Q u a t r o

32 8 2
                                    

Quinta-feira, 23 de Fevereiro.

- Mas senhor, o nosso prato do dia é carne bovina, arroz e salada. Está na placa de entrada logo ali. - apontei para a entrada do restaurante. O senhor de idade sentado á minha frente, estava tirando metade da minha paciência. Ele está insistindo que o prato do dia é frango assado.

- Mas ontem era o frango assado com batata frita. Eu quero esse prato do dia. - ele segura com força o cardápio.

Sorte a dele, que eu tenho bastante paciência e respeito os idosos. Caso contrário, faria algo não muito legal, que eu prefiro deixar no mar do esquecimento.

Sorri forçadamente.

- Este prato estava em cartaz ontem, porque era o prato principal de ontem. Hoje é a carne bovina senhor. - tento dizer com toda a paciência do mundo, na qual eu nem tenho, mas pretendo a encontrar, e urgentemente.

- Mas... Onde está o gerente? Isso está errado. Eu quero o frango. - eu bufo forte. É tão difícil entender que certos dias terão certos tipos de cardápios e que nem sempre podemos pedir o prato do dia, sendo que o "prato do dia" não é o prato do dia?

Pedi licença ironicamente e peguei o cardápio de sua mão, caminhando até a cozinha, chamei Verônica. A chefe. Ela veio caminhando em minha direção com seus saltos enormes, e seu nariz empinado. Arqueei uma sobrancelha, só estou trabalhando a um dia, e tenho a total certeza de que não vou me bater com essa mulher.

Sim, fui contratada para o trabalho. Estou feliz por ter conseguido a vaga, seria mais fácil se tivesse Mery aqui também, mas os contratados foram apenas eu, e Luck. Que por sinal, também parece ser simpático, mas ainda não troquei uma palavra com ele, exceto o bom dia.

- Sim? - Verônica arqueou suas sobrancelhas esquisitas. Um riso no canto dos meus lábios se formou, e tentei me controlar ao máximo, aliás, ela ainda continua sendo a minha chefe.

- Então.. Temos um problema. - limpei a garganta, engolindo a saliva por completo, após ver a sua expressão de raiva sobre mim.

- E qual é o problema? - eu balancei a cabeça da direção do senhor logo a frente e Verônica continuou me olhando sem entender.

Verônica parece ser o tipo de mulher que ralou e ralou bastante para conseguir esse espaço que perante a minha pouca convivência, já parece ser bastante movimentado. Mas as vezes a fama, mesmo que seja pequena, sobe á cabeça e talvez seja isso que tenha a tornado tão arrogante, mesmo sem proferir qualquer palavra. Apenas com um olhar ela consegue fazer com que eu tenha vontade de pedir demissão na mesma hora. Mas de repente eu me lembro que tenho uma faculdade para pagar, e materiais para comprar. Mantenha a calma, Vênus.

Respirei fundo.

- Aquele senhor está dizendo que quer o prato do dia. - eu nem sei o porquê parei de falar e não consegui continuar, talvez seja o olhar extremamente estranho que ela me lançou.

- E porque isso seria um problema? - que merda. Eu tenho boas respostas na ponta da língua para essa mulher. Sorte que eu tenho bons pensamentos que não me deixam esquecer que eu ainda tenho uma faculdade para pagar. Sorri.

- Ele quer o frango assado, com a batata. E este prato do dia foi ontem... - eu iria terminar a minha pequena e nervosa frase, mas mais uma vez, ela me interrompeu com uma de suas respostas arrogantes.

- Então dê o que ele deseja, faça qualquer coisa. Mas nunca, nunca perca o cliente. Eu achei que isso já era óbvio, e que não precisaria lembrar. - revirou seus olhos extremamente azuis e voltou a me encarar. - Estou vendo que escolhi a pessoa errada para essa função. - e então, ela voltou para onde estava, e continuei a encarando pensando em trilhões de palavrões que poderia usar para a insultar neste exato momento. Deixei minha pequena caderneta colidir ao chão, e só percebi o ocorrido, quando Luck tocou o meu ombro.

- Talvez seja melhor disfarçar a sua cara de quem quer mata-la, está perfeitamente visível no seu rosto. - ele sorriu e pela primeira vez, eu olhei para o seu rosto por mais de dois segundos.

Retirei a sua mão de meu ombro e me agachei rapidamente para pegar a minha caderneta.

- Eu não sou obrigada a aturar as provocações dela. - eu estava irritada. Extremamente irritada. Estou completamente certa de que talvez não me dê tão bem neste trabalho, apenas se eu tiver paciência de sobra, porque irei precisar.

- Relaxe, apenas relaxe. - assenti ao seu comentário e voltei a mesa do senhor.

Ele também me encarou com uma expressão de quem estava mesmo com raiva. La vamos nós outra vez.

- Frango assado e batata frita, certo? - confirmei com um sorriso no rosto, anotando em minha caderneta. Mas eu sei que por dentro, estou fumaçando de ódio. Manter a postura, essa é sempre a solução.

Quinta-feira, 23 de fevereiro
Mais tarde.

Abri a porta do meu dormitório, e encarei todos os meus pincéis espalhados pelo chão, roupas, livros, tem até uma caixa de pizza. Larguei a minha mochila para acompanhar todas essas coisas ao chão, e me joguei na cama. Estou tão exausta.

Amanhã terei uma aula importante, na qual eu terei que fazer uma caricatura de alguma modelo que o meu professor irá levar, não precisa ser perfeito, apenas um breve treinamento.

E sim, eu estudo artes.

Eu não estudo artes para ser alguém famosa com minhas obras como a maioria dos artistas fazem. Eu apenas sou apaixonada pela arte, e na minha cabeça, a arte, o desenho, os traços, cada linha, é a única forma de fugir do mundo real, é a única forma de imaginar as coisas de uma forma que não são. E eu acho isso uma coisa incrível, eu desenho para lembrar de todos os momentos felizes, e triste da minha miserável vida. E é por isso que eu estou aqui, não quero e nunca deixarei de fazer o que eu sou completamente apaixonada.

Peguei o meu celular e abri o Instagram. Eu apenas uso isto para publicar algumas de minhas artes. Noventa por cento de todas as minhas artes estão publicadas ali, caso eu o perca, terei salvo em algum lugar, para nunca me esquecer.

Abri o meu perfil, procurei pelo meu desenho favorito. Quando o encontrei, sorri pela primeira vez nas últimas doze horas. Por uns instante, encontrei a paz que eu tanto precisava. No desenho, o céu está azulado e há nuvens brancas como a neve, um gramado totalmente verde, sem nenhuma rasura e ali, deitadas no gramado há duas mulheres, ou melhor dizendo: uma mulher e uma garotinha que apenas sonhava em ser feliz. Ela foi, por um certo período, mas como todos os seres humanos da terra, ela cometeu erros, e um erro, apenas um, acabou com toda a sua vida.

E ela não havia ninguém para a ajudar, além de si mesma.

Ao menos, ela aprendeu algo que vai levar para toda a sua vida.

Nunca.

Nunca.

Jamais.

Em hipótese alguma.

Permita que algum homem

Trate você da forma que você não iria gostar se fosse com a sua filha, ou até mesmo com a sua mãe.

Um dia, todas nós iremos passar por isso, e iremos perceber que merecemos muito mais, ou somente mandar todos á merda e prosseguir com a vida.

Bom. Eu preferi a segunda opção.



//









Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Mar 30, 2019 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

After You ~ VênusOnde histórias criam vida. Descubra agora