Consequências

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  Cheguei em casa ofegante, larguei minha bicicleta no quintal, subi as escadinhas da varanda correndo, joguei o cigarro em cima da mesa e  subi para o meu quarto, bati a porta. Todo esse barulho chamou a atenção da minha mãe, uma mulher que aprecia o silêncio, não demorou muito ,ela bateu na minha porta para pedir explicações, o que eu menos queria era isso, dar explicações de algo que nem eu sabia o que era ou o que tinha acontecido de fato. Não abri a porta. Escutei o tamanquinho dela bater nas escadas, era um andar pesado de quem estava brava, então ela voltou a se sentar na poltrona de couro marrom. Eu e a "Estela" poderíamos ser a mãe e a filha perfeita, somos bem parecidas fisicamente, sou loira igual a ela, das sobrancelhas grossas porem delineadas, magra, o rosto fino, o que muda em mim em relação a ela são a cor dos olhos que herdei do meu pai : negros e a estatura, não sou tão alta quanto ela. Nós sempre tivemos uma relação mais distante, não sei dizer ao certo o por que, mas posso deduzir que tenha haver com a personalidade dela, minha mãe é uma mulher séria, de princípios inquestionáveis, talvez esse jeito tenha criado uma barreira,não permitindo que ela se aproximasse de fato de mim.
  Após minha mãe descer as escadas eu suspirei e me questionei, quem era aquele homem? E o que ele estava fazendo atrás de uma árvore me olhando?Será que ele me conhece? São tantas perguntas sem resposta, isso me desanimou ainda mais. Fiquei deitada, olhando para o teto, cantando uma musica mentalmente, Big in Japan, até que minha mãe bateu novamente na porta me chamando pra almoçar, suspirei, e dei um pulo da cama, olhei para trás e percebi que o lençol tinha que ser arrumado, um lençol branco, meio amarelado, então pensei melhor e decidi trocar o lençol, coloquei um azul cor do céu, o que de repente deixou o quarto mais vivo, o azul saiu do tom do quarto, que é todo branco, inclusive o guarda roupa, cômoda e paredes.
Na mesa para almoçar, eu e minha mãe ficamos em silêncio, quando eu estava quase terminando de comer, ela abriu a boca pra falar.
-Julia, tenho que te contar uma coisa.
— Diga
- A pensão que nós recebemos pela morte do seu pai foi cortada, o governo novo mudou a previdência, e muitas pessoas que recebiam benefício dos parentes que morreram, vão deixar de receber
— Mas como assim?? Eles não podem fazer isso. Não tem um jeito da gente contestar o nosso direto?
- Não, não tem. Eu tenho um dinheiro no banco que guardei ao longo desses anos, vai dar pra sustentar a gente por mais uns meses e depois disso vou ter que procurar emprego.
— quantos meses?
- três, no máximo
— três meses passam voando, o que vai ser da gente se a senhora não conseguir emprego? Eu não tenho idade pra trabalhar, se eu tivesse talvez teríamos mais chance, por eu ser nova..
- Eu também sou nova! E vou conseguir, a questão é que eu estou a um tempo longe do mercado de trabalho, mas isso não é problema, eu tenho experiência em vendas, e isso vai ajudar nós duas.
—Tomara.
- Confie mais em mim Julia
— Desde que o papai morreu, a senhora se tornou uma mulher diferente, não sai de casa, não se atualiza e nem estuda nada, como eu posso confiar em uma pessoa assim?? Que além disso mal tem contato comigo... que só vem falar comigo, quando é pra soltar essas bombas!!
  Eu estourei, fiquei nervosa demais e possivelmente falei o que não devia, mas na hora nem me dei conta, soltei os talheres em cima do prato e lhe encarei, enquanto a olhava, esperando que ela dissesse-me algo notei que ela ficou distante, sem reação, o corpo estava imóvel e seus olhos estavam fixos em mim, quase que vermelhos e prontos para chorar, aquele instante era o momento certo para pedir desculpas, não o fiz. Subi para o quarto lentamente, escolhi um vestido branco de alcinhas, tecido leve,pelos joelhos e rodado, coloquei um tênis, um all star azul pra ser mais específica, desci as escadas do meu quarto, e quando estava abrindo a porta, minha mãe com uma voz quase inalcançável perguntou onde eu iria, olhei para ela que estava fumando sentada na poltrona de couro marrom, e não respondi, cerrei os dentes e a boca, ficando séria de um modo que eu nunca tinha ficado antes, diante de ninguém...num impulso de coragem passei pela porta sem dizer para onde iria, assim declarando guerra contra minha própria mãe!
Desta vez sai andando, chutando as pedrinhas pelo caminho,como se eu não quisesse nada com a vida, pensando nas coisas que havia dito e feito, por um momento me arrependi, sabia que não era certo deixar minha mãe preocupada, sendo que só temos uma a outra, e também não era certo "esculachar" ela como fiz antes, a verdade que eu não sei como minha mãe realmente se sente, eu sei que até hoje sofro pela morte do meu pai, e ela, como posso saber?! . Cheguei a um ponto de encruzilhada, andar no bosque ou pela rua Osasco? Esquerda ou direita? Esquerda! Agora que sai de casa,vou descobrir quem é aquele homem, isso se eu encontrar ele.
Com medo, me enchi de uma coragem falsa e entrei no bosque tremendo, meus passos de repente começaram a ficar rápidos sem que eu notasse, e meus olhos só conseguiram olhar para baixo, tive a certeza de que fiz a escolha errada, já estava me xingando mentalmente, quando eu escutei gravetinhos sendo quebrados, parei, esperei que fosse quebrado mais um, porém nada aconteceu, respirei fundo, meu coração aliviou-se , voltei a andar, dei uns sete passos e escutei mais gravetinhos se quebrando mas dessa vez o som estava mais perto e mais perto, conclui que tinha alguém na mata, e aquela ideia de confrontar aquele homem foi para os ares, eu fiquei tomada pelo medo, então cada vez eu andava mais rápido, e cada vez o barulho de passos estava mais perto. O vento ficou mais frio e as folhas das árvores começaram a cair e cair em mim, ainda andando, fechei os olhos, e ele me tocou...eu simplesmente paralisei, uma mão fechou todo o meu ombro, um toque gelado, que arrepiou todo o meu ser, eu podia sentir meu coração pulsando na garganta, minhas pernas tremendo, podia escutar minha respiração profunda e ofegante, era o medo, e a curiosidade de girar o corpo e ver quem era.

HAZARDOnde histórias criam vida. Descubra agora