Escravo...

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  Seu rosto ainda estava dolorido devido as pancadas. Muitas pessoas passavam e o encaravam. Foram quase uma 20 minutos de golpes incessantes, porém só alguns permaneciam em sua pele. Ele se lembrava de cada detalhe. Após os guardas saírem de cima dele, não conseguia nem ao menos mover um dedo, apenas seus olhos funcionavam. O homem com feições de rato se aproximou.
  - Calma, vou te curar. - Dizia ele.
  - Não o cure totalmente. Quero que ele mantenha umas lembrancinhas por algumas horas... - Falou o homem de terno branco ao sair da sala. - Após terminar aí, diga aos meus homens, para colocá-lo na jaula.
  - Como queira Barão... - O homem se curvou ao que ele passava. Quando o "Barão" já não estava a vista ele se voltou para Carlos. - Seu tolo! Desafiar o Barão dessa forma. É uma sorte ele não ter o matado. - Nesse momento ele abriu as mãos sobre as feridas recentes. Ambas brilharam ao que o homem recitou algumas palavras. Elas pareciam soltar uma fumaça esverdeada. Pouco a pouco, Carlos voltava a sentir seu corpo, por fim ele já se movia normalmente.
  - Ótimo... - Disse o homem abaixando as mãos. - Consegue se mover?
  - Sim. - Disse Carlos movendo os braços, dedos. - Só minhas pernas que ainda doem um pouco.
  - Você ouviu o Barão. Se tivesse te curado completamente, eu estaria com problemas. - Ele aproximou o focinho. - Eu sou o quinto médico esse mês...
  - O que ouve com os outros? - Perguntou inocentemente mas descobriu a resposta só de olhar a expressão do homem.
  - A propósito sou Jikol. - Ele estendia sua mão. Carlos hesitou por um momento mas acabou o cumprimentando. O medico tinha uma voz levemente rouca, falava apressadamente mas se entendia cada palavra.
  - Sou Carlos. Obrigado por... - Nesse instante alguns homens usando o mesmo uniforme dos lobos, chegaram e forçaram Carlos a se levantar e andar. Esses 4 soldados tinham as feições de repteis, alguns mais que outros.
  Ele foi empurrado pelos corredores brancos, pisando no carpete vermelho que parecia cobrir cada centímetro do chão e viu muitos e muitos quadros bizarros nas paredes. Passou por algumas portas e finalmente saiu do local bem iluminado em que estava para uma praça mal iluminada, fria e bem povoada. Ele olhou para trás, observando a fachada da mansão do Barão, três andares, muitas janelas, a porta dupla pela qual passara e tudo, mas tudo naquela casa era branco como leite.
  Em oposição e para sua surpresa a praça, não chegava aos pés da perfeição que era aquela mansão. Ele tinha uma visão de todo o local pois, a casa do Barão estava no topo de uma escadaria. Era um local muito grande, o chão feito de pedras, não tão bem colocadas, estando algumas soltas. Varias barracas estavam armadas, pareciam vender de tudo, animais, alimentos, ferramentas, máquinas, artesanatos, armas brancas, etc. Ele até mesmo podia ver algumas crianças, mulheres e homens que pareciam estarem sendo leiloados. Todos que andavam por alí, desde comerciantes até compradores eram seres de diferentes espécies, uma grande mistura de cores nas vestimentas, aparências e sons que produziam. No centro da praça havia uma grande gaiola quadrada, grande o suficiente para acomodar metade das pessoas da sala em que ele estava anteriormente.
  Os guardas o empurraram para que andasse. Ele já sabia que ficaria naquela cela, que todos daquela sala acabariam alí. Os guardas o jogaram lá dentro, trancaram e partiram. Ninguém o notava alí, ele não era nada para os demais. De vez em quando alguém dirigia o olhar para ele mas logo perdia o interesse. Após alguns minutos circulando e analisando as barras ele escolheu um canto e se sentou. Passou a observar o movimento, sentir os cheiros no ar, analisar as feições de todos, os idiomas falados... Tentava no geral analisar tudo que podia.
  - Onde diabos estou? - Perguntou a sí mesmo. Não conseguia imaginar qualquer explicação para tudo que estava acontecendo. Tentava se lembrar de algo, que pudesse clarear sua mente em relação a tudo isso mas não conseguia pensar em nenhuma explicação. Colocou a mão no bolso ainda intacto e sentiu algo em seu interior. Ele retirou e viu que era uma pequena peça dourada. Era uma espiral feita de ouro, alguns símbolos espalhados pela peça, não era maior que um pires. Em seu centro havia um pequeno espaço, que parecia ser o encaixe de algo.
  Sua mente ficou ainda mais confusa que antes. Aquilo não o pertencia, pelo menos ele não se recobrava de o possuir antes. Observou a peça por mais alguns instantes, para tentar se lembrar de algo mas não se lembrava de nada. Por fim guardou o objeto novamente em seu bolso e voltou a analisar as coisas ao seu redor.
  Com o passar do tempo, o local ficou mais cheio e barulhento. Ele ouvia todo tipo de sons, desde animalescos com mais grunhidos do que sons coerentes, até idiomas que pareciam mais objetivos. Uma barraca em especial lhe chamou a atenção, ela ficava a sua direita, o dono parecia falar sua língua, com um leve sibilar mas ainda sim, era algo que ele entendia. Ele era grande, gordo, a pele verde escuro, os olhos pareciam fundos, não tinha cabelo e sua mandíbula era levemente pra frente. Vestia roupas de couro, pareciam pesadas mas não para ele, uma espada grossa repousava em sua cintura. Sua barraca vendia espadas, machados, chicotes, facas, etc. A maioria dos clientes eram verdadeiros brutamontes, fortes e lotados de cicatrizes. Uma única excessão apareceu após algumas horas. Duas pessoas envoltas em mantos escuros que cobriam o corpo todo chegaram a barraca, uma era alta e grande, a outra era de uma altura média e magra aparentemente. Ambos estavam de costas para Carlos então ele não conseguia ver seus rostos, porém ele prestou muita atenção a conversa, que era fácil de ouvir, pois o dono era escandaloso.
  - Chegou finalmente! - Dizia o vendedor ao avistar a dupla. O maior ficou mais atrás enquanto o menor se aproximou da barraca.
  - Conseguiu? - A voz dele era calma.
  - Quem acha que sou!? - O vendedor soltava uma gargalhada. - Se você quer algo eu consigo, pelo preço certo é claro. - Ele apoiava o antebraço no balcão.
A figura estalou os dedos e o maior que aguardava mais atrás se aproximou. Ele não pareceu mover algum braço ou algo do tipo, porém um saco foi atirado acima do balcão. Parecia ter o tamanho de uma bola de basquete e claramente continha algo pesado. O dono retirou a corda que o fechava e meteu a mão dentro, a retirou cheia de moedas douradas. Seus olhos reluziram ao ver o conteúdo.
- Isso é o suficiente? - Perguntou a figura.
- Claro! - Respondeu o homem com animação. Ele levou a mão embaixo do balcão e pegou algo, depositou a frente da dupla. Estava envolta em panos, o menor elevou a mão e a pegou.
Carlos não conseguia ver o que era aquilo mas logo matou sua curiosidade. A figura ergueu o braço a frente do rosto, mostrando a manopla que vestia. Ele abria e fechava os dedos, movia o braço para todas as direções a ajustando. Era uma manopla de couro, nos nós dos dedos era feita de um material prata, ela chegava quase até o cotovelo e tinha uma costura desde o dedo mindinho até o final. Na palma da mão parecia ser feita de um material mais maleável, nas costas havia uma leve elevação, claramente indicando uma segunda camada de couro. Ela era de um vermelho vinho hipnotizante.
- Perfeito. - A figura falou olhando para a manopla. O vendedor nem se dava ao luxo de o olhar, estava muito ocupado com suas moedas. - Com isso falta pouco... - Ele olhou de canto e fixou o olhar em Carlos, que agora podia ver seu rosto. Era um rosto comum, humano, homem, cabelo preto curto e sem barba. A única coisa que parecia anormal, eram seus olhos, que não pareciam haver pupilas, ou sequer brilho.
  Ele abaixou o braço e andou lentamente até Carlos. A figura atrás dele o seguiu. Este tinha um pano negro sobre o rosto, não permitindo o ver. O homem menor ao chegar próximo, se agachou e olhou fixamente nos olhos castanhos do rapaz preso. O olhou de cima a baixo, analisando cada detalhe.
- Suas roupas são engraçadas. - Ele falava ao olhar para o simbolo estampado na blusa de Carlos. - De onde você é? Litoral de Alabar? Oriente?
- Nem um e nem outro. - Carlos o encarava fixamente. - Ao que parece, sou de muito mais longe do que gostaria.
-Não entendo muito bem. Mas gostei de você. - Seu sorriso era meigo mas seus olhos, pareciam perigosos. - Você parece... diferente, não combina com a vista. - Ele olhava ao redor.
- Você também não... - Seus olhos ficaram mais negros que antes, seu sorriso ia de orelha a orelha.
- Exato. - Ele arrumava a manopla na mão esquerda. - Nós dois somos diferentes, não pertencemos a este... lugar. Eu, um ambicioso. Você, um escravo.
  Carlos olhou com curiosidade para seu companheiro. Era a primeira vez que ele ouvia isso. Sabia agora que era um escravo e, todos naquela sala deveriam estar na mesma situação.
- Eu não sei exatamente onde estou, nem como vim parar aqui. - Ele era ouvido atenciosamente.
- Como era o local em que você vivia?
- Um lugar que não tinha nada disso. - Ele apontava para tudo. - Só humanos, sem animais falantes, criaturas verdes, feitas de pedra ou mesmo barracas vendendo espadas.
- Não conheço um lugar tão isolado de seres mágicos... - Ele parecia pensativo. - Mas pra sua sorte gostei de você, então se quiser, posso te tirar daí. - Ele segurava uma das barras.
- Como faria isso?
- Lhe comprando. Tudo que pediria em troca, seria sua lealdade... - Ambos se encaravam seriamente.
  Ele observou aqueles olhos negros, pensou em como seria bom sair dalí. Poder ver, conhecer e aprender sobre o lugar onde estava. Tentar saber como chegou a esse lugar e buscar uma forma de voltar. Porém também pensou nos perigos a que poderia estar se sujeitando. Aquele rapaz parecia perigoso, não parecia tão confiável como tentava parecer. Não sabia se aceitava ou não.
- Vejo que está indeciso, bem, acho que você prefere ser um escravo de alguém. - Ele se levanta. - Vou te dar algum tempo. Tenho negócios a tratar na cidade. O Barão não deve te vender tão cedo, poucos compram humanos. Voltarei depois de amanhã, se ainda estiver aqui, deve ter uma resposta para minha proposta. Está bom assim?
- Acho que sim. - Ele se colocava de pé para encarar o rapaz de igual. - Nos vemos depois de amanhã. A propósito, qual seu nome?
- Meu nome...? - Ele parecia refletir algo. - Digamos que é melhor não saber... mas façamos o seguinte, me escolha um nome. O qual você achar que combina comigo.
- Um nome pra você? Deixe-me ver... - Ele o olhou por alguns instantes. - Acho que João combina com você.
- João? Acho bom, então para a maioria, de agora em diante me chamo assim. - Ele arruma o capuz sobre o rosto e se curva levemente. - Até nosso próximo encontro, Carlos.
  Ele se retira seguido pelo companheiro. O  escravo, volta a se sentar  recostado nas barras. Pensava na oferta feita por João. Ficou assim por horas, refletindo e observando. A noite chegou rápido, as barracas foram se transformando. Onde haviam lanças e espadas, agora tinham comidas e luzes. O cheiro era delicioso, algumas pareciam nojentas mas no geral eram encantadoras. O aroma no ar só piorava a fome que Carlos sentia. Não colocava nada no estômago desde antes de entrar na academia no seu mundo. Sua barriga parecia gritar, alguns até olhavam com surpresa ao ouvir o som.
  Após ele sofrer o suficiente com o cheiro das guloseimas, um soldado veio até a cela em que estava. Carlos o reconheceu como um dos lobos que ele havia nocauteado anteriormente. Trazia uma bandeja com algum alimento, era um tipo de puré roxo. Não era algo excelente mas ainda sim parecia ser comida. Ele se pôs de pé rapidamente e aproximou-se das grades. O guarda o encarou, sorriu e perguntou.
- Está com fome? - Carlos apenas o encarou sem dizer nada. - Não se preocupe, isso aqui é seu. - Ele abriu a porta e deu dois passos adentro. - Você vai querer? - Esticava a bandeja. - Se vai querer venha logo.
- Vou. - Ele andou em direção ao guarda, que mantinha uma mão sobre o bastão. Quando Carlos levou a mão para pegar a bandeja, o guarda a soltou e o purê se espalhou pelo chão.
- Então coma do chão, como o bom animal que você é. - Ele sorria arrogantemente. Carlos já esperava algo assim, então manteve a calma. O olhou e sorriu, se agachou, pegou uma quantia do conteúdo e se levantou.
- Aqui. - Ele esticava a mão para o guarda, este não entendia. - O totó quer comer? - A feição do guarda de desfez em raiva. - Acho que você tem um complexo de inferioridade, afinal ser tratado como um cachorrinho mesmo depois de ter evoluído... - Carlos fingia desapontamento enquando limpava a mão. - Coitado, mas não se pode esperar muito de um cão... não é mesmo? - Ele encarou o guarda com o sorriso mais arrogante que tinha. O homem já havia se armado do bastão e andava na direção de Carlos mas foi parado por uma voz.
- Já chega! - Era o Barão que se aproximava da "gaiola". Atrás dele estavam alguns dos outros escravos escoltados por mais guardas. O Barão ria da cena. - Ele não está falando nenhuma mentira, afinal você é um baita bajulador. Aposto que se eu jogasse uma bolinha, você ia buscar com a boca. - Ele parou ao lado da porta. - Você é patético. - O guarda encarou o chão com o rosto ardendo de raiva. Ele saiu da cela ainda com a cabeça baixa.
  Um a um os prisioneiros foram entrando na cela. Haviam uma média de 40 pessoas, uma mistura de todas as raças. Quando todos entraram a porta foi fechada. O Barão parou a frente das grades, olhava diretamente para Carlos.
- Se sinta privilegiado. Mesmo depois do seu teatrinho, estou fazendo algo por você. Esse grupo aí, - Ele apontava para a cela. - vai ser a remessa para o rei de Almalik. Talvez você seja um escravo de guerra, ou quem sabe o empregado de uma nobre que goste de brincar. - Ele soltou uma gargalhada e se virou. - Mas sendo como for, será melhor que permanecer aí, esperando ser comprado...  - Ele olhava Carlos por cima do ombro. Levantou a mão e os guardas o escoltaram de volta a mansão.
  Olhando em volta, percebeu que os outros mantiam uma certa distância. Achou estranho mas não se importou muito. Voltou para seu canto e acomodou-se nas barras. Não haviam humanos alí, o único que ele conseguiu achar estava sentado a poucos metros dele. O rapaz o olhava receoso, sempre que Carlos o encarava ele desviava o olhar.
- O que foi? - Perguntou Carlos após se irritar com aquela cena.
- Nada não... - Ele tinha a voz ligeiramente fina. - É que você desafiou o Barão e ainda está vivo.
- Entendi. - Ele cruzava os braços e olhava para as barracas, mostrando seu completo desinteresse pela conversa.
- Você foi incrível. - O rapaz se aproximava de Carlos, este suspirou e o olhou. - Você não deve fazer ideia, do quão impressionante isso foi.
- Pelo que você fala tenho uma ideia. - O rapaz era analisado por completo. Tinha uma estatura média, cabelo curto da cor preta, não era gordo nem magro, feições comuns, uma orelha de tamanho comum, porém pontiaguda, sua pele estava escura de sujeira. Vestia uma calça suja de lama, um pano surrado que deveria ser a camisa, atravessado do ombro a cintura.
- Eu sou Gabriel. - Ele tinha um sorriso largo no rosto. - Venho de Salem.
- Sou Carlos e não ligo. - Ele tinha um sorriso sarcástico no rosto. Gabriel o encarou por um momento.
- Que hilário você. - Ele dava um leve soco no ombro.
- Olha... Eu tive um dia horrível, tenho que decidir uma coisa até depois de amanhã e não tô com ânimo pra conversa. - Ele tranquilizou seu semblante. - Podemos falar amanhã?
- Claro. - Ele ficou mais calmo. - Nós conversamos durante a viagem.
  Carlos o encarou surpreso.
- Que viagem? - Perguntou pausadamente.
- Para o reino de Almalik. - Ele disse isso esperando que Carlos entendesse de imediato. - Você ouviu o Barão, somos o grupo de escravos que o rei de Almalik comprou. O próprio Barão nos escolheu. - Ele olhava ao redor. - Escravos de guerra, trabalhadores, empregados domésticos. Somos o pacote da vez.
- Então não vamos ficar aqui por mais tempo? - Ele saia de sua pose, se apoiava em um braço.
- Exato. A qualquer instante o representante vira nos buscar. - Ele falava tranquilamente, não tinha qualquer frustração na sua voz. - A parte ruim, é que humanos não somos tão bem vindos lá.
- Então estamos em desvantagem...
- Você está. Já eu tenho uma pontinha de esperança. - Ele apontava para suas orelhas. - Minha mãe era elfa. Infelizmente puxei mais o meu pai, humano.
- Eu não estou entendendo nada. - Ele passava as mãos na cabeça. - Você é metade o quê? O reino da onde? Pode explicar direito?
- Agora não vai dar... - Ele olhava fixamente para um canto. Carlos o seguiu e avistou duas grandes carruagens com caixas pretas acopladas atrás. - Nossa carona chegou.
- Reino de... Almalik...

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⏰ Última atualização: Apr 27, 2019 ⏰

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