30. De vista para o mar

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O apartamento de Clarice tinha quatrocentos metros quadrados e ficava bem perto do posto dez no Leblon. Da janela, Miguel e Clarice fumavam. Geraldo Roberto estava sentado na poltrona da sala e mexia seu copo de whisky para que o gelo fizesse seu papel. Tinha chegado a hora de contar a eles, pensou e se levantou em direção à varanda.

-Doutor Miguel, me perdoe, mas é estranho vê-lo fumando. Não combina com o senhor. Desculpe-me pela intromissão -disse Geraldo Roberto.

-Pode parecer estranho, Geraldo, mas eu fumava quando era garoto aqui no Rio. Comecei para fazer tipo para as garotas e depois acabei viciando na nicotina. Só parei mesmo depois que me formei. Depois disso, nunca mais pus um cigarro na boca. Só hoje...

-A madame, então? Seus dedos delicados contrastam terrivelmente com a vulgaridade do cigarro. Perdoe-me, madame, mas os cigarros são ordinários demais para senhora.

-Geraldo, só você para dizer isso. Eu voltei a fumar depois que perdi o Fernando. Eu não fumo tanto como um dia já fumei, mas gosto de ter cigarro aqui em casa, sempre que estou muito triste eu acendo um cigarro. Eu quase não trago, mas a fumaça me acalma. É estranho...

-Se eu conseguisse fumar, hoje até eu fumaria, só para prestar meu tributo a essa estranha fumaça cinza que com tanta proeza e suavidade acalma seus corações -disse Geraldo Roberto se solidarizando.

Miguel e Clarice sorriram para Geraldo Roberto que mexeu mais uma vez seu copo antes de começar seu discurso:

-Bem, meus amigos, nós já sabemos o motivo, já sabemos a identidade da nossa assassina e de sua cúmplice e conhecemos seu passado. Só falta descobrirmos como Júlia e sua cúmplice cometeram cada assassinato. Mas não é isso que me preocupa. Estou preocupado com vocês dois. Vocês correm risco de vida.

-Eu também? -perguntou Clarice aflita.

-Sim, madame, infelizmente o risco não é exclusivo do Miguel. Eu contei à madame Débora que sua sobrinha Júlia era suspeita das mortes. Antecipo minhas sinceras desculpas. Fiz uma descoberta brilhante, em compensação uma guilhotina afiada agora pende sobre nossas cabeças.

-Mas por que você fez isso, Geraldo? -perguntou Clarice transtornada.

-A verdade é que fiz pelo bem da madame Débora. Nossa assassina já queimou sua família, matou outras tantas pessoas, entre as quais sua irmã de criação, Amélia. Tive receio que investisse contra sua tia.

-Mas a Samanta, quer dizer, Júlia ama sua tia.

-Talvez ame, talvez não. A ciência psiquiátrica já provou que psicopatas não amam, possuem. Eu não sei se Júlia é psicopata e nem sei o grau de sua psicopatia. De qualquer forma, preferi não arriscar.

-Mas agora você colocou minha vida em risco! -exclamou Clarice injuriada.

-Madame, eu entendo como se sente, mas eu sei como proteger a senhora. Eu dou minha palavra de cavalheiro que nada acontecerá à senhora. Confie em mim. Faça como eu mandar e estará segura. Por falar nisso, esse apartamento, madame, não é mais seguro.

-E para onde você quer que eu vá, Geraldo? - perguntou Clarice mais calma.

-Antes mesmo de falar com madame Débora já providenciei um lugar para a senhora. Por uma questão de segurança, doutor Miguel, não revelarei ao senhor esse local. Aconselho o senhor a procurar imediatamente um outro lugar para ficar. Sua casa não é nada segura. Se o senhor quiser, eu posso ajudá-lo nessa busca.

-Geraldo, quero que me ajude. Você acha que posso ficar com a Lara?

-Não, é melhor que fique sozinho. Fique calmo que encontraremos esse lugar. Deixe comigo, Doutor Miguel.

-Você acha que posso passar essa noite aqui, Geraldo? -perguntou Clarice, já conformada.

-Não, madame, seguirá comigo para seu destino. Aliás, sem querer ser indelicado, peço para arrumar suas coisas assim que terminar seu cigarro. Convém que faça apenas uma mala pequena com os itens essenciais, nada muito chamativo.

-Está bem -murmurou Clarice.

Geraldo Roberto percebeu o desânimo que acometeu Clarice e Miguel e não quis que aquele sentimento se fortalecesse em seus ânimos.

-Doutor Miguel e madame Clarice, rogo para que não se deixem abater. Não tínhamos quase nada. Agora já sabemos quem nossa assassina é e por que mata. É uma grande vitória. Iremos vencer essa guerra. Estejam certos e confiantes. Mais do que nunca precisamos manter elevada nossa força e nossa energia, pois nossa inimiga não desistirá.

Miguel e Clarice mudaram suas faces como se tivessem recebido uma injeção de vigor. Geraldo Roberto levantou-se até Clarice pegou em suas mãos e lhe disse olhando dentro dos olhos:

-Madame, estamos perto, muito perto, de pegarmos a assassina dos seus filhos e sua sórdida cúmplice. Agora é a hora de vestirmos nossa armadura e pegarmos nossas melhores armas. A senhora está comigo?

-Estou -respondeu confiante.

Geraldo Roberto virou-se para Miguel e fez a mesma pergunta:

-Doutor Miguel, o senhor está comigo?

-Estou -disse convicto.

-Ótimo. Eu preciso de vocês assim, desse jeito. Lembrem-se disso! É uma guerra e temos que vencê-la! E, querem saber? Nós venceremos. Eu sei disso.

Clarice olhou para seu cigarro que ainda estava na metade e o apagou.

-Já vou para o quarto fazer minha mala.

-Discrição, madame.

-Pode deixar, Geraldo.

Miguel tragou o cigarro com força, expeliu a fumaça e o apagou:

-Vou acompanhá-lo nesse whisky, Geraldo.

-Será uma honra, Doutor Miguel.

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