Capítulo 1

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O ano é 2030 e o cenário é de total desolação. O céu apresenta agora uma cor avermelhada, com um tom a fazer lembrar a ferrugem e nota-se uma poeira no ar com um odor nunca antes sentido.

A região antes conhecida como Portugal, outrora um país costeiro possuidor de uma paisagem absolutamente extraordinária, não passa agora de uma zona maioritariamente deserta sem qualquer sinal evidente de vida. No entanto, é aqui que se encontra a única réstia de esperança da Humanidade, pois algures no meio de uma aridez a perder de vista é possível vislumbrar algumas formas cónicas que se destacam no meio do nada. Estas formas são cúpulas construídas por um pequeno grupo de pessoas, que conseguiram desta forma evitar a extinção total da raça humana.

Carlos Silveira é um dos poucos sobreviventes da maior catástrofe que o ser humano já sofreu. É um dos habitantes de uma das cúpulas criadas com o fim de assegurar a sobrevivência do Homem. Mas este objetivo não foi conseguido sem consequências e os poucos que restaram pagaram um alto preço para poderem continuar a respirar. Carlos pode ser tomado como exemplo disso, pois apesar do seu aspeto aparentemente normal, o seu A.D.N. foi alterado e, pouco a pouco, ele foi notando mudanças no seu organismo.

Tudo começou pouco tempo depois do Apocalipse, num dia em que Carlos dormia profundamente e começou a ter um sonho bastante perturbador. Encontrava-se no meio de uma multidão frenética em movimento constante, desempenhando as mais diversas atividades e ele era o único parado. Subitamente, começa a ouvir uma voz dentro da sua cabeça e depois outra e ainda mais outra até o som ser totalmente insuportável, fazendo-o sentir dores de cabeça mais fortes do que qualquer coisa que já tivesse sentido antes. A partir daí, Carlos desenvolveu uma capacidade extraordinária, pois passou a conseguir ler os pensamentos daqueles que o rodeavam, um poder que muitos apenas sonhariam possuir. Apesar disto, ele nem sempre consegue controlar esta habilidade e muitas vezes vê-se a braços com enxaquecas bastante fortes que chegam a turvar-lhe o discernimento.

Embora tenha 50 anos, nunca desistiu de tentar melhorar a sua situação e a dos poucos que o rodeiam, pois Carlos não está sozinho. Junto com ele vivem a sua mulher Diana e o seu filho Paulo. Carlos conheceu a sua mulher pouco tempo antes do Apocalipse, numa altura em que o medo se espalhava um pouco por todo o lado. Ambos estudavam na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, uma das mais prestigiadas, se não for mesmo a mais prestigiada do país. Naquela época, Carlos já se destacava pelo seu brilhante intelecto e pelas suas ideias vanguardistas. Trabalhava então num projeto ambicioso, juntamente com a sua atual mulher e mais dois colegas, João Carvalho e Francisco Guedes. Tentavam descobrir uma forma de substituir o oxigénio que respiramos por algo que não fosse afetado por qualquer outro tipo de substância que lhe retirasse a sua pureza.

Após vários meses de trabalho árduo e tentativas falhadas, conseguiram finalmente criar uma substância imune a qualquer tipo de influência ou contacto com qualquer outra coisa e, para além disso, totalmente respirável, ou seja, uma espécie de ar artificial. Nesse dia todos tiveram consciência que tinham acabado de fazer História, mas também sabiam que a revelação desta invenção ao mundo poderia trazer consequências imprevisíveis...

Carlos dormia profundamente quando sente o beijo doce de Diana na sua face e desperta vagarosamente. Assim que consegue abrir os olhos e focar a sua visão, esboça imediatamente um enorme sorriso ao ver a sua amada ali mesmo ao seu lado encarando-o da forma mais terna que ele alguma vez tinha visto.

- Bom dia, dorminhoco. É melhor apressares-te, já estão todos a tomar o pequeno-almoço.

- O quê?! Amor, não me acordaste?

- Não tive coragem, estavas a dormir tão bem quando eu acordei que eu deixei-te descansar mais um pouco.

- Não faz mal, vamos lá antes que o nosso filho devore tudo, sabes como ele é de manhã quando acorda. Parece que nunca viu comida à frente, principalmente nos dias a seguir a ter ido em missão de exploração.

- Oh, não digas isso! Ele está numa idade em que gasta muita energia, por isso também tem de a repor. – responde Diana dando uma leve gargalhada.

Carlos levantou-se, tratou da sua higiene pessoal e vestiu-se rapidamente para se juntar a Diana. Os dois saíram então juntos em direção à cúpula-refeitório. Esta cúpula era a maior de todas, pois era onde se reuniam todos para confecionarem e tomarem as suas refeições diárias. No centro estava colocada uma mesa grande de madeira onde todos se sentavam e conviviam. Quando o casal chegou ouvia-se uma conversa muito animada sobre as aventuras das explorações dos últimos dias.

- Olha, olha, quem vem aí! – disse João Carvalho, que foi o primeiro a reparar na chegada de Carlos e Diana.

João Carvalho, sendo também um dos sobreviventes do Apocalipse, deve muito a Diana, a mulher de Carlos. Ele foi dos que mais dificuldades teve em se adaptar à sua nova vida pós-apocalíptica, uma vez que obteve o poder da raiva e força suprema. No início sofria muito com ataques em que ficava completamente incontrolável, destruindo tudo à sua frente. Ninguém se podia aproximar dele nessas alturas, pois corria um sério risco de comprometer a sua integridade física. Foi aí que Diana teve um papel fulcral, pois ela herdou o poder da proteção, ou seja, era capaz de erguer um escudo defensivo à sua volta ou à volta de quem quisesse, desde que essa pessoa estivesse próxima a si. Durante várias semanas, sempre que João começava a ter um dos seus ataques, Diana erguia um escudo à sua volta que atuava como uma barreira. Isso permitia não só que ele pudesse gastar a sua energia e força à vontade, como também que aprendesse gradualmente a controlá-la sem haver o risco de magoar alguém ou a si mesmo.

- Bom dia, João. Estás muito tranquilo esta manhã. – respondeu Carlos com um sorriso irónico.

- Ora, de que vale começar o dia macambúzio? Estamos vivos e só isso já é razão suficiente para acordarmos bem-dispostos todos os dias.

- Tens toda a razão, meu amigo.

- Vá, sentem-se e sirvam-se. Têm de se alimentar bem, principalmente tu Diana. – disse Francisco Guedes, que estava sentado ao lado de João.

- Hã? Porque é que dizes isso, Guedes? – perguntou Carlos com um olhar inquisitivo.

Francisco olhou para Diana e se um olhar matasse ele cairia petrificado ali mesmo naquele momento.

- Oh, por nenhuma razão especial Carlos, só não quero que ninguém fique doente por não se alimentar convenientemente. – respondeu Francisco com um ar algo aflito.

- Hamm...está bem, está bem. – disse Carlos, não inteiramente convencido.

- Onde está o Paulo? Não o vejo aqui. – perguntou Diana, enquanto olhava para a mesa onde só estavam sentados João e Francisco.

- Ele saiu há pouco, disse que ia explorar e aproveitar a luz. – respondeu João.

- Aproveitar a luz?! Mas é de manhã, ele tem o dia todo! Este nosso filho... pelo menos podia ter esperado para irmos com ele, não sei a quem ele saiu com esta mania de querer ser um lobo solitário. – disse Carlos ao mesmo tempo que abanava a cabeça.

- A quem ele saiu? Bem, eu lembro-me de um certo rapaz que também gostava de dar umas caminhadas sozinho há alguns anos... - disse imediatamente Diana.

Ao ver o olhar indignado do seu marido, Diana irrompeu numa enorme gargalhada que contagiou todos, incluindo também por fim Carlos.


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⏰ Última atualização: 2 days ago ⏰

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