era um dia tempestivo
eu me lembro bemme lembro que atravessei a cidade
com o peito nauseado
e o táxi ensopado.era um dia nublado
daqueles cor de amargura
mas marcamos quando estava ensolarado
e eu fui assim mesmo
sem qualquer tenência.já disse que estava chovendo naquele dia?
bom, estava.
o suficiente para inflar um coração vazio
e eu sujei de lama minha dignidade favorita
apenas para fazer par com seus olhos.cortei caminho
naquele dia cheiro de lua
pouco tonta
até entrar na sua rua.
você não estava no portão
nem na mesma sintonia
mas mesmo assim eu paguei o motorista
e me aventurei a tocar sua campainha.quatro vezes apertei
afundei.
então você atendeu.eu estava ensopada e murcha
quando a porta se abriuvocê surgiu
mais limpo que nunca
e no seu olhar baixo e apodrecido
a iminência de uma abordagem
me forçava a parecer desamparada.nossos olhos se cruzaram
por mais tempo que nosso relacionamento
então você me convidou para entrar
e eu molhei todo o seu piso lapidado
com os restos que o céu tacou em mim.derreti até sua cozinha,
você me ofereceu uma xícara de cordialidade
e eu aceitei
me questionando se um dia você decorou
que eu tinha alergia a elas
tendendo a acreditar que você queria matar de vez
o que sobrou de mim.bebi seus remendos
balançando feito galho seco
enquanto escorria em derrotas
trazendo a tempestade para dentro.você falou sozinho por uns bons minutos
e eu fingi que ouvi
sua musicalidade ensurdecedora
fingindo entender o absurdo de seu palavreado
mesmo que fosse contrária
a qualquer nota "si" que você soltava.foi um dia tempestuoso.
molhado
para contrastar com a secura que colocou seu ponto
barulhento
para contrastar com o silêncio que fez ao me deixar partir.eu já disse, não?
aquele maldito dia estava desbotado
prelúdio de um caos honorárioe eu percorri meia cidade
para você não me deixar falar
derramar seus relâmpagos da mentira
e me jogar resfriada na chuva.você falou por longas horas
e eu no fim assenti
largando a caneca na mesa bamba
balançando-me como cachorro depois do banho
e me guiando sozinha e com a focinheira
até a saída.abri a porta
com as mãos escorregando pela maçaneta
e suas desculpas percorrendo toda minha silhueta
antes de se tornarem poeira.você disse algo
mas eu não escutei
um clarão pontuou nosso romance
e eu me meti de novo no olho do indubitável.estava chovendo catastroficamente naquele dia
e eu me ensopei mais uma vez
como uma galinha em uma panela de pressão
ou uma idiota em um dia chuvoso
e em um relacionamento escorregadio.acreditei de novo
quando ninguém o fazia
e fui abandonada na chuva
depois do beijo de cinema
e das brigas de telejornal.eu fui despachada
para outra realidade
sabendo que era evidente
desde o começo
que você odiava qualquer coisa equivalente a verdade
e eu fingi não perceber
que você era destroços
de algo que podia ser bom.era um dia tempestivo
eu me lembro bemvocê bateu a porta na minha cara
e eu fiquei um tempo debaixo d'água
torcendo para que meus pulmões se tornassem menos gasosos
e que meu peito de vez aprendesse
que não se confia
minimamente
em temporal.2019
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Você Ficou em Mim
PoesíaVocê não deixou rastros Você se esqueceu aqui. Você ficou em mim Inteiro Por completo. E agora viramos poesia. Este é um livro de poesias autorais 💓 Todos os direitos reservados a @belyny. Plágio é crime. Não copie, crie.