Capítulo II - Quase Namorados

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Narração por Ana Carolina Maia

   Ás terças e quintas eu fico na escola até as quatro da tarde, muitos ali ficavam entediados por terem de ficar tanto tempo na escola, porém eu gostava, pois era uma excelente oportunidade para esquecer os problemas familiares que enfrento.

   Duas horas da tarde, intervalo. Temos três intervalos, o de 9:30 até 9:45, o de 11:30 até 13:00 e o de 14:00 até 14:30. Peguei minhas coisas e caminhei tranquilamente pelos corredores, não tinha muitas amigas, apenas colegas.

   Eu quero ter amigas, o problema são meus pais, eles sempre vão enxergar minhas amigas como oportunidades de converter alguém, sempre.

   - Eae Ana - diz Luany caminhando ao meu lado - como cê tá?

   - Estou bem, obrigada. E você?

   - Tudo ótimo. Aqui, cê me passa depois a foto daquele dever de física?

   - Passo.

   - Valeu vei. Tô indo ali fumar um, vem comigo.

   - Não, obrigada.

   - Cê quem sabe, se mudar de ideia só me procurar depois.

   Luany se afastou e sumiu na multidão de alunos uniformizados. De longe se podia perceber que ela é diferente, tem algumas mechas dos cabelos pintados de uma cor nova a cada mês, alargador na orelha direita, e sempre tem maconha, todo mundo que gosta geralmente compra dela.

   Tenho muita curiosidade de fumar maconha. Se fosse tão ruim assim, não existiriam pessoas que gostassem.

   Apesar do jeito de periferia, Luany é muito bem de vida, os pais são importantes vereadores da cidade.

   - Você acha que eu não vi isso, mas vi - eu esperava não ter de ouvir aquela voz tão cedo, mas infelizmente ouvi.

   - Jonas, eu não devo nada á você.

   - Vai ser malcriada, é? Se continuar assim, vou contar pro Elias que você está conversando com gente mundana, e que logo estará igualzinho á uma mundana podre. Ou será que devo chamar Elias de sogro?

   - Meu pai não é seu sogro.

   - Ainda não. Mas meu pai concordou em você ser minha namorada, pelo que sei seus pais me amam, então somos praticamente quase namorados.

   - E quem disse que eu vou aceitar?

   - E quem disse que seu pai vai deixar você recusar? - um nó se formou na minha garganta, maioria dos alunos já estava longe dali, estava somente eu e Jonas naquele corredor - Que pecado Ana, desobedecer o seu próprio pai. Você deve obediência ao seu pai, e logo, deverá obediência á mim também.

   - Jamais te obedecerei.

   - Você sabe muito bem da forma que fomos criados: os homens mantêm a casa e as mulheres amam os maridos e cuidam dos filhos. Eu já tenho um emprego, estudo na melhor escola da cidade, já estou fazendo o meu futuro para sustentar a nossa casa. Não faz assim comigo Carolina, todas as garotas da igreja me querem, só você que não me quer, e eu nem sou o pior homem do mundo. Me da uma chance, por favor.

   - Não Jonas, qual a dificuldade que eu não te quero, aliás, eu quero ninguém. Qual a dificuldade?

   - Qual a dificuldade em você perceber que eu sou a melhor opção? Todas as garotas me querem, então no fundo você também me quer e não quer admitir.

   O telefone dele tocou, ele disse "só um instante" e atendeu. Aquela foi a minha oportunidade para sair correndo, sem nem olhar para trás. 

   Aquele era o meu futuro, do qual eu sempre corri. 

   Desde que eu tenho uns doze anos meus pais falam que eu vou namorar Jonas. Eu convivo com ele o suficiente para saber que ele não é boa pessoa, aliás, somente eu e os pais dele sabemos as coisas ruins que ele fez e não se arrependeu.

   E pelo visto, não vai se arrepender.

  A ideia de segurar a mão dele, beijá-lo, amá-lo, era demais para mim. Saí correndo, sem rumo, até que quando percebi, já estava me trancando em uma das cabines do banheiro feminino.

   Não havia lágrimas, estava trêmula demais para raciocinar. Pelo ao menos a parte boa era que Jonas não era da mesma sala que eu, eu sou do segundo ano e ele é do terceiro. Mesmo assim, ele conseguia me vigiar constantemente, sempre ameaçando contar alguma coisa para o meu pai.

   Eu sei que eu não faço nada de errado, não é errado conversar com alguém. Errado seria se eu seguisse o meu coração, se eu ficasse com alguma menina, isso sim seria muito errado. Por enquanto, guardo esses pensamentos na minha mente, grata pelo fato de que as pessoas não conseguem ler as mentes das outras.

   - Tudo bem ae Ana? - alguém disse batendo na porta, olhei para o chão e reconheci os sapatos de Luany.

   - Tudo - eu respondi.

   - Não mente pra mim, cê tava de um jeito que puta que pariu. Abre aí, me conta o que aconteceu vei.

   Hesitei e não abri.

   - Sem problemas, se não quiser contar tá de boa. Qualquer coisa chama nóis.

   Ela já estava saindo quando eu abri a porta da cabine.

   - Não me deixa sozinha, não quero ficar sozinha.

   - De boa - ela deu uma tragada no cigarro de maconha - a vida é foda, né.

   - E como. 

   O banheiro estava vazio, ficamos conversando sobre coisas aleatórias da escola, como um casal que se separou, uma pessoa que foi pega bebendo pela diretora e o terceirão planejando uma super festa de formatura no final do ano.

   - Vai ter uma festa, você vai querer ir? - Luany disse.

   - Você sabe que eu não posso.

   - Claro que pode, é só você dar uma escapadinha de casa.

   - Como?

   - Fala que ta indo pra casa de alguma colega de igreja ué. A festa é de tarde, é muito top, mano. - o sinal indicando o fim do intervalo soou, assustando levemente nós duas - vai subindo porque vou terminar meu cigarro. Depois eu te passo as informações direitinho pelo WhatsApp.

   - Tá bom então, vou ver o que eu faço.

   Saí do banheiro, Jonas não estava por perto. Às vezes tenho inveja de Luany, ela pode fazer o que quiser, enquanto eu sentia enjoo só de pensar em sair de casa e meus pais descobrirem que eu estou numa festa.

   Me sentei no lugar de sempre, pensando nas mesmas coisas de sempre. Logo todos os outros alunos chegaram e de repente a diretora entrou na sala.

   - Bom dia turma, estou aqui para lembrar de que amanhã a nossa aula será diferente, iremos fazer uma palestra sobre drogas na Escola Estadual Tancredo Neves. Portanto, peço para que tomem cuidado, pois lá é uma escola pública cheia de baderna, violência e furtos, evitem levar telefone e objetos de valor e evitem andar sozinhos. O ponto de encontro vai ser aqui na porta da escola às seis e meia, o nosso ônibus irá levá-los e buscá-los às 10h, lembrando que vocês deverão levar lanche. Alguma dúvida?

   Ninguém levantou a mão, todo mundo já sabia desse evento que a escola estava fazendo para demonstrar "interesse" em ajudar a sociedade. Na verdade, a escola estava mais interessada em fazer fama de bonzinhos.

   - Obrigada pelo tempo, podem retornar á aula - e saiu da sala.

   A parte boa era que o terceiro ano não iria junto, ou seja, o cão de guarda, vulgo Jonas, não iria.

   Ao menos isso me consolava.

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⏰ Última atualização: May 25, 2019 ⏰

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