1. BABY

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Cecília contou 13 placas desde que o carro deu partida até o momento em que Heart Of Glass começou a tocar, quando ela, por fim, se distraiu e passou a cantar em vez de contar.

— Pra quem acabou de terminar com o namorado a senhorita tá bem alegrinha. — Sua mãe comentou em um tom amargo. Cecília tinha a cabeça pra fora da janela.

— Sim, fui eu que terminei. — Cecília argumentou, se sentando novamente dentro do carro.

As duas dirigiam lentamente em direção à escola de Cecília. Era uma terça-feira morna, sem sal, como canja pra quem tinha gripe. A mãe balançava a cabeça negativamente, fazendo balançar os cabelos recém-pintados de um vermelho vivo.

— O que tinha de errado com ele? — Ela lhe pergunta, segurando as duas mãos firmemente no volante preto e texturado do Chevette branco.

— Ele era muito... Não sei mãe, normal, sem graça. Também que diferença faz agora? Acabou, acabou e pronto. — O bom humor que a música tinha provocado na menina havia evaporado pela janela.

— Eu acho que você quem está anormal. — A mãe rebate, olhando da menina para a estrada de novo, enquanto parava para esperar a abertura do sinal. — Primeiro desistiu de cursar administração, agora termina com o Luísinho...

Sua mãe tinha a mania de deixar as frases não terminadas, deixando o interlocutor no escuro, sem saber o que ela realmente queria dizer. Ela também tinha mania de chamar Luís pelo apelido apesar de ele ser um rapaz de 18 anos agora. Outra das coisas que irritavam Cecília era a incapacidade dela de não se meter em todas as suas decisões.

— Eu vou cursar letras. — Cecília murmurou para a janela, virando o rosto para a mãe.

— Nós ainda vamos ver isso.

Cecília sabia que sua mãe jamais diria ou faria nada por mal. Ela não era do tipo que só pensava nela mesma, nem do tipo que queria que tudo fosse pré-determinado e bem executado. Ela só queria que seus filhos se dessem bem na vida, que vivessem bem. E o que Cecília queria era uma quebra de monotonia.

Foi naquele mesmo dia que ela viu Cássia. Não pela primeira vez. Naquele dia, ela cruzou com Cássia no corredor, na hora da saída, e ela segurou seu olhar por só mais um segundo do que o habitual. Cássia, que tinha o cabelo escuro recém-cortado, batendo de leve em seus ombros cobertos pela camisa de botões branca. Ela segurou o olhar de Cecília por mais tempo que o habitual, enquanto estourava uma bolha de chiclete rosa, e piscou o olho direito.

No dia seguinte, a mesma coisa. E no dia seguinte. E no outro dia. E Cecília passou a cuidar cada movimento que ela fazia.

No Dia D, Cecília esperou no corredor pelo momento exato em que Cássia passaria, carregando a mochila azul, andando com os ombros para trás e a cabeça erguida, e cruzaria com ela, mas, naquele dia, ela sequer olhou para Cecília. E como ela teve coragem?

Quando ela passou, Cecília se virou e a seguiu para fora, para o dia quente. A garota seguia naquele mesmo passo ritmado, com um dos cadarços do tênis vermelho desamarrado, o mesmo tênis que Cecília usava, e ela tinha o bolso de fora da mochila aberto. Ela virou uma esquina e atravessou uma praça, entrando em uma parte da cidade que Cecília nunca ia.

De repente, Cássia se virou e deu de cara com a outra garota, seguindo-a rua abaixo.

— O que está fazendo? — Ela pergunta, erguendo uma sobrancelha.

— Eu, eu. Hum. Seus tênis estão desamarrados.

Ela olha pra baixo, pros tênis vermelhos sujos, e se abaixa para amarrar os cadarços.

BABY - E outros contosOnde histórias criam vida. Descubra agora