Permaneceu do meu lado, o tempo todo, eu já não sei a quanto tempo, não contei. Também não sei quem chegou primeiro, ele ou eu, talvez já estava ali, não percebi sua chegada, mas percebi que estava ali, horas e horas, por vários quarteirões, carros, árvores e pessoas, de formas diferentes, de personalidades similares. Todos são iguais nesta cidade cinzenta, todos vestem o cinza, com o mesmo objetivo, as mesmas metas, sem sonhos incríveis, o mesmo cinza.
As crianças dentro deste ônibus escolar não são diferentes, acho que ele também não é, aparentemente ninguém é diferente. Eu sou, eu espero, ao menos tenho sonhos incríveis, ou nem tanto, no momento o maior deles é chegar logo na escola, esse ônibus tem um cheiro diferente, cheiro de pessoas cinzentas. Mas na escola não, não é como aqui, hoje é terça, não tenho certeza, mas acho que sim. Nas terças o senhorita Ziggys dá aulas de matemática, eu odeio matemática, mas amo a senhorita Ziggys, e isso torna as terças, um dia bom. De toda forma, o ônibus acabará de chegar ao destino, e eu nem vi ele se levantar, afinal, quem consegue se levantar tão rápido de um ônibus escolar? É algo complicado de se pensar, é apertado, e tem várias pessoas tentando sair de forma simultânea, é um verdadeiro caos, mas não o sinto, no meio do caos, ou longe dele, fora do meu alcance.
Atravessando essa odisseia que é descer de um ônibus infestado de crianças, percebi que hoje não é terça, algo difícil pra lembrar ao final do trajeto, algo que me faz planejar ficar no ônibus até o dia acabar, mas já é tarde, beiro a porta da saída e logo terei a minha frente, dois imensos degraus, neles sinto que deveria ter olhado melhor o calendário antes de levantar da cama, teria tempo suficiente para planejar alguma doença mirabolante, jamais vista no mundo Medicinal, que me impediria de vir a escola.
Falhei de forma árdua, ando em lamentações até o corredor esquerdo, que fica logo ao lado, obviamente o lado esquerdo, do corredor central, é também onde fica minha sala, não no corredor central, no corredor esquerdo, a esquerda.
Acho que me deixei levar com isso, acabei sentando-me na cadeira livre que compõe o lado esquerdo em minha sala, não lembro bem o professor da segunda-feira, talvez seja literatura ou algo parecido, mas notei algo diferente ao meu lado, um cheiro que não era cinza, lembro-me de ter sentido esse cheiro está Manhã, ouvi dizer que ele era novo, não que alguém tenha me contado diretamente, mas as pessoas nesta sala falam muito alto, e eu acabei por escutar, uma coisa ou outra.
Mas acredito que sim, era ele, o mesmo garoto do ônibus, ele com certeza me perseguia, talvez pelo belo item de colecionador que eu carrego em minhas mãos o tempo todo, mas não acho que ele seja do tipo que segue alguém até a sala de aula para realizar um assalto.
Assaltante ou não, ele aparentava estar assustado, típico de um novato, me sinto obrigada a falar com ele, talvez passar toda minha auto confiança ajudaria, mas o primeiro contato foi estranho, ele ficou assustado com o toque, é minha mania de tocar em todo mundo enquanto falo, mas me ajuda bastante, e acho que depois de um caloroso "Oi" ele pode ter se acalmando, a voz dele parecia engraçada, talvez seja o sotaque, eu não imagino de onde seja, nunca sai da minha cidade, mas sem dúvidas, era um sotaque diferente, ele falava de forma lenta, e isso é bom, mesmo que a única frase dita por ele foi. "oi, desculpa, o professor já começou a aula, pode falar mais baixo?".
Eu sou péssima em prestar atenção, mas foi satisfatório, pelo menos para um primeiro contato, deixou bem claro que ele queria sentar comigo na hora do almoço, que já se aproximava, eu imagino, os pinos do relógio tinham feito uma quantidade de "toc" equivalente aos que eu costumava ouvir para o intervalo.
Segurei o braço dele antes do último "toc" e achei que ele poderia me seguir de forma passiva agora, e então o garoto do sotaque aceitou a sugestão, pois não ouvi reclamações com o toque dessa vez, e isso já estaria de bom tamanho, levei ele até o refeitório, onde costumava ficar a trinta e cinco passos da minha sala, virando a direita, oito passos, virando a direita novamente, seguindo de quinze passos ao centro, as pessoas costumavam falar muito alto ao redor do refeitório, então chegar lá, não era trabalho difícil, espero que ele tenha aprendido isso.
Sentamos juntos e logo fiz o favor de dar a ele uma dica valiosa.
"Hoje não é terça".
Pelo jeito que recebeu a mensagem, não ficou muito surpreso, mas ele não sabe o quanto essa dica é importante, então falei da minha vida pra ele, talvez ainda não estivera preparado para as terças feiras. Ele gostou da forma que falei do meu cachorro, e também quando falei do meu pai, era algo genial porque normalmente acham isso um saco, e ele gostou, então continuei a falar, disse da minha relação com minha coleção de objetos valiosos que me ajudam a andar, e por isso sempre ando com um deles em mãos, foi algo importante, e geralmente não falo isso para muitas pessoas, talvez esse garoto não seja tão cinza como imaginei, então resolvi falar pra ele.
"Você tem cor, não tem?".
Após a pergunta achei que seria algo direto demais a ter perguntado para um desconhecido, nem o nome dele eu sabia no momento, me importei um pouco a mais com sua cor, só que, diferente do que eu imaginei, ele me respondeu da melhor forma possível, descreveu seu cabelo como quente, quase como o fogo, e sua pele como fria, próxima a neve, foi o bastante para mim, e tentei imaginar o resto do dia como seria esse composto de cores, com a mistura de sentimentos que já tiverá obtida com ambos os elementos ditos por ele, lembro me do fogo que costumava queimar perto de minhas mãos em tempos frios onde a neve caia fora de minha casa, e era uma sensação maravilhosa, acabei me perdendo demais nesse misto sentimental, e mal lembro do que falamos após isso, nem lembro se ele disse ou não o seu nome, após voltarmos a sala, esqueço me até de contar os "tocs" do relógio, porém a aula foi tão passageira que logo o ouvi novamente, perguntando me se não iria para o ônibus, não preciso de muito, mas acho que ele deveria está pensando no momento, em sentar ao meu lado novamente, não o culpo, costumo sentar ao lado da melhor janela do ônibus, onde melhor o vento flui, e onde melhor o sol aquece, e isso deve ter lhe dado esperanças de tomar o meu lugar.
Logo ao me aproximar do ônibus, escuto uma voz que não seria familiar, e por algum motivo, teria o mesmo timbre do garoto que acabara de conhecer esta manhã, apesar de ser um timbre um bocado árduo, e cinzento, de forma grosseira está voz gritou.
"TOM!"
então o garoto do cabelo flamejante que no momento era segurado por minha mão, rapidamente havia se soltado, apenas disse um tchau, e possivelmente um até logo, talvez o Tom que o adulto cinzento se referiu seria ele, bem, ao menos, seu nome eu teria acabado de descobrir, respondi a ele com outro tchau, mas talvez já seria tarde, já deveria estar longe do alcance de minha voz, resolvi ir ao ônibus e acomodar-me em meu assento exclusivo, e sentir de camarote, mais um belo espetáculo desta cidade cinzenta voltando para casa após outro dia, que infelizmente, não era terça.
Ao descer do ônibus, tenho talvez a segunda surpresa do dia, Tom estava lá, chamando pelo meu nome, talvez tenha me seguido, e eu tola, realmente acreditei que ele não iria assaltar meu raro item de coleção, ao menos seria um assalto digno, feito por alguém digno de um assalto, mas não era bem isso que Tom queria, pra sorte dele, meu pai morava a três casas da sua, e isso fazia-nos, quase vizinhos, algo espetacular se não fosse o fato da ameaça que minha cadeira exclusiva do ônibus escolar estaria passando no momento, meu pai também morava a duas casas de onde o motorista do ônibus costumava ficar, e eu era sempre a primeira a embarcar, e agora que Tom é praticamente vizinho do motorista, isso trás maior vantagem para ele, ou talvez eu estivera a pensar bobagem, o senhor do ônibus deve ter lhe comunicado da minha exclusividade para com aquela cadeira, talvez possa explicar o porquê Tom não a ocupará está manhã.
Tom parecia animado em saber que era meu quase vizinho, se aproximou, para sua sorte ou azar, exatamente no mesmo instante que meu pai.
Sorte pois meu pai é uma pessoa maravilhosa, azar porque Tom parecia amedrontado, ora, eu também ficaria se conhecesse o pai da garota que eu quase assaltei, ou pelo menos eu acho que iria.
Meu pai disse oi a Tom, de forma simpática, algo que ele costumava ser, pelo menos eu espero que sim, é a primeira vez que presenciei o contato entre um colega de escola e meu pai, algo inusitado, o que não é mais inusitado do que meu pai convidar Tom para entrar, e algo que beira o surreal para mim, foi Tom ter aceitado
Eles entraram rindo e conversando como se fossem amigos, de longa data, mesmo sabendo que a única longo detalhe seria a Idade de cada um, meu pai com seus 34 anos parecia não se importar em ter um garoto de aparentemente 13 em sua casa, pelo contrário, já haviam conversado em dez minutos, assuntos que nem eu saberia descrever
Por outro lado teria uma desculpa, teria visto a alguns dias, a família de Tom se mudar, percebeu que não eram americanos, pois carregavam em si, vestes e maneiras diferentes de se comportar, Tom logo esclareceu sua vinda da Inglaterra, me fez ter a certeza que realmente nunca teria antes, escutado tal sotaque, e estava certa, realmente nunca havia escutado, Tom era inglês, e veio aos Estados unidos, por motivos que meu pai não tivera a coragem de perguntar, ou talvez se quer tenha lembrado, já que ao ouvir Inglaterra, iniciou um bombardeio de teorias que ele mesmo havia criado sobre europeus. Meu pai se a poucos dias havia enlouquecido, com uma notícia da possível ida de um Russo ao espaço, para ele, o russo responsável por isso seria também o percursor de uma nova guerra mundial, a partir do momento que declarou a terra como um lugar azul, meu pai acreditava que o azul seria uma nova cor estratégica criada pela união soviética e que tudo isso se tratava de uma farsa, "também, como a terra seria azul?", disse ele.
"A terra é um lugar cinza, venho ensinando isso a minha filha, e não tem para porque negar, é totalmente cinzenta e suja".
E por incrível que possa parecer pra mim, Tom aparentava demostrar curiosidade sobre os assuntos de meu pai, Tom também era amante do espaço e tudo que o cerca, tive a certeza disso, após semanas depois de conhecê-lo, Tom me levou ao foguete que ele mesmo havia criado, parecia algo enorme, e que provavelmente iria perfurar o teto de sua casa ao zarpar para a lua, ele a tempos ficou intrigado sobre a maneira que meu pai teria o falado sobre a terra ser azul, e assim Tom tomou como um desafio que o levaria a extrema satisfação, Tom queria sair do planeta.
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Tom
AdventureBaseado em mentiras, e verdades que talvez também sejam mentiras, mesmo sendo difícil descrever o que realmente é real