Chamas

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Yuta acenou freneticamente do outro lado da rua, como se eu não fosse enxergá-lo com aquele cabelo vermelho cereja. Quando o farol abriu, atravessei a rua correndo e abracei-o apertado.

– Quanto tempo faz, garota? – ele perguntou, sorrindo de orelha a orelha.

– Três anos, Yuta! – gritei, dando um tapinha em seu braço.

– Porra! É muito tempo!

Rimos e andamos abraçados pelas ruas de Shinjuku, até chegarmos ao Alice's Fantasy, nosso café e restaurante preferido. As decorações coloridas sempre nos encantaram.

– Eu nunca canso desse lugar – falei.

– Mas e a novidade, Noah? – Yuta brincou. – Você passou um ano da sua vida se vestindo de Alice e queria que eu fosse o Gato.

– Em minha defesa eu tinha apenas quinze anos.

– Claro, super criança – Yuta riu. – Mas, e aí, me conta sobre como tem sido sua vida nos Estados Unidos.

– Ah... – ri um pouco sem graça. – Não tá nada boa. Eu tenho estado muito estressada, comendo mal, dormindo pouco... Não é fácil, vivo querendo voltar pro Japão de vez, mas meu pai não me deixa desistir. Mas, enfim, ontem aconteceu uma coisa louca e eu tava doida pra te contar. Eu fui me consultar com uma vidente e ela me disse para não viajar, disse que as chamas me consumiriam se eu entrasse naquele avião.

– O quê? – Yuta gargalhou. – Mas ela só disse isso? Não foi mais específica?

– Não! Ela simplesmente disse isso, fez cara de assustada, devolveu meu dinheiro e me mandou ir embora.

– Que doida...

– Pelo menos eu tô viva e com meu dinheiro.

Após uma hora e meia de conversa e café, nós saímos em direção ao bar Gold Finger, nosso preferido. Não tinha nada que nos fizesse feliz como uma bebedeira.

Enquanto dançávamos, percebi que Yuta não estava se divertindo tanto como costumava. Algo em seu olhar me dizia que ele não estava bem.

– Vamos conversar lá fora – chamei.

– Não, vamos dançar mais um pouco.

Yuta continuou, mas eu sabia que ele estava apenas se esquivando. Eu o conhecia melhor do que ninguém, sabia que algo estava tremendamente errado. Seu olhar estava esquisito, parado, como se estivesse sob efeito de alguma droga. Seu corpo não acompanhava o ritmo da música, como se ele estivesse mais lento do que deveria.

– Yuta – chamei novamente. – Por favor, vamos lá pra fora, preciso tomar um ar e acho que você também.

Puxei-o pelo braço, forçando-o a vir comigo, mas ele resistiu algumas vezes, até finalmente ceder e sair com cara de cu.

Chegando lá fora, ele me encarou como se quisesse me matar. Senti seu olhar praticamente me perfurando e comecei a murchar como uma flor arrancada da terra. Yuta nunca havia me tratado mal, muito menos olhado para mim daquela forma.

– O que você tem? – perguntei. – Você tá meio esquisito, parece que tá drogado.

– Eu não tenho nada, Noah – Yuta respondeu de forma seca. – Eu só queria dançar um pouco mais, será que é pedir muito?

– Yuta... – Segurei seu braço, mas ele se desvencilhou e entrou novamente.

Fiquei parada, encostada na parede, e acendi um cigarro. Observava a noite sem estrelas, o tempo fechado, a lua escondida por detrás da poluição. E pensava.

Pensava em como Yuta estava diferente, em como ele nunca havia sido grosseiro dessa forma, em como ele nunca me escondia nada.

Ele foi meu melhor amigo por praticamente toda a minha vida e sempre dividimos tudo: nossos momentos bons, nossas dores, nossos sonhos... Era como se fôssemos ser melhores amigos para sempre. Porém, de repente, tudo mudou.

Quando meu cigarro acabou, joguei a bituca no chão e pisei em cima. Voltei para dentro do bar e fui em direção ao banheiro. Havia uma fila enorme, mas eu realmente precisava lavar o rosto e esfriar a cabeça, para enfim poder ir atrás de Yuta e tentar resolver o que acabara de acontecer.

Após uma espera de quinze minutos, finalmente entrei no banheiro e me tranquei lá dentro. Encarei meu reflexo no espelho e percebi que estava meio cabisbaixa, triste. Lavei o rosto, sequei com papel e tirei um batom preto da bolsa.

Enquanto passava o batom, senti o celular vibrar na bolsa. Chequei a aba de notificações e era uma mensagem de um número desconhecido. A mensagem dizia "eu avisei". Apenas. Bufei e ri, continuei passando meu batom e aproveitei para fazer xixi.

De repente, escutei o que pareciam gritos, mas não me preocupei muito, até porque a música estava alta e as pessoas deveriam apenas estar se divertindo.

Quando abri a porta, fui empurrada por alguém e caí no chão. Quando me levantei, olhei ao redor e percebi que o bar estava um caos. Pessoas correndo desesperadas em direção às saídas, pessoas caindo no meio do caminho.

Percebi um cheiro... Fumaça. Finalmente enxerguei o motivo do frenesi: o bar estava pegando fogo. Ao lado das bebidas, chamas cresciam até o teto e as pessoas tentavam ficar longe de lá.

Desesperada, peguei meu celular e mandei uma mensagem para Yuta, perguntando onde ele estava. Ele não respondeu, então decidi ligar. Ele atendeu, mas não escutei nada, então mandei mensagem de novo. "Cadê você? Eu tô na porta do banheiro feminino". Em alguns segundos, sua resposta chegou. Sua mensagem dizia "vou te buscar". Logo após sua resposta, avistei seus cabelos vermelhos correndo em minha direção. Ele não parecia nem um pouco desesperado.

– Vamos embora! – gritei.

– Tem uma saída por ali – ele respondeu, apontando justamente para o lado do fogo.

– Você tá louco? – gritei de volta. – Tá pegando fogo, caralho! Vamos pra saída ao lado.

Puxei seu braço para corrermos para o lado oposto do fogo, mas ele foi mais forte e acabou me puxando diretamente para o fogo. Tentei relutar, mas ele era muito mais forte do que eu.

– O que você tá fazendo? – gritei, tentando me desvencilhar de seus braços.

– A única saída pra uma traíra como você é queimando seus pecados – Yuta disse tranquilamente, enquanto me arrastava para o fogo. – Você me abandonou pelos Estados Unidos, arrumou um namorado e esqueceu que eu existia. Nem mensagem você mandava!

– Para de graça, Yuta! – gritei, enquanto tentava, em vão, atingi-lo com socos.

– Você devia ter seguido o conselho da vidente – ele disse, com um sorrisinho malicioso no rosto. – Agora você vai pagar e tudo vai ficar bem.

Ele quebrou uma garrafa de alguma bebida no lado esquerdo da minha cabeça e me jogou diretamente no fogo. Eu caí, um pouco atordoada, um pouco zonza. Senti um líquido denso escorrendo da minha cabeça e percebi que estava sangrando. Mas a dor das queimaduras logo tomou o foco para si.

O fogo ardia, queimava, derretia minha pele. Eu nem conseguia gritar de tanta dor que sentia. Conforme fui perdendo as forças, meus olhos começaram a se fechar e percebi que estava desmaiando. A última coisa que vi foi o sorriso de Yuta.

– Eu te amo – ele disse, saindo correndo e me abandonando no meio das chamas.

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