Iluminação, Consciência Cósmica, Nirvana.
Graças aos Céus, não precisamos mais escalar Himalaias para isso.
Os novos iluminados irão surgir nas casas comuns da nossa sociedade viciada em informação . Eu sei, eu sou a prova viva disso.
Sou um Iluminado.
É certo que jamais pensara em mim como um homem perfeito, principalmente depois de ter ficado desempregado.
Mas foi a perda do emprego que me mostrou o Caminho. Ficava em casa todos os dias, (sozinho, pois Vivian trabalhava fora), e assistia televisão. O meu Mestre.
De início, leigo no Caminho, selecionava os programas que queria assistir. Nunca tinha ligado para isso, tinha apenas alguns mirrados canais, que não satisfaziam minhas necessidades de ócio.
Mas sem ninguém para conversar, com Vivian fora, comecei a passar dias inteiros assistindo programas dos mais variados, diretos, sem pensar no que estava vendo.
Depois de semanas assim, algo de estranho começou à acontecer; uma paz imensa, uma beatitude, surgia em minha mente em certos momentos que assistia a TV sem pensar em nada. Era uma sensação de totalidade, uma sensação de felicidade espiritual.
Chamei-a de Nulidade. Era tão fugaz e sua sensação tão fenomenal, que tratei de empenhar-me em compreendê-la.
É claro que Vivian não entendeu. Como ela podia ver que eu não queria mais trabalhar, que iria buscar a Nulidade Completa, que sentado em frente à minha televisão estava empreendendo uma busca espiritual?
Como ela podia entender porque vendi meu carro para comprar uma TV High Resolution Panasonic Wide-Screen, 80 polegadas, com som estéreo-surround, ligada à Direct TV VIP com mais de 200 canais à minha disposição?
Ela me abandonou depois de alguns meses e muitos quilos. Disse-me que eu já não saía mais da sala da televisão, que estava ficando muito gordo, que só queria saber de comer e assistir tudo que viesse na tela.
Não reclamei.
Na noite em que ela se fora , uma nóva minissérie estava estreiando em meu canal favorito. Tinha pedido para ela sair no intervalo comercial (que com sacrifício não iria ver), mas ela nem ligou.
Fiquei triste mas feliz, agora podia percorrer o Caminho com mais tranquilidade. Vocês acham que Jesus iria para o deserto se tivesse uma mulher?
E Sidarta? E Moisés? O caminho dos Iluminados é um caminho solitário…
Ela me largara e a casa virou um campo de caça para as baratas. Não arrumo, não quero arrumar, não tenho tempo de arrumar. Cada minuto longe da Tela é um minuto longe da Nulidade, é um martírio.
Paguei um garoto para comprar minhas comidas e minhas cervejas.
Ele jogava dentro da casa por um tubo que criei ligando a rua com a geladeira.
O telefone ficava sempre ao meu alcance, do lado do braço esquerdo da poltrona. Usava sempre a mesma roupa, um training enorme e uma camiseta adidas mais enorme ainda. Podia engordar cada vez mais.
Não saía mais na rua, sentia que o contato com o mundo me afastava mais da Nulidade. Meu mundo existia no mudar dos canais, entre as milhares novelas, programas de audidórios, filmes , reportagens, videoclips, desenhos animados, propagagandas, séries de tv e tudo mais que a Nulidade mostrava aos meus olhos. Eu assistia vendo a verdade por trás dos pixels, escutando a harmonia das esferas no tubo de raios, o pulsar dos elétrons sendo bombardeados no meu rosto gordo.
E cada dia , cada hora que passava em frente à Tela, sentia meus sentidos se transformando. Me considerava um monge, um hermitão em retiro, contemplando… Sentia a Nulidade Completa se aproximando, minha TV um Mestre paciente e constante.