Capítulo Quatro

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​Emeline já ouvira falar sobre a conversa que mãe e filha tinham antes de um casamento. Mas não tinha a mais mínima noção do que se tratava. Pensava ela, que era algo sobre como deveres de uma esposa com a casa, ou conselhos de como conduzir o casamento.
​Quando sua mãe exigiu que falassem a sós, trancadas em seu quarto, uma noite antes do casamento, Emeline percebeu que não seria uma simples conversa. Notava como sua mãe estava nervosa, movendo os dedos uns nos outros, olhando para os lados, inquieta.
​— Bem,—começou Cordélia, ansiosa. — Não sei se há maneira mais fácil de falar sobre isso, mas vou tentar ser o mais clara possível.
​Emeline meneou a cabeça, curiosa em saber sobre o que a mãe falaria.
​— Na noite de núpcias, seu marido irá procurá-la para consumar o casamento. Você subirá para o quarto, e se preparará. Provavelmente haverá uma criada para ajudá-la nisso. Ora, o que estou dizendo? É claro que haverá, seu futuro marido é tão rico... –riu nervosa.
​— Mamãe, está sentindo-se bem? –Emi perguntou, tocando o braço de Cordélia, realmente preocupada com a vermelhidão no rosto da mulher.
​— Oh, claro que estou. Está apenas um pouco quente aqui dentro. –sorriu brevemente antes de continuar com suas orientações. — Assim que estiver devidamente pronta, você deve deitar-se na cama, e esperar que seu marido a procure. E quando ele chegar, apenas faça o que ele mandar.
​A cada frase, as bochechas da mulher ficavam mais semelhantes a duas maçãs, de tão vermelhas.
​Emeline decidiu dar um pouco de alívio a mãe, sorrindo abertamente.
​— Acredito que sei o que está tentando me dizer, mamãe.
​— Sabe? –perguntou descrente.
​— Vi coisas acontecendo com alguns animais no bosque. Suponho que seja disso que se trata. –contou, lembrando da vez, meses antes, quando vira um casal de cervos acasalando. Sim, esse era o termo, acasalar. — Não há necessidade para que me explique sobre isso, mamãe, sei do assunto em detalhes. –disse, orgulhosa de si mesma. Provavelmente sabia muito mais do que a própria mãe sobre acasalamentos.
​— Em detalhes? –Cordéliaperguntou, assustada. — Acontece que animais são diferentes, filha, e o ato também não é precisamente o mesmo. As peças das engrenagens não são proporcionais.
​Certo, agora então Emeline encontrava-se confusa. Qual era a ligação entre peças de engrenagens e acasalamento? A conversa estava tomando um rumo inusitado.
​— Acho que posso descobrir sozinha, mamãe. Será mais fácil que eu compreenda na prática, verdade?! –ofereceu, vendo então a mãe soltar o ar preso nos pulmões, visivelmente mais relaxada.
​— Mas esse é meu dever, eu deveria instrui-la...
​— A senhora já me ajudou muito. –segurou as mãos enrugadas sobre as suas, e aproximou-se da mãe. — Agradeço por tudo que fez por mim.
​ A mãe de Emi fungou, as lágrimas discretas fluindo de seus olhos. Era dificil a ela olhar para a filha daquela forma, tão verdadeiramente, sem que sentisse remorso.
​— Espero que seja feliz em seu casamento, Emeline. Tanto quanto eu fui com seu pai. –disse devagar, esperando do fundo coração que aquilo se tornasse verdade, porque jamais conseguiria viver tranquilamente sabendo que sua filha estaria infeliz.
​Emeline sentiu o coração acelerar. Ficaria enormemente feliz se tivesse apenas metade da felicidade do casamento de seus pais. Tinha orgulho de dizer que crescera em um lar rodeado de amor. Lembraria para sempre de sua mãe, sentada à mesa, dizendo que poderia faltar o que fosse, mas o amor, o mais importante de tudo, sempre teriam. E ela estava certa.
​— Eu serei, mamãe. –prometeu, fazendo imediatamente daquilo uma prece, ciente de que teria grandes dificuldades pela frente. Começando no dia seguinte, pela cerimônia.
​Assim que a mãe deixou o quarto, Emi foi até a cama, ajoelhando-se ao lado, onde inclinou-se para encontrar  a caixa de madeira que deixara escondida. Sorriu ao ver que Thomas continuava ali. Encontrara o arminho de pelagem branca há poucos dias enquanto caminhava pelobosque. A princípio apenas admirara o animal, mas quando se aproximou mais, notou que ele estava preso em uma pequena armadilha, provavelmente obra de um dos caçadores da região. Ela o libertara, notando a pata machucada. Comovida, decidira levá-lo para casa, obviamente sem que ninguém soubesse.
​Aconchegou Thomas nos braços e deitou na cama, rindo quando ele cheirou seu vestido.
​— Espero que não esteja com fome. Foi difícil conseguir aquele pedaço de carne do jantar. –sussurrou, segurando o animal próximo ao rosto. — Preciso ver sua pata novamente. –sentou-se com ele em seu colo, e com muita delicadeza retirou a faixa que cobria o ferimento.
Quando terminou, soltou-o na cama.
​— O que farei com você depois do casamento? –perguntou a si mesma, mesmo olhando para o animal agora embolado em seu travesseiro.
​Não sabia se o Duque gostava de animais, mas começava a duvidar disso, já que ele era um caçador.
​***
​É possível que aquele foi o momento em que Emeline sentiu que esteve mais perto de desmaiar, em toda sua vida. Não necessariamente pelo fato perturbador que estava há mais de três horas sendo rodeada por quatro mulheres ajudando-a com o vestido de noiva. E sobre o vestido, a jovem não tinha palavras suficientes para descrever o quão desconfortável ele era. Levaria em conta que a peça tinha mais de quarenta anos, e que as condições do tecido não eram das melhores, incluindo as saias completamente desproporcionais ao seu corpo. Havia também a questão mais óbvia de todas também; o vestido era totalmente fora de moda, até mesmo para Emeline, que mal entendia sobre o assunto.
​Quando Faith terminou de arrumar o seu cabelo em cachos que desciam do alto de sua cabeça até os ombros, Emeline olhou-se no espelho e suspirou, contente por ao menos ter a satisfação de ver-se apresentável, mesmo que do pescoço para cima.
​— Está tão bela! –a jovem senhorita elogiou, ajudando Emi a ficar de pé. — Sente dor? –perguntou quando viu que a noiva segurou-se na penteadeira.
​Emeline disfarçou, forçando um sorriso.
​— Apenas um desconforto. Estou bem. –garantiu.
​Faith sorriu, e Emi sentiu-se um pouco desconfortável, porque era evidente o quanto a outra jovem estava realmente feliz pelo casamento do irmão. Pobre, talvez acreditasse que tudo aquilo se tratasse de algo real, que eles estavam apaixonados de verdade. Será que o Duque tinha contado toda a verdade a irmã?
​— Sei que pouco nos conhecemos, Emeline, mas eu preciso ser sincera, e dizer que estou feliz em tê-la em nossa família. Sinto que seremos grandes amigas. –disse Faith, mordendo o lábio, parecendo um pouco envergonhada. — Não conheço outras jovens da minha idade, e desde que mamãe se foi não consegui me adaptar completamente à sociedade. Mas por meu irmão esforço-me para parecer impecável, exatamente como ele exige.
​Emeline sentiu-se solidária a ela, teve simpatia pela futura cunhada.
​— Bem, eu não entendo absolutamente nada sobre as regras da sociedade, mas acredito que precisarei da sua ajuda para me adaptar. Ficarei feliz em ser sua amiga, Faith. –e aquele sim foi um sorriso verdadeiro. Aliviou-a no peito saber que poderia contar com alguém em sua nova casa, que não estaria enfrentando o desconhecido sozinha.
​— Oh, deixemos de lado esse assunto, por enquanto. Precisamos nos apressar para a cerimônia. –apressou-se em beliscar as bochechas da noiva, dando um pouco de cor a aparência pálida.
​Quando enfim Emeline deixou o interior da casa e seguiu devagar, acompanhada por Faith e sua mãe até a capela de pedra, alguns metros de distância da casa, ela relutou a acreditar que aquilo estava verdadeiramente acontecendo. Nem mesmo a paisagem tão magnifica, onde os lírios florescidos formavam um tapete de um branco tão puro lhe chamou a atenção.
​Seu pai fizera questão que o casamento fosse realizado na capela em que ele cuidava, e o Duque não se mostrou contraditório quanto a isso, já que apenas alguns poucos amigos de sua parte estariam presentes. A igreja de pedra cinza, construída com a força do trabalho dos fiéis anos antes era pequena e de arquitetura simples, mas naquele dia estava encantadora, decorada pelas jovens da região com flores brancas.  Assim que chegou à entrada, Faith e a mãe de Emeline correram para seus lugares, enquanto a noiva encontrava-se com o pai, aparentemente emocionado.
​Ora, as pessoas realmente acreditavam que tudo aquilo era real? Até mesmo seu pai que sabia de toda verdade?
​—Emeline... Eu...
​— Está tudo bem, papai. –e estava mesmo, já havia se conformado com tudo que aconteceria.
​O pai abaixou a cabeça e depois de alguns segundos, os quais parecia estar preso em seu próprio inferno, ele ergueu os olhos para ela.
​— Espero que um dia me perdoe por isso. –ele sussurrou, oferecendo o braço a ela.

​A cerimônia foi, apesar de todos os medos de Emeline, muito tranquila. Exatamente como todas as outras. Com exceção do noivo, que desde que o pai deixara Emi no altar, mal olhara.
​Lorde Bradley prestava atenção em cada palavra que o padre dizia, armazenando os trechos importantes em sua memória, para que depois, quando estivesse a ponto de fazer algo que se arrependeria depois, meditasse até que a ideia leviana fosse embora. Também mantinha-se imóvel, sem ao menos desviar o olhar da imagem na parede atrás do padre, que parecia estar julgando-o, fervorosamente. Não olhava para a mulher ao seu lado, para a mesma que em poucos minutos se tornaria sua esposa, a quem deveria respeitar, proteger... e Amar.
​Só se deu conta a que passos andava a cerimônia quando o padre ordenou a troca de alianças, que o Duque fez um pouco rápido demais devido a sua ansiedade. Quanto ao beijo, tão esperado por todos, Aaron segurou Emeline pelos ombros e depositou um leve beijo em sua têmpora, frustrando a todos ali presentes.
​Assim que o padre os declarou casados, o Duque de Heavington, agora acompanhado de sua Duquesa, caminhou pelo estreito corredor da igreja, agradecendo aos céus quando finalmente encontrou o ar livre, para finalmente poder respirar.  Ele teria que dizer algo a Emeline, ao menos sorrir, e elefaria. Mas logo os convidados saíram da igreja e os rodearam, entre eles, Faith que estava tão animada quanto fosse seu próprio casamento.
​O pai de Emeline gritou entre as pessoas, algo sobre umbanquete que seria servido em comemoração ao casamento. Todos responderam ao mesmo tempo, uma alegria mutua, que até então Aaron não tinha visto. Localizou seus amigos entre alguns senhores, e pareciam tão perdidos quanto ele.
***
​Emi estava mais afastada dos convidados, no outro canto da apertada sala, segurando uma taça nas mãos, fitando o líquido escuro com estranho interesse.
​— Gostou do vinho? –o Duque perguntou ao seu lado, assustando-a.
​Ela virou rapidamente, o conteúdo da taça rodopiando perigosamente em sua mão.
​— Perdoe-me, milorde. Eu não o vi se aproximar. –olhou para a taça, e depois para Aaron, refletindo sobre a resposta. — Não entendo sobre vinhos. Desculpe.
​O Lorde fitou por inteiro agora sua esposa, em uma análise silenciosa.
​— O vestido foi ideia de Faith? –ele tinha quase certeza que sim, mas precisava confirmar.
​Emeline olhou para si própria, e em seguida dirigiu um olhar de desculpas ao marido.
​— Tudo bem, logo iremos para casa, e você poderá tirá-lo. Posso imaginar o quanto está desconfortável dentro dessa imensidão de tecido. –replicou ele, franzindo a testa.
​Ela deveria ter ficado emocionada com a preocupação dele a respeito de seu bem estar, mas a menção da palavra casa, e o que isso significava deixou Emi um pouco perturbada. Dava-se conta de que dentro de algumas horas estaria vivendo na casa dele.
​— Taylor. –uma voz grossa surgiu atrás dos dois, e ao virarem para o ouro lado, a jovem assustou-se com a figura do homem alto, forte, de cabelo e barba loira. Ele usava uma farda do exército, mas nem mesmo o sorriso conseguia tirar o ar de perigo daquelehomem.
​O Duque cumprimentou o outro com entusiasmo. Pareciam se conhecer a anos, provavelmente amigos.
​— Não o vi na cerimônia. –Aaron comentou em um tom de reprimenda.
​O outro homem mudou de expressão rapidamente, o sorriso dando lugar a uma linha reta nos lábios.
​— Sabe que não gosto de igrejas. –desviou o olhar para Emeline, ainda sem sorrir. — Posso cumprimentá-la, milady?
​A jovem, que ainda não sabia ao certo como proceder, olhou para o marido, que meneou a cabeça, como se assentisse aos seus pensamentos.
​— Sou o Capitão Tristan James, a seu serviço. Conheço seu marido há muitos anos, acho que posso dizer que somos amigos. –fez uma mesura, e olhou de canto para o Duque, que revirava os olhos enfaticamente.
​— É um prazer conhecê-lo, Capitão. –Emeline sorriu, notando a irritação de Aaron. — Estou feliz em saber que meu marido tem amigos. -declarou inocentemente.
​Tristan se colocou ao lado do Duque, enquanto apreciava a expressão nada amigável do outro.
​O clima desagradável foi amenizado quando Faith aproximou-se dos três, como sempre sorrindo.
​— Capitão Tristan. –ela o cumprimentou sem olhá-lo no rosto, e logo dirigiu-se a Emeline: — Está na hora de cortar o bolo.
​Ah sim, o bolo. Emi havia esquecido dele. Fora encomendado por Faith, que garantira que a confeiteira era a melhor de todo a região.
​— Eu a acompanharei. –o Duque ofereceu o braço a ela, que apoiou-se nele devagar. Os dois começaram a andar pela sala, sem pressa, enquanto os convidados sorriam para eles. — Notei que estava sentindo dor agora há pouco.  –ele comentou no ouvido dela.
​— Estou acostumada. –respondeu ela, baixinho para que somente ele ouvisse.
​Aaron cumprimentou um senhor que estava ao lado, e depois voltou a esposa novamente.
— Consultará com um médico assim que estiver instalada em sua nova casa. –a voz dele era de determinação, tanto que ela resolveu não questioná-lo naquele momento, nem desanimá-lo a respeito de sua deficiência. Mais tarde diria a ele que não havia o que ser feito. Por aquele momento, seguiria com o que era oferecido.
***
Emeline sorriu por trás do bolo de cinco espetaculares camadas, todas perfeitamente alinhadas, recheadas com creme e frutas. Precisava admitir que era com toda certeza o bolo mais lindo que já tinha visto em toda sua vida. Faith ao seu lado, a auxiliava, enquanto o Duque mais afastado, assistia a cena de braços cruzados, com Tristan próximo. As crianças estavam em volta da mesa, esperando por sua vez, ansiosas para experimentar a iguaria.
— Vamos, corte o bolo, Emeline! –exclamou Faith, batendo palmas.
Ouvindo os apelos da cunhada e dos convidados, Emi começou a cortar o bolo, deslizando a faca pelas camadas de creme. Estava tudo perfeitamente bem, até que sentiu algo subir por seu vestido. Desviou o olhar para baixo, e seu coração quase parou quando viu Thomas encarando-a, as patas cravadas na renda do vestido.
Supondo que ninguém havia visto o animal, Emeline disfarçou, entregando a faca para a cunhada, ao mesmo tempo em que tentava discretamente segurar o arminho para debaixo da mesa. Porém seus planos foram frustrados pelo grito estridente de Faith, que assustou-se ao ver Thomas, que consequentemente assustou-se com o grito e... Pulou sobre o bolo, espalhando creme por todos os lados.
Desesperada, Emeline tentou pegar Thomas, que desgraçadamente começou a afundar sobre o bolo, consagrando um verdadeiro desastre. Os convidados, principalmente as crianças gritavam também tentando capturar o animal, que continuava a deslizar sobre o creme, espirrando o doce para todo canto.
Aaron, assustado com a situação, correu para o lado de Emeline, também em uma luta desesperada pela captura do animal. Faith assistia a cena, petrificada ainda pelo susto.
Por fim, depois de muito empenho e de estar completamente sujo de bolo, o Duque conseguiu apanhar Thomas, prendendo-o contra o peito. Todos os convidados pararam de repente, e as crianças gritaram, comemorando a captura.
Cansado, e ainda lutando com o infeliz arminho, Aaron olhou para Emeline, coberta dos pés a cabeça de bolo, e depois para si mesmo, imaginando quais eram as chances de um animal como aquele ter conseguido entrar sozinho na casa. O olhar assustado da esposa foi suficiente para responder tal pergunta.
— Thomas. –Emi murmurou, esticando os braços para segurar a arminho dos braços do marido. Ah, tinha certeza que ele estava muito bravo, e com razão, mas não permitiria de forma alguma que ele fizesse mal ao animal.
— Este rato é seu, Emeline? –era Faith, espiando por trás de seus ombros.
— É um arminho. –respondeu, ainda implorando com o olhar para que Aaron o devolvesse.
— Bem, seja como for. Você e meu irmão precisam sair daqui. Deixe que eu resolvo a situação. –a cunhada arrumou o vestido e ajeitou o cabelo cheio de creme, colocando um sorriso nos lábios, enquanto começava a conduzir os convidados para o outro lado da sala. Ela foi ajudada pelo Capitão Tristan, que compadecido da situação esforçou-se em ser útil.
Quanto a Emeline, seguiu até a cozinha, junto do Duque, que marchava a sua frente a passos rápidos. As empregadas do casamento deixaram o cômodo com pressa, permitindo que os dois ficassem a sós, com a porta fechada.
— Tem algo a dizer sobre isso, Emeline? –Aaron perguntou em voz alta, fazendo a esposa arrepiar-se.
Ela abriu a boca para desculpar-se, mas notou o quão inútil seria. Do que adiantaria depois de tudo arruinado? E como iria imaginar que Thomas fugiria de seu quarto mesmo trancado?
— Pode devolvê-lo? –pediu, novamente de braços esticados.
O Duque praguejou, entregando o animal a ela.
Thomas aninhou-se em seus braços, escondendo o focinho nas dobras de seu vestido.
— Irá livrar-se dele. Não permitirei animais em minha casa. –dessa vez ele quase tinha gritado. Estava cada vez mais irritado...
Emeline apertou Thomas em seus braços, confrontando Aaron. Acreditava ele que ela se livraria do animal?
— Não posso fazer isso. Ele está ferido. –apontou para a pata enfaixada do arminho.
Respirando fundo, Aaron tentou se acalmar. De fato, ele sabia de início quando aceitou se casar com a jovem sobre sua verdadeira natureza. Não precisava ser grosso e assustá-la agora, poucas horas depois do casamento.
— Prometa-me que manterá o animal longe de problemas. –pediu ele, mantendo um olhar firme sobre ela. Surpreendeu-se quando ela sorriu para ele.
— Eu prometo, milorde. –Emeline encarou o marido de cima a baixo, e depois fez uma careta. — Acredito que necessita de um banho. Posso preparar a água...
— Não temos tempo para isso. –interrompeu ele. — Precisamos partir antes do por do sol. Suas coisas estão prontas?
Ela assentiu. E ele notou que ela hesitava.
Aaron aproximou-se, curioso. Ficou tão perto dela, que Emeline precisou inclinar o rosto, olhando para cima. Ela era tão pequena.
Ele procurou no bolso um lenço que levava, e devagar começou a limpar as manchas de bolo do rosto dela.  Emi não piscava, esperando pelos gestos dele, delicados em sua pele.
— Precisará de vários banhos para que todo esse bolo saia de seu cabelo. –ele comentou, sorrindo de leve.
Ela corou, envergonhada. Não conseguia sequer imaginar o quão horrível estava naquele momento. E ele, seu marido continuava malditamente belo, mesmo coberto com pedaços do bolo de casamento. Era desproporcional, injusto.
— Sinto muito pelo vestido. –a jovem murmurou olhando nos olhos dele.
— Tudo bem. –acalmou-a. — Ainda não entendo o motivo de Faith tê-la feito usá-lo.
Emeline deu de ombros.
— Era da sua mãe. –informou.
— E mesmo assim continua sendo feio e desconfortável. –ele declarou. Parou de limpá-la para vê-la melhor, as enormes saias do vestido. — Há quanto tempo está usando-o?
Ela considerou.
— Minha mãe me fez vesti-lo no início da tarde. –respondeu com sinceridade.
O Duque suspirou.
— Isso é muito tempo. –admitiu. — Acho que chegou o momento de irmos para Penneblon. Está pronta?
Emi engoliu em seco. Não, não estava. Mas não diria a ele.
— Sim.
— Então assim que eu conseguir tirar todo esse creme do meu rosto, iremos até a sala e nos despediremos de todos. Estou desesperado por um banho quente. –informou, dando as costas a ela, para começar um intenso trabalho de limpeza.
***
Felizmente nada de ruim aconteceu enquanto Aaron e Emeline despediam-se de todos. Apenas a mãe da jovem emocionou-se quando abraçava a filha várias vezes seguidas. Faith seguiu em uma carruagem separada, alegando que precisava de privacidade.
A carruagem do Duque era espaçosa e confortável, o que proporcionou a Emeline certo alívio, pois da forma como as coisas tinham acontecido, não gostaria de estar tão perto do marido. E havia também Thomas, que ela insistira em mantê-lo numa pequena gaiola junto a seus pés, mesmo Aaron não aprovando a ideia. O Duque dormiu poucos minutos depois da partida, revelando todo seu cansaço. Emi teve pena dele. A figura do homem imponente e belo, o traje preto que lhe caíam tão bem, completamente arruinado. Por culpa dela.
Ela apoiou-se contra o banco confortável e entregou-se ao cansaço também.
Chegaram a Penneblon Hall no final da tarde do dia seguinte, depois de uma cansativa viagem, com os raios do sol deixando o céu alaranjado sobre os campos esverdeados. Haviam prosseguido a viagem mesmo durante a noite, parando apenas para se alimentarem.
Aaron a despertou com cuidado, e a ajudou a descer da carruagem. E mesmo sonolenta Emeline não deixou de admirar o quanto a casa era bela. E grande. Haviam tantas janelas que ela mal conseguia contar! Era construída em tijolos vermelhos, que com os raios do sol batendo, ficavam ainda mais bonitos. No lado direito uma pequena torre com um vitral belíssimo deixava a construção ainda mais incrível.
— Vamos entrar. –indicou Aaron.
— E Thomas? –Emeline preocupou-se.
— O mordomo o levará.
Satisfeita, ela o seguiu pelas escadas de mármore que levavam até a grande porta de madeira avermelhada, que foi aberta, dando uma visão do enorme salão, o qual a jovem ficou deslumbrada.
— A senhorita Faith chegou há pouco, milorde. Pediu para ser chamada assim que o senhor chegasse. –uma criada informou, tirando Emi do transe causado pela beleza do salão.
— Obrigada. –apontou para a esposa. — Essa é a Duquesa, a senhora desta casa, Emeline Heavington, minha esposa.
A criada parou os grande olhos negros nela, quase assustando-a, mas em seguida sorriu, cumprimentando-a.
— Seja bem vinda, vossa alteza. Será um prazer servi-la.
Emilogo soube que se daria bem com a empregada.
— Amanhã a apresentarei aos outros. Por hoje, pode preparar um banho para a Duquesa, Celly? –o Duque pediu.
— É claro, senhor. Pode me acompanhar, vossa alteza? –a criada indicou as escadas para o andar de cima, sem questionar sobre os dois estarem cobertos de bolo.
***
A água do banho de Emeline estava quente e ela quase adormeceu na tina de cobre.  Mas então lembrou-se que o marido também precisava se lavar e apressou-se a secar-se. Deu graças a Deus quando a cunhada a chamou em seu quarto, pois assim dava privacidade ao Duque.
— Como se sente? –Faith perguntou assim que fechou a porta do quarto.
— Depois do banho, muito melhor. –respondeu divertida.
A cunhada a conduziu até a cama, onde a fez sentar. Faith tinha um sorriso travesso no rosto, as bochechas coradas.
— Preciso admitir que nunca presenciei uma cena tão marcante em nenhum casamento que participei. –contou, gargalhando. — Ora, onde encontrou aquelearminho?
— É Thomas. Eu o encontrei machucado no bosque. Então o levei para casa e cuidei de sua pata. Só não imaginava que ele fugiria do meu quarto. –mordeu o lábio, constrangida. — Me desculpe pelo bolo.
— Oh, tudo bem, a diversão valeu a pena. –acabou revelando. Os olhos de Faith pairaram sobre a cunhada, desconfiados. — É essa a roupa que usará na sua noite de núpcias, Emeline?
Certo, aquilo deixava a situação constrangedora para Emi. O que havia de errado com sua camisola? Era muito prática. Cobria seus braços, e descia até a ponta dos seus pés.
— É a única que trouxe. –contou sem jeito.
Faith ficou de pé e correu até o armário.
— Estranhamente eu supus que isso pudesse acontecer, e então tomei a liberdade de comprar esta para você. –voltou até Emi com uma caixa nas mãos. — Abra quando voltar para seu quarto.
Olhando com receio para a caixa, a jovem agradeceu.
— Obrigada. –agradeceu, tocada ao ver a animação da cunhada. — Eu estou com um pouco de sono, se não se incomoda que eu vá.
— Oh, de jeito nenhum. Eu também penso em me recolher. Pedirei a Celly que leve seu jantar no quarto. –levou Emi até a porta, mas parou antes abri-la. — Perdoe-me, Emeline, mas me parece um pouco tensa. Deseja conversar sobre algo? Sua mãe lhe falou sobre as núpcias?
— Está tudo bem, Faith. Estou consciente sobre tudo. –disse convicta. Sobre acasalamentos, ela sabia tudo.
— Ótimo. Então nos vemos amanhã. Estou ansiosa para mostrar a casa para você. –e com um aceno, fechou a porta.

Emeline voltou para o quarto, ficando feliz ao não encontrar o Duque lá dentro. Ele já tinha se banhado, e provavelmente teria ido comer algo. Quanto a ela, estava tão cansada que não queria saber de comida. Um pouco nervosa, abriu a caixa que Faith tinha lhe dado, e quase entrou em choque quando viu a camisola de tecido branco, muito curta que estava lá dentro. Ela jamais usaria aquilo!
Guardou novamente a peça dentro da caixa e a colocou dentro de um armário que encontrou no quarto. Aliás, ainda não tinha prestado atenção na decoração do quarto. À luz das velas espalhadas pelo quarto, viua cama de madeira entalhada tão grande para uma pessoa só, mas perfeita para um casal. Ao lado uma mesinhada mesma cor da cama com três gavetas, e do outro lado do quarto, em frente à grande janela, uma penteadeira de cor escura com um espelho que podia ver-se de corpo inteiro. E para completar havia o armário onde escondera a caixa, espaçoso o suficiente para guardar dois vestuários completos.
Realmente magnífico!
Uma criada bateu à porta e entrou, carregando uma bandeja de comida. Antes mesmo de Emi rejeitar, a mulher se retirou. O aroma da carne assada e dos acompanhamentos estava tão convidativo que a jovem decidiu sucumbir ao estômago.
Assim que estava satisfeita, decidiu que esperaria por Aaron deitada, e que não temeria nada que acontecesse. Enfrentaria tudo com naturalidade, refletindo que não poderia ser tão ruim assim, já que muitas mulheres casavam-se.
Suspirou de felicidade quando deitou no colchão macio, a perna dolorida pelo excesso do dia relaxando sob a maciez dos lençóis. Ela se acomodou entre as cobertas e finalmente adormeceu.
***
Aaron olhou para a garrafa de uísque e questionou-se se ela podia mesmo estar movendo-se em sua mão. Não, decididamente isso não tinha como estar acontecendo. Devia ser efeito da bebida.
Merda! Estava bêbado.
Ele não ficava daquela forma com frequência. Na verdade, não tinha costume de beber mais do que uma taça de vinho ou brandy. Mas naquela noite ele recorreu ao álcool para não pensar no que tinha feito. Tentava ignorar a presença daquela mulher deitada em sua cama, no seu quarto, à sua espera.
Era a noite de núpcias. Ele deveria cumprir com seus direitos e possuí-la, declará-la finalmente como sua esposa. O problema era que o Lorde sabia que ao fazer isso, estava condenando aquela pobre mulher a mais sofrimento do que lhe fora destinado; ela seria dele completamente.
​O pai de Emeline forçara o casamento, e mesmo assim ele podia ter dito não. Mas disse sim.
Não tinha como fugir daquilo. Adiar o inevitável era pior.
Deixou a garrafa vazia em cima da mesa e ficou de pé, sentindo uma leve tontura. Conseguiu deixar o gabinete, e com muito esforço subir para o outro andar. Com alguns tropeções, logo estava parado em frente a porta do quarto.
Ela estava lá dentro.
Esperando por ele.
Tomou uma respiração e abriu a porta. Ficou surpreso ao vê-la deitada em sua cama. Ótimo, precisava apenas ir até ela e fazer o que tinha que ser feito.
Cambaleou até a cama, e parou ao lado analisando o corpo imóvel da esposa.
Olhou para si mesmo. Estava vestido demais.
Desabotoou a calça e deu um passo para o lado, jogando-a no canto. Agarrado a mesinha, equilibrou-se.
Faltava a camisa.
Trabalhou nos botões com dificuldade. Sentiu uma tontura e praguejou, irritado com sua situação. Por que as coisas não podiam ser mais fáceis?
Mais uma onda de tontura chegou, e Aaron achou que fosse cair. Apoiou-se na superfície na mesinha e sem querer colocou a mão sobre a chama da vela, soltando um grito alto, e em reflexo derrubando a vela no chão.
Emeline sentou-se na cama, assustada. Ouvira um grito.
Olhou para o lado e viu o Duque, vestindo apenas uma camisa comprida parado ao lado da cama, encarando-a. Ela gritou desesperadamente. Mas não por causa do marido. E sim pelas chamas que estavam se espalhando pela cortina.
— Fogo! Fogo!
Emi ficou de pé e ainda gritando, mesmo sentindo dor, apressou-se até a gaiola onde Thomas estava. Precisava salvá-lo!
Aaron pegou as calças que estavam caídas em seus pés e começou a bater contras as chamas, numa tentativa de apagá-las. Por sorte em poucos segundos conseguiu extingui-las, mas já era tarde demais; os criados, e sua irmã estavam batendo à porta, tentando entrar.
Ele encontrou Emeline encolhida contra a parede segurando aquele animal infeliz, olhando assustada para ele.
Perfeito. Ele tinha incendiado o próprio quarto. Sua esposa tentara salvar o rato e não ele. Havia acordado a casa inteira.
E estava nu.

O primeiro amor de um Duque Onde histórias criam vida. Descubra agora