Capítulo I

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Era tarde da noite, as crianças dormiam e a esposa trabalhava no hospital. Ele desceu a escada vagarosamente, havia certa timidez no andar.

Hoje era o dia de encontrá-la.

E como sempre fez durante os últimos quinze anos, pegou a mochila, enrolou um cachecol ao redor do pescoço e ajeitou os óculos de grau no rosto. Embora não percebesse, era um ritual de ações decorado pela força do hábito, assim como olhar para a maçaneta da porta antes de fechá-la, verificar se havia alguém na rua antes de tirar o carro da garagem, respirar fundo e, somente então, ligar o motor.

Os caminhos tentava variar, conhecendo novas rotas e lugares da própria cidade; mas não importava o quanto tentasse, as probabilidades que o levavam ao seu destino não eram tantas e, no fim, acabava repetindo uma rua ou outra.

O homem se mantinha alerta para tudo e todos, pensava que a cada esquina algum conhecido poderia surgir e delatar sua saída noturna. Contudo, deveria já ter se acostumado, afinal, fazia isso há tanto tempo que mal tinha o direito de se sentir fora da lei.

No início, foi ao acaso. Ele havia fugido num momento de rebeldia, mas cada passo o levava para mais perto dela. Era inevitável, porque mesmo que não quisesse, uma força maior o guiava. Os dois chamaram aquilo de destino alguns encontros mais tarde. E fosse uma entidade maior ou não a atuar naquela noite, os reuniu.

Todavia, ainda que estivesse no auge dos seus trinta anos, nunca lhe falhava o espírito juvenil. Na mochila, os bombons de licor que ela tanto gostava, as rosquinhas recheadas e o doce de leite que cheiravam a infância. Claro, não eram como aqueles que ela fazia, mas davam para o gasto.

Carregava também um álbum de fotografias com fotos dos filhos, dois garotos e uma garota, e da esposa. No entanto, diferente do ano passado, iria apresentá-la a tartaruga da filha e o cão adotado recentemente. Uma família grande, coisa que nunca pensaria em ter quinze anos atrás.

Muito jovem e inconsequente, queria apenas namorar. No máximo, ameaçava escolher uma faculdade. Não obstante, mesmo que a idade já avançasse rumo às dezenas, ela não se diferenciava muito de qualquer adolescente por aí.

Juntos, formavam um par perfeito.

O homem estava a poucos quarteirões de se tornar aquele mesmo jovem, de vê-la e abraçá-la. Uma brisa leve avançava pela janela aberta do carro e desalinhou os cabelos do, agora, rapaz. Ele sorria para o retrovisor, não mais sentia a agonia de estar sendo perseguido. Afinal, estava quase lá.

Avançou a última rua e avistou a pracinha.

Durante aquele único dia do ano, e somente nele, aquele lugar miserável era onde ele queria estar. Morreria de tristeza caso não pudesse ir.

A praça havia passado por reformas, estava mais contemporânea e harmonizada. Porém, bastava um olhar mais atencioso de quem morasse nos arredores para perceber um poste torto e antigo, um banco igualmente velho e uma senhorinha carrancuda, atrelando os pontos do crochê com elegância e sutileza.

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