"Antigamente, eu tinha o costume de andar descalça. Antigamente, eu tinha o costume de ouvir música alto. Antigamente, eu tinha o costume de roer as unhas. Após um simples momento minha vida toda mudou e o silêncio se tornou meu melhor amigo.
Lembro apenas de seus gritos e aquela dor insuportável adentrando meus pulmões. Ah, e luzes. Luzes vermelhas piscando. Meus olhos continuavam fechados. Eu mesma não queria abri-los. Veria estampado em meu próprio corpo o que eu custava a acreditar. Mas isso é passado. Eu sobrevivi. Tornei-me alguém que nunca imaginei que seria. Tornei-me mais forte e com mais manias.
O vaso torto em cima da mesa não existe mais. Hoje, coloquei flores amarelas para tentar alegrar um pouco do que resta da parede cinza ao fundo, só que ainda me parece algo falso. Talvez tivesse que ter aceitado a sugestão da moça da floricultura e colocado algo no tom de rosa bebê ou branco. É... branco. Branco como a neve. Branco como o leite que derramei na cozinha ontem de manhã, pois fiquei nervosa demais quando o telefone tocou.
Posso tentar negar, mas algo que me incomoda demais é quando meu celular toca e o número que aparece é desconhecido. Gostaria de mudar essa mania. Gostaria de voltar a ouvir música alto, pois assim, quem sabe, abafasse os sons de desespero e de lamúria que surgem na minha mente.
O porta retrato continua no lugar de sempre para eu me lembrar de que posso vencer esses pensamentos negativos assim como venci você. Ouviu? Eu venci você. Posso ainda ter medo, mas quem em sã consciência não teria? O importante é que não foi tarde demais para mim. Tomei coragem e não tenho mais vergonha de quem sou. Estou me reconstruindo. Pode demorar, posso ainda ter medo, mas ainda vou arrancar os sapatos e dançar sob a chuva comemorando mais um dia de liberdade."
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Contos Escritos com o Coração
RomanceA cada capítulo, uma história nova. Uma sensação, uma mensagem, um sorriso.