Quando cheguei à escola, fui quieta para o meu lugar. Eu me sentei e abri o caderno de um jeito que deve ter sido meio diferente do de todo dia, porque a Bia logo me perguntou:
- Nossa! Que cara é essa? Aconteceu alguma coisa pra você estar assim, com essa cara?
- Cara de quê?
- De emburrada.Eu devia estar mesmo com aquela cara. Posso até me imaginar na frente do espelho.
- Que foi, Ana? - ela insistiu.
- Não foi nada, Bia.
- Ah, foi sim, tenho certeza. Fala, vai!
- Não vou falar nada. Olha a professora aí! Já tá entrando e eu não tô a fim de levar bronca logo cedo.Essa foi a última frase que eu disse porque a Bia parou de me fazer perguntas.
Aquela era um dia típico para eu ter ficado em casa. Não sou de faltar na escola, mas bem que merecia um dia de repouso depois de tudo o que tinha me acontecido.
Repouso... Pareço até a minha avó falando, toda vez que pego uma gripe ou fico com dor de garganta.
Não consegui prestar muita atenção nas aulas. Uma hora ouvia o meu pai dizer "Eu amo você, filha", mas em seguida lá vinha aquela frase infernizar o meu cérebro: "Eu amo a Marina". Que droga! Não sabia que bigamia é crime, pai?Na hora do recreio, fui com a Bia tomar meu lanche. Aí, ela, com jeitinho, começou de novo:
- Não quer mesmo me contar o que houve?
- Ah...Ela viu que eu estava ficando com vontade de contar e resolveu insistir:
- Fala, vai, Ana! Não sou sua melhor amiga, por acaso?
- É, Bia. Você é minha melhor amiga.
- Então?Olhei para os lados, para ver se alguém poderia ouvir nossa conversa. Não havia ninguém por perto. E também, com aquele barulho no pátio, ia ser difícil alguém escutar. Até mesmo a própria Bia. Resolvi chamá-la para dar uma volta pela escola, até arranjar algum lugar mais sossegado.
- É meu pai, sabe, Bia? Ele arrumou uma namorada.
- Namorada? O seu pai?Achei estranho a Bia ter ficado tão espantada. Resolvi tirar a limpo por que ela tinha reagido daquela maneira.
- Por que esse espanto todo, Bia?
- É que... na idade dele... namorando?Ah, era isso. Chamou meu pai de velho. É verdade de que ele não é nenhum adolescente, mas velho também não. É até muito bonito. Tem cabelos castanhos, alguns fiozinhos brancos começando a aparecer, alto, magro, moreno, olhos castanhos... Se fosse horroroso, não ia ame causar tanto problema.
- E daí, Bia? Por acaso existe idade certa pra namorar?
- Acho que sim. Minha mãe vive me dizendo que ainda não estou na idade de namorar.
- Ah, Bia! Deixe de ser boba! Ela fala isso porque não quer que você namore ainda, não percebeu?
- Claro que percebi, né, Ana? Tô brincando com você. Mas... não estou te entendendo, Vai defender o seu pai, agora, é?
-Não é isso. A gente não está falando do meu pai agora. Estamos falando de idade. Não tem idade certa pra namorar. Namora quem quiser, e com quantos anos quiser.A Bia fez cara de quem não estava entendendo nada. Era como se tivesse um enorme ponto de interrogação na testa. Só depois vi a besteira que eu tinha falado. Então, resolvi corrigir:
-Quer dizer, namora quem quiser, com a idade que quiser, com exceção do meu pai. É claro.
-Ah...
-Então é isso, Bia. O que eu faço? Já pensou, meu pai, namorando? Não demora muito, ele resolve casar e aí, como eu fico?
-É, minha amiga, sua situação é muito complicada.
-Então?
-Você já pensou em ter uma conversa com seu pai?
-Tentamos ontem.
-E aí?
-Aí que ele disse que ama essa tal mulher.
-Ama? Ele disse isso?
-Disse.
-Xi... Então a coisa é grave.
-Aí, Bia! Não posso nem imaginar uma mulher morando com a gente. Mesmo que fosse a minha mãe, acho que ia ser muito esquisito. Faz tanto tempo que eu moro sozinha com o meu pai... Uma estranha, então... Já pensou? Ela saindo do banheiro, enrolada na toalha?
-Sinceramente, Ana, não sei o que dizer...
-Nem eu mesma sei. Nem o que dizer nem o que pensar.
-Talvez eles nem estejam pensando em casamento e você fica aí, sofrendo por antecipação!
-Não estão pensando agora. E na semana que vem? No mês que vem? No ano que vem? Mesmo que demore. Um dia ele acaba falando.
-Só que você está se esquecendo de uma coisa: e se esse namoro não der certo?
-Não der certo?
- É. Pode acontecer de um acabar não gostando mais do outro. Ou eles podem achar que não se gostavam tanto assim, não pra se casar...A Bia me deixou feliz nessa hora. Eu não tinha pensado nisso antes, mas não podia esperar pra ver se aquele namoro ia dar certo ou não. Tinha de dar um jeito de estragar tudo. Ah, se tinha!
Depois do recreio, voltei pra aula um pouquinho mais animada. Enquanto a professora falava, às vezes a voz dela sumia e eu ficava pensando em alguém que pudesse me ajudar. Foi assim que descobri a melhor pessoa para isso.
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E-mãe a internet me aprontou uma!
Teen FictionDesde a separação de seus pais, Ana vivia em uma pacata cidade do interior com o pai. Tudo ia bem, até que ele conheceu Marina pela internet. E agora, o que aconteceria com a vida da menina? Autora: Tânia Alexandre Martinelli