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1:

A cidade estava pacata e deserta, como sempre costumava ficar ao amanhecer lento e preguiçoso de um domingo. As pessoas geralmente despertavam e saiam de suas casas às 8:00 da manhã, para ir a única igreja local, naquela cidade de St. Lorenzo. A igreja que esgueirava-se quase que até o céu, parecia resplandecer como ouro ao nascer e ao pôr-do-sol. Construída havia muito, impressionava pelo tamanho, e de vez em quando, atraia um visitante ou outro. A pequena cidade no extremo noroeste de Minnesota, no condado de Kittson, quase que em fronteira com a Dakota do Norte, nunca foi agitada. Sem grandes surpresas ou mistérios. Se você procura aventura, desconsiderar este local é uma boa opção.

Daphne acabara de acordar. A casa ainda silenciosa, como qualquer outra costuma ficar às 5:40 da manhã de um domingo. Para ela, aquele horário era adequado desde que havia sido designada como a "buscadora de ovos e leite para o café da manhã". O sono, ausente a noite toda, não ajudou. Descobriu-se e jogou os pés para fora da cama, já encaixando-os dentro de sua bota de couro, e vestindo logo em seguida sua camisa xadrez predileta, e uma calça de veludo. Foi até o pequeno banheiro da humilde casa, onde lavou o rosto e prendeu seu longo cabelo castanho em um rabo de cavalo.

Daphne estava prestes a sair, quando lembrou-se e chamou Kentucky. Pegou a cesta de ovos, hesitou por alguns segundos, e chamou-o novamente

-Kentucky! Estou saindo.

Andou alguns metros até o galinheiro da pequena chácara. Estava escuro, porém, como já levava consigo a prática, permaneceu apenas alguns minutos lá dentro. Com o cesto já cheio, percorreu o caminho de volta. Daph estranhou. Desde que era pequena, a bola de pelos branca e fofa que a  acompanhava em tudo, nunca havia perdido a hora antes. Voltando, pois o cesto em cima do balcão de sua cozinha e foi tirar leite de Nebraska, sua vaca.

Retornando apoiou tudo no velho balcão de madeira, tão simples quanto o resto da casinha que chamava de lar. Daph saiu em busca do gatinho. Passou por todos os cômodos da sala, olhando em cima da geladeira e da televisão, que era onde costumava pernoitar. A garota saiu e foi até o celeiro.

Era quase maior que a casa, sendo quente e úmido. Palha fofa cobria o chão, e metros de pilhas de feno estendiam-se até o teto. Andou pelo local a procura de Kentucky, até avistar uma pilha menor. Atrás do feno, estava a imagem que não queria avistar: O gatinho estava caído duro no chão.

-Kentucky! - O tomou em seus braços, com os olhos sendo rapidamente umedecidos pelas lágrimas. Foi correndo para casa, seu barulho se fazendo ouvir e acordando os pais.

-Daphne, o que houve?! -Mariah, a mãe disse em choque.

-Kentucky se foi mãe. Assim como o Maine se foi ontem! - Daph falava de seu peixe, que foi encontrado caido duro no fundo do aquário no dia anterior.

O resto do dia inteiro foi dedicado ao velório do melhor companheiro da garota de 13 anos, com uma mania excepcional de dar nome de estados aos seus animais.

2:

Sentado na mesa de reunião, o Sr. Charles aguardava incansavelmente a chegada da Srt. Wayne. Meia hora... pensou. Se tiver que esperar mais 10 minutos, cancelo esta reunião!

A Srt. Wayne corria como se sua vida dependesse daquilo. Sua vida profissional ao menos... Aquela reunião decidiria seu destino na empresa. Entrou correndo na sala de reunião, quando Sr. Charles se levanta, arruma o paletó, e a cumprimenta.

-Bem vinda novamente Srt. Wayne. Após tanto tempo afastada...

-Eu posso explicar Charles, por favor!

-Não sei se deveria, mas como você é uma de nossas funcionárias mais competentes, quis saber a razão desse desaparecimento por quase 2 meses. Qualquer outro funcionário já estaria na rua, espero que esteja claro - Charles a fitava de cima a baixo, preocupado com o que faria com ela, enquanto ela busca palavras para se explicar da maneira mais clara e objetiva possível.

-Meu filho adoeceu. Começou com o que parecia uma gripe qualquer, dessas que qualquer jovem pega por ficar andando a noite por muito tempo. Ele havia passado o fim de semana na chácara dos tios, estava se divertindo muito, toda noite me ligava entusiasmado contando alguma outra aventura ou algum outro amigo que tinha feito na cidade vizinha. Porém, uma certa noite ele se isolou, ficou sozinho, e adormeceu na grama embaixo de um salgueiro que havia o encantado. No dia seguinte, por volta das 7 da manhã, fui acordada com a campainha do meu apartamento. Quando fui atender, a surpresa: Meu filho estava com uma tonalidade branca muito estranha, sendo que estava até sendo carregado pelo meu irmão. Estava anêmico sem sombra de dúvidas. Fomos correndo para o hospital, estava desesperada. Ele foi hospitalizado, com um caso gravíssimo de leptospirose. Felizmente, depois de algumas semanas internado, ele teve alta, mas os cuidados tiveram que ser mantidos. Agora ele está bem, graças a Deus.

-Você deveria ter nos comunicado. Mas como uma jornalista muito competente, você terá uma segunda chance, mas seu salário será diminuído pelos próximos 2 meses, que foi o tempo em que ficou fora.

-Tudo bem. O tratamento foi caro e eu preciso desse dinheiro.

-Apareça amanhã aqui sem falta.

3:

-Eu não acredito! -Berrava o chefe -Você só pode estar de brincadeira que ela faltou novamente! Está na rua! Na rua!

-Acalme-se Charles. Algo muito grave pode ter acontecido.

-Eu exijo explicações Estela! -Berrava com a secretária.

-Vou tentar falar com ela.

Charles voltou para a sala, querendo saber o que havia acontecido com sua jornalista predileta. Horas mais tarde, o telefone de seu ramal toca, com a voz de Estela na ligação.

-Sr, parece que o filho da Srt. Wayne veio a falecer esta manhã, misteriosamente em casa. O velório esta sendo preparado para as 18:00 horas. Ela gostaria que o senhor fosse.

O homem que antes estava vermelho de raiva, agora estava vermelho de vergonha, chocado demais, pois conhecia o garoto. Era uma boa pessoa, de boa família. A sua família e a da Srt. Wayne se conheciam havia muito tempo, quando jovem já teve até um amor secreto por ela. Mas ele amadureceu, vendo que apenas a amizade se sustentaria.

-Ok. Deixe que eu mesmo confirmo presença.

4:

Um ar deprimente e pesado rondava o local. Uma gigante família aos prantos. Charles não conseguiu prestar atenção em momento nenhum nas palavras do padre. Estava intrigado com aquela doença repentina e com a morte súbita do jovem. Por que razão Srt. Wayne nem comunicaria o caso com ele? "Esta história está muito mal esclarecida..." pensava consigo mesmo. Só voltou a si ao ouvir o "Amém" do padre acompanhado do grupo de fiéis diante do túmulo.

Perdido em seus pensamentos, fitando a vista do pôr do sol ao horizonte que o cemitério proporcionava. Repleto de sepulturas terrestres, com flores baixas cobrindo os túmulos, era, sem dúvidas, um belo cemitério. "Mas que idiotice, ver beleza em um lugar onde a grama é regada pelas lágrimas." Pensou mais uma vez. Porém alto desta vez.

-Realmente, é um tipo de beleza triste. Parece que contém uma certa poesia... Como se fosse uma música muito bonita... Só que com uma melodia triste. - Proferiu Sarah. Mais conhecida no trabalho como Srt. Wayne, mas não em sua vida pessoal.

- Sarah... Eu sinto muito! - Disse Charles, abraçando a colega, sendo embalado pelo choro baixo dela.

Logo, ao desencostar, enxugou as lágrimas, e sugeriu:

-Que tal uma pizza em casa hoje?

Charles estranhou a proposta, porém a aceitou.

-20 horas?

-Esteja lá.

ConanimusOnde histórias criam vida. Descubra agora