6.
Isto é para quando você vier e sentir o temor de continuar
procurando, mesmo já tendo ido longe demais. Ele deve ter lhe falado dos
portos que visitou, do que viu pelo mundo, sempre um pouco mais além
numa busca sem fim e circular, e do que trouxe para casa, não os objetos
que passaram a assombrar a mãe depois da sua morte, mas o que lhe
marcou os olhos para sempre, deixando-lhe aquela expressão que ele
tentava disfarçar em vão e que eu apreendi quando chegou a Carolina na
distração do seu cansaço, os olhos que traziam o que ele tinha visto pelo
mundo, a morte de um ladrão a chibatadas numa cidade da Arábia, o terror
de um menino operado pelo próprio pai, a entrega dos que lhe pediam que
os levasse com ele, para onde quer que fosse, como se dele esperassem a
salvação. Ele me disse que ninguém pode imaginar a tristeza e o horror de
ser tomado como salvação por quem prefere se entregar sem defesas ao
primeiro que aparece, quem sabe um predador, a ter que continuar onde
está. E eu imaginei. Ao contrário de você, a única coisa que ainda me
pergunto é sobre o momento em que ele entendeu que estava perdido,
quando passou a sentir que alguém pudesse ver nele a salvação, o
momento em que entendeu que tudo podia ser ainda muito pior e que
havia gente abaixo dele na sua escala de aviltamento. Porque talvez tenha
sido esse o instante em que ele decidiu que desceria também, sempre um
pouco mais, nem que fosse para lhes dar a mão. E quando precisou que eu
lhe estendesse a minha, já não estava ao meu alcance. Penso em como são
formadas as personalidades peculiares. Se são como as outras, se são como
nós. O que pode ter passado um homem na infância para trazer uma
cicatriz daquelas na barriga? Que espécie de sofrimento o pôs em sintonia
com um mundo pior que o seu?