2. AMOR - Lilian e Coulomb

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Lilian entrou no próprio apartamento não mais do que três horas depois de sair dele. Coulomb tinha a cabeça e metade do tronco para fora da janela e apontava uma colher em direção ao pôr do sol.

Ele a viu e acenou com a colher, mantendo a expressão neutra, o que tornava muito difícil saber como ele se sentia.

— Você me disse que estaria aqui só as vinte e três horas. — Ele disse, meio corpo ainda pra fora da janela. Era uma janela estreita, só pouca coisa mais larga do que o próprio Coulomb, feita de latão cinza chumbo. A sala ainda tinha outra janela similar, do outro lado da estante de livros. As paredes eram pintadas de cinza claro e branco, o chão de lajotas bege. Lilian não gostava muito da estrutura dele, nem das cores, mas era seu. Ela fazia o que podia, colocando plantas que lutava para manter, um ou outro quadro, comprando mesinhas de canto com tampos de vidro.

— Sim, mas eu percebi que ficar em casa com meu amigo alien era mais divertido. — Ela disse, jogando a bolsa e a jaqueta preta na mesinha ao lado da porta.

— Isso é ironia. — Ele constata, saindo da janela e deixando a colher no parapeito da janela. Lilian podia ver que as gavetas estavam todas abertas e reviradas.

Coulomb se sentou, por conveniência, já que sabia que Lilian se sentia muito desconfortável com o fato de que ele não dormia, ou sentava, e a respiração era simulada. Ele lia bastante. E lia muito rápido, um livro em uma hora, dependendo do tamanho. Certa vez, ela lhe dera IT – A Coisa, e ele levara não mais que três horas. Era sua missão, afinal.

— O que leu nesse tempo? — Ela pergunta a ele, tirando os sapatos.

Coulomb gesticulava muito enquanto falava. Isso era algo dele. Das pessoas dele, ele explicou. Lilian queria perguntar se as características mais ou menos humanas foi o que os motivou a pesquisar sobre nós. Ela também queria perguntar se outras espécies pareciam com humanos, mas sempre se esquecia.

O Homem Que Caiu Na Terra. Achei um pouco especulativo. — Ele disse. — Pensei que fosse ser mais acurado. Mas, também, como poderiam saber? Não consigo ler aquele outro que você me deu.

A Redoma de Vidro? — Ela perguntou, mas sabia que ele se lembrava. Era algo que ele fazia, fingir uma conversa normal como um humano de memória fraca, embora se lembrasse de tudo.

— Isso. Se leio muito quero me jogar da janela. — Ele diz. — Muito denso. Você não vê a tristeza chegando, apesar dos avisos.

Era um review bem apropriado. Em geral, Coulomb não entendia todos os sentidos do que lia. Figuras de linguagem, em especial ironia e metáfora, o confundiam muito. O humor então era algo que ele não possuía ou apreciava, embora entendesse o conceito. Algumas vezes até elaborava uma tirada engraçada ou outra.

— Bom, tu me disse que queria aprender sobre tristeza.

— Não queria ficar triste.

Lilian se levantou e foi a cozinha, arrastando as meias felpudas pelo chão frio. Ela ajeitou os talheres na gaveta, sabendo que não havia sentido em brigar com Coulomb, e então colocou uma água para ferver, ajeitou o coador de pano sobre o bule e colocou o pó, aguardando ao lado do fogão.

— Eu li um de seus livros também. — Ele declarou, elevando a voz, novamente apontando a colher para o céu.

— Qual? — Lilian perguntou, enquanto encarava a chaleira preta.

Meus Dias de Vitória. Eu não gostei.

Se fosse outra pessoa, ou ser, a dizer aquilo, e principalmente, se fosse outra época em que Lilian era mais nova, ela teria ficado ofendida. Mas sabia como isso funcionava para Coulomb.

BABY - E outros contosOnde histórias criam vida. Descubra agora