i. a mais inútil das lamentações

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CAPÍTULO PRIMEIRO
A Mais Inútil das Lamentações (author's version)

CAPÍTULO PRIMEIROA Mais Inútil das Lamentações (author's version)

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DESDE O FIM DA ADOLESCÊNCIA, eu nunca mais fui uma garota fraca. Nunca mais foi do meu feitio proclamar lamúrias pelos cantos, como se fosse eu a última sofredora do mundo. Meus amigos da faculdade achavam esse aspecto da minha personalidade muito impressionante, mas a verdade é que, ao passo de que minha história de vida os traumatiza muito mais do que a mim mesma, se eu pudesse dar um aviso à minha eu mais jovem, não seria nada além de "é tudo necessário para quem você vai ser".

É de se impressionar, portanto, que eu venha a começar esta história com o tipo de lamentação que eu não fazia desde os dezoito anos de idade.

Mas as coisas saíram um pouco de controle.

Se paro para pensar a respeito agora, as coisas saíram de controle há muito tempo; provavelmente na época em que conheci a Heather. Ela tinha 20 anos, e tinha sido reprovada em Bioquímica I.

Eu tinha 18, e tinha entrado em Cambridge ainda naquele ano, depois de impulsivamente pegar minha poupança da faculdade e me mudar para a Inglaterra, sem ninguém, e sem nada além do troco da passagem – e uma esperança mínima de conseguir uma permanência de estudante e não ter que voltar para a América nunca mais.

Não que eu não goste da América. É claro, eu tenho certo nojo de vir de um país que lucra em cima de guerras que ele mesmo provoca; detesto a ideia de que um dos maiores problemas de segurança pública, que são os tiroteios em escolas, poderia ser facilmente resolvido se o acesso a armas de fogo fosse menos facilitado; e abomino o capitalismo desenfreado que reina sobre seu berço, e impede o atendimento de necessidades básicas da população, como saúde e previdência pública.

Mas, no fim do dia, é minha terra-mãe, goste eu disso ou não.

À época, no entanto, eu não enxergava tão longe; apenas não queria ter que pisar lá por causa de um incidente em particular, que, no momento, é irrelevante.

Ao leitor, é relevante saber que eu conheci a Heather no segundo semestre em Cambridge, na aula de Bioquímica I, que ela cursava pela segunda vez.

Ela tinha a pele morena mais macia que alguém poderia tocar, cabelos tão pretos quanto o céu noturno mais escuro, e os olhos mais brilhantes que eu já vira até então. Mas nenhuma dessas belezas foi culpada pela minha súbita paixão por aquela garota. A culpa foi do sorriso; não porque os dentes dela eram alinhados e perfeitos – assim como literalmente tudo nela era –, mas sim porque era um sorriso sincero, e ela sorria o tempo todo. Eu, que naquela época passava os dias chateada ou deprimida, subitamente me apaixonei pela garota que passava os dias irradiando calor e felicidade, como o sol.

Heather Cassidy foi o sol na época mais tempestuosa da minha vida, e eu não poderia fazer menos do que amá-la por isso.

É muito claro agora que Heather só agia daquela forma porque, diferente de mim, ela vinha de uma família bem afortunada que a havia criado com amor, em uma casa onde ela não precisava forçar os joelhos para andar sempre na ponta dos pés, o mais silenciosamente possível; mas nossas diferenças de criação não eram um problema na época. A família dela me acolheu como se eu fosse uma filha; o pai dela, que era psiquiatra, me medicou quando toda a carga emocional que eu vinha carregando até ali começou a me afetar de verdade; a mãe dela me ensinou a bordar, e quando soube que nós havíamos decidido morar juntas fora do campus, mandou-nos de presente um jogo de jantar de porcelana real, adornado com flores. Quando a formatura chegou, e ela me pediu em casamento, os pais dela nos fizeram uma festa de noivado; e ninguém - nem os pais, nem os tios, nem os primos - jamais perguntou-me sobre a minha família, desde o dia em que Heather os avisou que eu não falava a respeito deles.

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⏰ Última atualização: May 15 ⏰

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𝑻𝒊𝒎𝒆 𝑻𝒓𝒂𝒗𝒆𝒍𝒆𝒓'𝒔 𝑹𝒉𝒂𝒑𝒔𝒐𝒅𝒚 | ǫᴜᴇᴇɴOnde histórias criam vida. Descubra agora