II

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   A luz queima os meus olhos. Reluto em abri-los, talvez se eu continuar dormindo tudo não passe de um simples sonho. Como se lesse meus pensamentos, a claridade se intensifica me fazendo virar para o outro lado o que me causa arrependimento imediato quando sinto uma dor estridente rasgar todo o meu corpo como se estivesse deitada sobre pontas de vidro.

   O simples ato de abrir os olhos e me por sentada quase me devolve ao inconsciente, ponho a mão sobre a testa apertando com cuidado, meu corpo faz estralos preocupantes mas o forço a se por de pé e olho em volta. A cama improvisada não passava de um amontoado de tiras de pelo que estavam postos entre dois enormes galhos do ninho, ainda estou no topo dele, e como me lembrava ali estava a pequena rosa negra. 

   Me abaixo o suficiente para pega-lá evitando os espinhos, grande e escura exibindo sua cor anormal, a flor exalava um suave perfume de mel. A Rosa De Callise. Meu nome foi tirado dela, meu pai dissera uma vez quando criança que era uma rara flor que só nascia para seres especiais, o que na época tinha me feito sorrir como tonta por vários dias, ontem me condenara para um futuro que eu nunca sequer me permitia pensar.

   O cantar do vento me trouxe de volta, e quando eu digo cantar, é literalmente isso, como um coral suave e calmo e então o mundo se tornou ciente para mim. Não sei como explicar, com espanto tomo consciência de cada ser vivo da floresta, cada árvore, cada pedra, cada planta como um todo, o choque de sentir um segundo coração bater em minha alma quase me faz cair de joelhos, forte e presente, como algo solido sinto no peito o crescer de uma nova consciência. Viva. A floresta.

   A voz de meu pai volta em meus pensamentos, lembro de antes de desmaiar, ele dissera algo nesse sentido como um laço de alma entre o mestre e a floresta, mas eu nunca tinha pensado nela como literalmente um ser vivo. Caminho até a beira da plataforma, é uma bela queda. Não tem problema, ela voa. Olha, só porque eu nasci com um par de asas não quer dizer que eu as sei usar. Eu já tentei, mais o resultado foi no minimo catastrófico.

   A suave consciência se agita em meu peito, uma pergunta, eu não sei como sei, mas sinto que posso entender tudo ao meu redor:

-Pode me levar para baixo por favor?

   Com quem estou falando eu também não ser e isso me faz sentir como uma idiota, já estava prestes a me sentar no monte de pelo e amaldiçoar meu pai por ter me largado a merce dos Deuses em cima de uma árvore  300 vezes mais alta que o maior dos castelos quando senti um mover sobre o chão, assombro percorreu todo meu ser quando uma escada se moldou sobre o tronco da árvore descendo em espiral até o chão. Sim, eu vivo em um mundo que existem dragões e vivo numa floresta viva. Certo, é verdade, mais essa escada não tem um pingo sequer de mana, não foi magia, foi como se o próprio ninho tivesse se moldado a meu favor, e isso é mais do que suficiente para me espantar.

   Começo a descer, os degraus sólidos eram largos o suficiente para manter uma distancia segura da borda, talvez eu levasse o dia todo para chegar na metade deles, o mau de ter sua alma ligada a outra alma, é que talvez você não seja o único que recebe os sentimentos, como se tivesse percebido minha impaciência, a escada simplesmente afundou formando uma rampa lisa, meu corpo escorregou por ela, as voltas me deixavam tonta, devo ter acordado o reino todo com meu grito desesperado que só parou quando meu corpo estava deitado e ofegante sobre a relva da base do troco. Eu juro que pensei que morreria. Me sento dolorida, percebo olhos curiosos em minha direção, o mais corajoso é um pequeno coelho de pelagem escura e enormes olhos azulados, que pula entre minhas pernas e se deita sobre elas. Não entendo muito desse negocio  de mestre, mais sinto que tudo se tornou parte de mim como uma extensão de minha alma. Como já vimos, minhas vontades podem ser passadas para as coisas ao meu redor. Eu não sei onde isso vai me levar, mais agora estou bem curiosa para saber. Olho com expectativa para o coelho 

-Me leve até Grigor.

   Por um momento ele só me encara de volta o que me faz questionar se tudo não tinha sido mais uma paranoia da minha cabeça, porém para meu espanto e satisfação o coelho parece assentir e se lança ao chão, momentos parando e olhando para trás como se para confirmar se eu o estava seguindo.

   Me concentro em não perder o ágil animalzinho de vista, mas não é fácil, essa presença na minha cabeça me faz parar diversas vezes no caminho para estudar o meu redor. Devo ter levado algumas horas até avistar o corpo avermelhado de meu pai. Me despeço com uma caricia suave sobre o topo do coelho como um agradecimento e caminho até Grigor, que dormia serenamente sobre uma enorme raiz coberta por um tapete verde de musgo.

-Uma ótima consideração da sua parte!

   Minha voz sai muito mais alta do que pretendia resultando em um leve susto da parte do maior que me encara de forma surpresa:

-Você já desceu? Sinceramente pensei que teria que buscá-la.

-Não me subestime monte de escamas - rosno irritada me sentando ao lado dele - além de que não é difícil descer, o problema é ter que subir de novo para  pegar os 200 anos de vida que eu esqueci lá em cima.

   A risada engasgada dele me acalma um pouco, olho para minhas próprias mãos pensativa, tenho um longo caminho até ser oficializada, aprender a usar esse poder que me foi dado, treinar mais minha própria magia, aceitar tudo.

-Você parece triste, tudo bem ai?  

-Estou bem, só estou pensando em como vai ser agora que virei um localizador de magia.

-Falando assim até parece uma ferramenta - diz com uma careta de desagrado - tente ver pelo lado bom, você nunca mais vai perder para seus irmãos nos esconde. 

-Como se eu precisasse desse poder para vencer aquele bando de músculos sem cérebro.

   Minha risada se junta a dele, por um momento foi como se voltássemos no tempo para quando eu ainda era só um filhote rindo com seu pai, mas fomos interrompidos quando uma nova presença surge para mim, já fazia algumas horas que eu fora despertada, minha mente já entendera que cada ser vivo emite ondas de energia, eu já estou familiarizada com as da floresta, porém essa é diferente, bagunçada e forte como uma tempestade, oposta as das criaturas que vivem deste lado do rio vermelho, me levando um crescente medo surge em meu peito me tirando o folego, isso só pode ser brincadeira:

-Callise? 

-Alguma coisa entrou no rio.

-O que entrou no rio Callise? -

- Humano. Um humano.

Vermelho - Saga De KaronOnde histórias criam vida. Descubra agora