que se aproveita da minha dor, que sorri diante da minha tristeza, e que me vê morrer cada vez mais.
Todos os dias convivo com o pensamento de que há algo de errado, de que existe algo de errado comigo, e talvez exista, talvez eu realmente tenha espinhos, ou talvez sejam meus defeitos que ficam maiores a cada dia, que me cansam o corpo, e que o fazem sangrar, apenas eu vejo leve tons de vermelho pelo meu corpo, onde a dor é sentida pela alma, muitas das vezes me sinto aprisionada em uma jaula, como uma pobre criatura, e as palavras já não saem da minha boca, pois meu corpo já não pertence mais a mim, agora o que mora em mim é frio, e me lembram as geladas tardes de inverno, a escuridão que me toma por completo me lembra um céu nublado sem estrelas, uma noite sem qualquer brilho. Alguém cale a minha boca por favor, pois por sua causa meu peito e minha garganta ardem em dor, existem remédios que possam curar a dor emocional? Posso dormir e esquecer? Eles vão me acompanhar durante a noite? Não irão me deixar sonhar? Estarão comigo quando finalmente amanhecer?
Por favor alguém concerte o meu coração, me cole novamente ao meu corpo, e me devolva a alegria de viver, a cada dia que passa me afogo mais e mais na imensidão do meu próprio corpo, em dias que só existem lágrimas, onde meus olhos transbordam e formam enchentes. Tudo se tornou pouco e vazio, fotos são apenas imagens, e porque eu precisaria de amigos, tenho machucado muitas pessoas que amo nós últimos tempos, e talvez eu já nao tenha sentimentos, talvez não façam mais parte de mim, e se eles se foram junto com a enchente da noite anterior? É como se eu fosse feita de vidro, e passasse a maioria da noite rodeada pelos meus cacos, colando cada pedacinho com medo da próxima chuva de pedras, às vezes não consigo encontrar todos os pedaços, e alguns traços vão se perdendo, aos poucos me tornei algo incompleto, algo quebrado e sem sentido, o exterior está sem sentido, então por que ainda existe vida no interior?
Sou algo esquecido na estante, sou um objeto que está na caixa de doações, estou com defeito e não consigo me concertar, não sei o que se encontra quebrado em mim, e tenho desistido de procurar os cacos que me faltam, talvez todos nós sejamos feitos de vidro, pois existem muitas pessoas em pedaços por aí. Em quantos cacos eu ainda posso me perder?

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⏰ Última atualização: Dec 31, 2019 ⏰

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