Fevereiro de 2010, Marja, Afeganistão

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Nossa missão era emboscar quatro carros que seguiam por uma estrada paralela. Segundo as informações que tínhamos recebido, o comboio era composto por dois jipes e dois sedãs pretos e carregava oficiais do Talibã. Deveríamos executar os inimigos tomando o cuidado de capturar um para ser interrogado.

Fred, que ficou posicionado sobre uma casa, fez sinal avisando que os alvos se aproximavam. Eu estava na esquina que levava direto para a via, ao meu lado, Smith  assobiava. Jhon, agachado atrás de uma mureta, preparou-se, esperou os carros passarem e detonou os explosivos colocados na pista. Os jipes cheios de soldados voaram. Entramos em cena.

De nossa posição derrubamos dois sobreviventes do último jipe e nos abrigamos dos tiros vindos dos dois carros restantes. Fred do telhado disparou os morteiros e os automóveis capotaram. Saímos do abrigo; Smith me dando cobertura. Um dos carros estava em chamas e outro completamente destruído, os poucos que não morreram nas explosões gemiam e Smith finalizou-os. Vasculhávamos o perímetro quando Jhon foi baleado. Um homem passou correndo em direção das ruas.

— Cuidem dele! — Apontei para nosso companheiro sangrando e saí em perseguição do atirador. Smith, um valioso sniper, foi para os telhados. O homem entrou em uma rua onde eu sabia que não havia saída, por isso pulei uma cerca e fiquei esperando sabendo que ele seria obrigado a saltar sobre o muro, do contrário sua cabeça seria estourada pelo franco-atirador. Dessa forma, como eu planejara o desgraçado caiu na minha frente, nem me viu escondido atrás da carcaça de um carro, disparei duas vezes sem erros, com ele no chão corri e chutei sua arma para longe. De onde eu estava fiz sinal para Smith, posicionado sobre as casas, para que soubesse que estava tudo sob controle. Meus disparos não foram fatais e o terrorista agonizava. Fui chegando perto e tomei um susto quando ele gritou em minha língua:

— Filho de uma puta! Eu sei quem é você! — Apontei a arma e me aproximei lentamente. O safado arrancou o turbante e meu sangue congelou. Era meu primo.

— Desgraçado! Traidor! Como pôde, Tarek? Soldado americano? Logo você? Maldito inimigo do Islã! — Ele berrava. Eu estava chocado, sem reação. Sabia que meu primo era do Talibã, mas jamais imaginei que nossos caminhos se cruzariam. Agachei ao seu lado. Chorei.

— Me perdoa primo! — Falei.

— Não me toque seu impuro! — Tentou levantar-se, mas uma perfuração no ombro e outra no abdômen o fez gritar de dor. — Se estivesse com minha arma eu te mataria! — Completou. Eu simplesmente não sabia como reagir. Smith surgiu no beco e ficou irado ao me ver chorando ao lado de um terrorista:

— Que porra é essa? Traga esse merda e vamos sair desse inferno! O Fred precisa de um médico!

— Estou indo. — Minha voz soou fraca. Smith saiu correndo. Continuei chorando:

— Perdão primo — ele já estava quase sem força por isso parou de xingar — irei levá-lo. Lá terá médicos.

— Não! — Gritou, assustando-me. — Não me leve! Os desgraçados me arrastarão para Guantánamo. Eu mereço uma morte digna. Morte de Mujahidi!

— Não! —  Dessa vez foi eu que gritei.

— Faça! É o mínimo depois de sua traição! Faça… por favor, Tarek. — Sua voz fraquejou. Meus companheiros de pelotão começaram a buzinar claramente chamando-me. Levantei.

— Por favor. — Ele disse mais uma vez.

Puxei a pistola e pela primeira vez fechei os olhos ao atirar. O projétil perfurou o meio de sua testa e o sangue escorreu pelos olhos dando a terrível impressão de que ele chorava sangue. Todos viram as lágrimas no meu rosto quando cheguei no carro, ao questionarem falei que eram por Fred.

— E cadê o desgraçado do terrorista? — Smith exigiu saber.

— Não resistiu ao ferimento — respondi. Claro que ele não acreditou, pois escutou o tiro, aliás ninguém acreditou. Traí minha família. Matei meu primo, meu amigo de infância. Eu era apóstata, traidor e agora assassino de familiares. Levei a mão ao bolso e peguei as coisas que tirei do colete dele. Havia um pino de granada, algumas munições e a foto de uma linda garotinha, que pelo rosto deduzi ser filha dele. O que me deixou ainda pior. Atrás da foto existia um mapa. Um preciso mapa das montanhas de Tora Bora com coordenadas geográficas exatas de algum lugar, que um dia iria descobrir o que era. Notei que Jhon estava fixado no desenho em minha mão e não gostei do olhar que me deu.

Operação Lança de NetunoOnde histórias criam vida. Descubra agora