Todo dia, eu chego da escola morta de fome, largo minha mochila no primeiro lugar que vejo (geralmente no sofá da sala) e vou direto para o fogão. Faço meu prato e ponho no microondas.A essa hora, normalmente, meu pai já almoçou e está no quarto dele, vendo um pouco de tevê, antes de voltar para o trabalho. Seu horário de almoço não bate com o meu. Ele já tentou mudar, mas não deu certo. É por isso que eu vou para a escola e volto para casa de perua.
Só que, nesse dia, adivinhe quem estava me esperando para almoçar?
- Oi, filhota! Hoje o papai esperou você para almoçar.
Olhei para a cara dele com ar de poucos amigos. E depois para a cara daquela mulher. Com ar de pouquíssimos amigos.
Não falei nada. Queria ver até onde ia a cara de pau dos dois.
- Oi, Ana! Seu pai me convidou para almoçar com vocês. Fiz bem em aceitar ?
Não respondi. Caramba! Tinha cabimento uma coisa dessas?! Trazer alguém para almoçar, no meio da semana, em plena quinta-feira, e nem me falar nada! É logico que eles já tinham armado essa arapuca há muito tempo! Planejaram direitinho, me fizeram de tonta por semanas! Vai ver, desde aquele dia em que ouvi aquela conversinha fiada: "... tenho certeza de que ela vai acabar concordando..."
Enquanto eu pensava em todas essas coisas, meu pai resolveu bancar o simpático e acabou respondendo por mim:
- É claro que eu fiz bem, não é mesmo, Ana Maria?
Ana Maria! Quando meu pai me chama de assim, é porque está morrendo de vontade de me dar um sermão mais tarde. Toda vez que ele quer me dar uma bronca, por mais boba que seja a coisa que eu tenha feito, ele sempre começa assim: "Ana Maria! Blablablá... blablablá... blablablá..."
Nessa hora, a minha vontade, que estava quase explodindo da minha garganta, era de gritar bem alto:
"Dona Marina (eu ia falar dona Marina para a mulher se sentir muito, mas muito velha mesmo! Não que ela fosse tão velha assim. Tinha lá seus trinta e poucos anos. Acho que a idade do meu pai, por aí. Mas o que me importa?), foi uma péssima ideia do meu pai! E põe péssima nisso! Foi a pior ideia que ele teve nos últimos dez anos!"
Mas, claro, não falei nada disso. Meu pai era bem capaz de me dar um safanão tamanho gigante se eu dissesse uma coisa dessas.
Não disse tudo o que tinha pensado, mas conservei uma coisa na minha fala:
- Dona Marina - reforcei a entonação no "dona" -, meu pai é quem sabe se foi uma boa ideia...
Mesmo assim, sendo tão sutil, ele ficou bravo. Deu pra perceber pelo tom de voz com que ele falou:
- Ana Maria...
E deixou a frase suspensa no ar. A mulher resolveu falar:
- Me chame só de Marina, Ana.
Respondi com um sorrisinho amarelo. Aliás, o sorriso já foi muito. Ela não merecia nenhum sorriso, fosse branco, azul, verde ou amarelo!
Já ia me dirigindo para o fogão para fazer o meu prato, como faço todo santo dia, quando meu pai me segurou pelo braço:
- Deixe, filha, vou por a comida na mesa. Já está tudo quentinho...
- Como assim, quentinho? Que eu saiba, você sempre faz o jantar pra nós ( de novo, aquela reforçada no "nós") esquentarmos no outro dia, na hora do almoço.
Adorei ter falado aquilo. Por dois motivos: primeiro, para a tal da Marina ver que aqui em casa não tem moleza, não! Não tem empregada para ficar fazendo jantar, almoço, nada disso. Só uma faxineira vem uma vez por semana para dar uma "geral" na casa. Eu e meu pai é que cuidamos de tudo. Segundo, porque, quem sabe, ela ia achar que lugar de homem não era no fogão. Resolvi arriscar.
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E-mãe a internet me aprontou uma!
Genç KurguDesde a separação de seus pais, Ana vivia em uma pacata cidade do interior com o pai. Tudo ia bem, até que ele conheceu Marina pela internet. E agora, o que aconteceria com a vida da menina? Autora: Tânia Alexandre Martinelli