Do lado fora da padaria, onde eles, ainda como família, tomaram muitos cafés em sábados ensolarados como esse, fazia um dia nublado. Os ventos da primavera empurravam para o longe o pouco de frio que o inverno deixara, cheiro de pães frescos e cafés recém tirados. À sua volta, grupos de três ou quatro tomavam conta das mesas e do bufê. Um burburinho familiar irritante trouxe um sabor amargo de arrependimento. Ah, se pudesse voltar atrás!
Fazia tempo que ele não a via. Como será que ela estaria? Com o cabelo curto, rente ao pescoço, como era de seu costume? Com olheiras, rugas entorno do olhos e cansaço aparente, como ele se via quando se olhava no espelho todas as manhãs? Embora morassem em cidades vizinhas e muito próximas, não tinham contato visual. Não por sua causa, por opção dela. Quando chegava seu fim de semana com a filha de 12 anos, Maria Clara aguardava pelo pai na portaria do prédio. A menina descia e o encontrava do lado de fora do portão. Na volta, domingo de noite, o mesmo processo, a mesma esperança e a decepção no fim. Enquanto ele torcia por vê-la e quem sabe trocar uns minutos de conversa, ela não queria nenhum tipo de contato. Achou que com o passar dos fins de semana sua ansiedade diminuiria, que se acostumaria com a casa vazia, com o tempo livre, que esquecê-la seria fácil. Será que é fácil para alguém?
Cogitou pedir um café. Desistiu. Seu cavalheirismo o alertou para que esperasse pela chegada dela. Se Rute também quisesse um café, pediriam juntos. Afinal, ela pediu o encontro. Desde que recebera a mensagem da ex-esposa, José sentia-se inquieto. Não queria sentir esperança e preferiu não comentar com ninguém sobre hoje. Seus familiares ficariam alvoroçados, o encheriam de perguntas e preferiu alimentar sozinho as possibilidades; Rute queria voltar? Sentia-se sozinha? Era saudade? Deles como família? Da vida que tinham juntos? Sua cabeça explodiria a qualquer hora. Tomou um ansiolítico, recomendado pelo seu médico e evitou roer as unhas. A noite passara lenta, como os ponteiros de um relógio preguiçoso, e agora ele estava sentado na cadeira desconfortável da padaria sentindo o peso da noite mal dormida, dos anos sem a Rute, da dor no coração e da esperança de que ela quisesse voltar.
Mas se Rutinha quiser voltar, serei diferente, ele pensou, fazendo juras. Mais presente. Menos implicante. Mais bem-humorado. Menos sovina. Mais solidário com os trabalhos domésticos. Trabalharei menos. Passarei mais tempo com ela e com Maria Clara, e menos tempo no escritório. Dou um jeito. Serei outro cara.
Por favor.
Por favor.
Não era crente, não tinha fé. A quem rogaria?
Viver sozinho está insuportável. Não sei o que fazer em casa. Fico perdido o tempo todo. Você era meu centro, Rute. Minha bússola. Sei que prometi demais e cumpri quase nada. Vou mudar. Acredite.
Se seu irmão mais velho ouvisse seus pensamentos, chamaria José de menininha dramática. Mas o que ele entende de sentimentos? Quem entende os sentimentos de cada um quando cada ser é um mundo à parte, provido, ou desprovido, de sentimentos distintos uns dos outros?
Odeio me sentir vulnerável.
José enxotou os pensamentos coçando a barba. Agora usava barba, e por ter muitos pelos, ficava cheia e grossa. Coçava e dava trabalho para aparar, mas ele gostava. Rute aprovaria?
— Ei, quase não te reconheci. E essa barba?
José levou um susto. Tampouco a reconheceu. Rute estava... estava... estava... jovem! Parecia ter vinte de novo. Cabelos longos, pra baixo do ombro. Pele bronzeada, maquiada e bem vestida. Quem era aquela mulher? O que ela mais mudara em Rute?
— Rute! Nossa! Você está...
— Bonita? Sim, estou mesmo. Que bom que aprovou o meu novo visual.
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Adivinha quem vai se casar? --- EM BREVE NA AMAZON
Short StoryColeção de minicontos com o tema casamento de um antigo amor. Toda semana um conto novo. No total serão 08 minicontos. Boa leitura!!!