40. Uma nova vingança

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Gisele não usava mais os cabelos longos e loiros, usava um corte masculino e tingia seus cabelos de preto, seu rosto estava bem diferente, o nariz agora era menor e arrebitado, o queixo mais proeminente e os lábios grossos, os músculos ocupavam o lugar das curvas que um dia já definiram seu corpo, tinha feito inúmeras tatuagens em seu corpo todas em homenagem à Júlia e ostentava uma magreza profunda fruto da dedicação e do treinamento que comandavam sua rotina.

Quem um dia a conheceu, jamais a reconheceria. Gisele fez questão de mudar radicalmente tanto por necessidade, já que era procurada pela polícia, como porque algo endureceu terrivelmente dentro do seu coração transformando todo colorido e alegria que possuía em viver em algo negro, denso, profundo e espesso. Parecia para ela que todo o amor que fora capaz de sentir tinha ido embora para sempre junto com Júlia, seu coração estava seco, duro e amargo. Era como se o mundo de repente ficasse cinza e nada mais pudesse despertar dentro do pântano que cobria sua alma qualquer sentimento.

Gisele no passado quisera se vingar por amor à Júlia, pela paz que almejava conquistar ao seu lado, e por uma obsessão doentia e secreta que desenvolvera ao longo dos anos em relação à gangue do Ossada, agora só tinha sobrado essa obsessão e a extravasaria, despejando o líquido negro e envenenado que ocupava o lugar do seu coração em cima daqueles que tanto odiava.

Ela nunca tivera a frieza e determinação de Júlia para esperar todos aqueles anos pela vingança contra a gangue do Ossada, aquilo lhe custara caro demais e ela só conseguiu pagar o preço pelo amor incondicional que sentia por Júlia. Agora Júlia não estava lá e esperar não fazia nenhum sentido. Vingarem-se da gangue era a causa de suas vidas e agora não havia mais motivos que impedissem Gisele de seguir em frente. Não depois que Júlia tinha ido, não depois de saber que eu nunca poderei viver em paz com a Júlia, não depois de tudo. Gisele fechava os olhos e imagina que expunha seus argumentos à Júlia e conseguia vê-la como se estivesse ali, sorrindo para Gisele e dizendo: "Está bem, sua ordinária. Tudo mudou mesmo. Vamos partir para cima da gangue do Ossada e deixar os três patetas para depois".

Júlia nunca soube da obsessão de Gisele pela gangue. Começou aos poucos, logo no início da investigação, Gisele apenas guardava as informações em um caderno, cada página dedicada a um membro estuprador. Depois, conforme a investigação evoluía, Gisele resolveu montar um mural no quarto de bagunça do seu apartamento e passou a fechá-lo à chave, pouco tempo depois via-se recolhendo lixo dos membros da gangue, aprendendo seus gostos, suas preferências, prazeres e manias, e passando horas dentro do carro ao lado de fora de suas casas só para espiá-los. O quarto não tinha mais um mural, mas toda parede coberta por folhas e folhas de todo tipo de informações sobre a gangue, desde algumas irrelevantes como marca de pasta de dente, premiações esportivas no colégio, até outras de maior relevância que revelavam hábitos, gostos e preferências dos membros da gangue que poderiam ter sua utilidade comprovada com a vingança. De todo modo, não havia nada que Gisele não soubesse dos membros da gangue do Ossada, qualquer coisa que quisesse estava ali naquele quarto mantido às chaves e escondido do mundo, inclusive, de Júlia.

Gisele passou horas e horas dentro daquele quarto arrumando fotos, lixos e correspondências que guardava dos membros da gangue, reorganizando o perfil psicológico, adicionando comentários ao histórico dos membros e aos seus hábitos. Parecia um trabalho tedioso e infinito, mas Gisele tinha prazer em sua obsessão, mais que isso ela não conseguia evitá-la.

O segredo foi mantido longe de Júlia, pois ela sabia que Júlia se assustaria com aquele quarto, aliás qualquer um se assustaria em ver aquilo. Não era normal, nem um pouco. Gisele conhecia o tamanho assustador de sua obsessão para prudentemente escondê-la do mundo.

Mas agora tudo era diferente. Gisele não se preocupava mais em esconder sua obsessão, seu amor por Júlia ou sua sede de vingança. Tudo havia sido aberto ao mundo, e, principalmente, Júlia não estava lá, no fundo, sempre foi só com ela que Gisele se importou. Amor e paz não eram mais opções para Gisele, nunca mais, não sem Júlia. Aquilo tinha ficado em um passado longínquo e distante. Tudo que tinha restado era sua sede por vingança e sua louca obsessão. Não havia mais um minuto ou qualquer coisa para se perder. Gisele sabia que gozava da liberdade absoluta daqueles que nada temem. A ausência de amor, de esperança e paz lhe davam essa coragem desalmada.

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