Ninguém sobrevive em um apocalipse zumbi

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Minha mãe virava de um lado para o outro, se olhando de todos os ângulos possíveis no espelho.

– Você acha que esse macacão foi uma boa escolha, filha? – ela me perguntou, os olhos cheios de dúvida e insegurança.

– O que importa isso? – respondi. – O Ichiro vai querer saber do que tem debaixo dessa roupa, isso sim.

– Marisol Ferreira! – ela advertiu, como sempre faz quando eu falo algo considerado inapropriado. – Eu já estou nervosa, não preciso que você fique fazendo essas brincadeiras sem noção.

– Calma, mãe, foi só pra descontrair. Mas, falando sério, não sei o motivo de tanto nervosismo. Você tá linda, sempre esteve e sempre estará. Ele se interessou por você quando te viu usando o conjunto de moletom, acha mesmo que ele não se interessaria por você usando esse macacão?

Mamãe encarou o espelho novamente e, quando seus olhos encontraram os meus, concordou e sorriu.

– Você tem razão, Sol.

– Como sempre – falei.

Voltamos para a mesa reservada ao lado da janela para ver a cidade lá embaixo. Minha mãe tinha essa obsessão por sempre sentar à mesa ao lado da janela em andares altos. Ela dizia que dava a sensação de grandiosidade.

Após alguns segundos, Ichiro, o date da minha mãe, e Akira, meu melhor amigo, chegaram e nos cumprimentaram com abraços.

– Décimo nono andar! – Ichiro soltou. – Eu sabia que você gostava de altura, Cris, mas não fazia ideia que levava isso tão a sério.

– Eu levo grandeza a sério – minha mãe respondeu.

– E por que ainda não saiu daquele bairro pobre e longe de tudo? – Ichiro adorava provocar todo mundo, especialmente minha mãe. – Como pode a dona da Tríplice Aliança Alcoólica Brasileira morar em um fim de mundo como aquele?

– Já chega, pai! – Akira finalmente abriu a boca. – Às vezes o senhor vai longe demais nas brincadeiras.

– Não tem problema, Akira – minha mãe falou, sem tirar seu lindo sorriso do rosto. – Eu não me importo de responder sua pergunta, Ichiro. Como você sabe, eu nasci naquele bairro, minha família inteira foi formada ali. Eu mudei de vida? Sim. Enriqueci? Sim, mas isso não significa que eu vá esquecer das minhas origens. E, mesmo que eu quisesse, não conseguiria me desvencilhar daquela casa. A história da minha vida ainda permanece naquelas paredes, naquele quintal, naquela horta...

– Na verdade ela quer que criem o museu da vida dela ali – falei, o que fez todos rirem. – É só mais uma forma dessa capitalista ganhar dinheiro.

– Marisol, às vezes você parece o meu pai – Akira disse, roçando sua perna na minha por debaixo da mesa.

– Se isso significa ser rica e talentosa, agradeço pelo elogio, Akira – estiquei meu pé até sua virilha disfarçadamente, o que fez com que ele soltasse um gemido na frente de todos.

– Mordi minha boca – ele disfarçou. – Todo dia a mesma merda.

– Olha a boca – falei. – Onde estão seus modos?

– Enfiei no cu – Akira retrucou.

– Akira! – minha mãe e Ichiro advertiram, o que me fez gargalhar.

Juliana, a garçonete gótica, se aproximou de nossa mesa com dois cardápios em mãos e os entregou para Ichiro e Akira.

– As senhoras vão querer o mesmo de sempre? – perguntou ela.

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