1. Apatia

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Apenas uma semana se passou desde o enterro de Chloe. É estranho sentir essa intensa apatia crescendo dentro de mim, mas parece que o mundo virou do avesso e nada mais tem o mesmo sentindo. Como podem as coisas terem tomado esse rumo? É como se depois de toda essa loucura eu tivesse ficado presa no tempo. Estagnada.

Escuto uma batida na porta do meu quarto e antes mesmo que eu permitisse sua entrada a maçaneta se vira e a silhueta de Kate Marsh se torna visível. Me sinto um pouco melhor ao saber que com a morte da Chloe as pessoas não pareciam mais obsecadas pelo vídeo de Kate na festa do clube Vortex.

É insano pensar que a apenas alguns dias atrás em uma outra linha de tempo ela havia tentado cometer suicídio. Todos os outros parecem alheios ao quanto aquele vídeo a afetou. Porra! Ela havia sido drogada! Era a imagem de um crime registrada e sendo usada para a humilhação da vítima. Kate ainda não era ela mesma, mas ainda sim estava tentando me ajudar. Sua humanidade sempre foi uma das suas características mais marcantes.

Infelizmente nem todos os humanos possuem humanidade. E esse foi o caso do Sr. Jefferson. Tudo girou em torno dele no fim. Sem a influência dele Chloe jamais estaria naquele banheiro indo atrás do Nathan por tê-la drogado. Por mais fodida que fosse a mente do Nathan ele ainda podia ser salvo se seu lado bom não houvesse sido sufocado pela influência de um calculista insensível.

Kate atrai minha atenção com uma caixa em mãos. Meu olhar questionador se fixa na caixa azul com desenhos amadores em dourado.

ㅡ Oi, Max. Só passei para ver como você está ㅡ ela diz depositando a caixa em cima da minha cama.

ㅡ Estou bem, Kate. Só um pouco cansada. O que é isso? ㅡ aponto para a caixa.

ㅡ Ah, sim. Eu encontrei Warren na entrada do dormitório feminino. Ele pediu para entregar para você.

Dou um sorriso fraco e agradeço a Kate pela entrega.

ㅡ Ele é bem fofo, parecia ansioso em te ver ㅡ Kate me olha na tentativa de me instigar a maiores respostas ㅡ Você tem estado quieta ultimamente.

Sinto a sombra de um sorriso de desprezo em meu rosto. A apenas algumas semanas eu havia feito essa mesma observação a respeito dela.

ㅡ Muita coisa para digerir ㅡ engulo em seco e complemento mais enérgica ㅡ E os professores não estão pegando muito leve. Estou me afundando em deveres.

Kate me lança um olhar de pena. Obviamente não comprou meu discurso de garota nerd, mas ainda estou em luto. Ainda tenho dores de cabeça e toda vez que fecho meu olhos para dormir tenho pesadelos com o que aconteceu. Ninguém se mantém são com apenas duas horas de sono por noite todas as noites.

ㅡ Eu estou bem. Não se preocupe comigo, falo sério. Só estou precisando ficar sozinha um pouco ㅡ sorrio para maior credibilidade.

ㅡ Peguei a dica. Se precisar conversar sabe onde me encontrar. Podemos fazer um chá da tarde e conversar até o sol se pôr ㅡ ela diz antes de sair e eu assinto em resposta.

Abro a caixa e espio seu conteúdo. Me deparo com um bilhete de Warren sob alguns DVDs e CDs diversos.

Uma coletânea alegre de filmes épicos e músicas da melhor qualidade. Espero que faça você se sentir melhor.

W.G.

Suspiro. Ele tem tentando respeitar o espaço que eu preciso agora, admiro isso. Em algum momento acho que vou ter que contar a ele sobre o que aconteceu, mas não agora. Sei que a maioria dos alunos da Blackwell olham para mim e me vêem como a garota que assitiu a morte de Chloe Price, a garota punk assassinada no banheiro feminino. A minha presença atiça a curiosidade mórbida de alguns que querem saber exatamente como foi vê-la morrer. Como é ver a vida se esvair de alguém até restar apenas o corpo frio e apático.

Olho para o horário em meu celular vejo que está quase na hora da aula fotografia. Me pergunto quem teria escolhido para substituir aquele psicopata. Me obrigo a me levantar e ir, e entro na sala encontrando olhares cada vez menos interessados na minha pessoa. Parece que o interesse na testemunha do crime que marcou Arcadia Bay está finamente minguando. Parecem já ter notado que pouco conseguiriam tentando arrancar de mim alguma coisa, eu já estava vazia.

Sento em meu lugar habitual no fundo da sala com meus fones de ouvido reproduzindo Syd Matters e a mente distante tentando deduzir que tipo de comentário Chloe faria a respeito das canções. Sinto meus olhos fecharem e a cabeça pender para frente enquanto sinto meus olhos marejarem mesmo fechados. Tento controlar a culpa que me invade como uma onda revolta. Como se estivesse submersa, respirar parece ser impossível e antinatural.

"Eu não posso", eu disse.

"Não, Max. Você é a única que pode".

A voz ecoa dolorosamente em minha cabeça enquanto o ar parece entrar como fogo em meus pulmões, me queimando por dentro. A vida dela esteve em minhas mãos e eu a deixei ir.

Um toque em meu ombro me desperta dos meus devaneios. Abro os olhos para me deparar com Warren. Pisco algumas vezes para garantir que não fique evidente por onde minha cabeça andava, ainda que talvez fosse perfeitamente óbvio que não estava divagando sobre nehum campo de girassóis.

ㅡ Hey, Max. Como está? ㅡ ele parece genuinamente preocupado.

É estranho olhar para ele sem lembrar do beijo que lhe dei pouco antes de salvar Chloe pela última vez. Nesse espaço-tempo ele era completamente alheio ao que eu fizera. Evito seu olhar preocupado e me forço a agir com naturalidade, o que vindo de mim, é complicado.

ㅡ Minha cabeça parece ter sido pisoteada por todo o elenco de Chicago. Mas vou sobreviver, se é o que quer saber.

ㅡ Ouvi dizer que o melhor remédio é a risada. Sei que é difícil, mas sério, Max, precisa dar um tempo a si mesma. Pedi para Kate te entregar uma caixa, acredito que tenha a dose certa de humor para tentar distrair você um pouco.

ㅡ Ah, sim. Kate me entregou. Valeu, Warren ㅡ sentido que talvez tivesse sendo um pouco seca, acrescentou com mais ênfase: ㅡ De verdade.

Neste momento entra uma mulher com aproximadamente quarenta anos, cabelos ruivos e óculos de armação retrô em vinho. O braço esquerdo coberto por tatuagens parecia revelar um lado rebelde que o rosto calmo de traços suaves parecia esconder.

ㅡ Vou nessa. Te vejo mais tarde?

ㅡ Claro ㅡ respondo com todas as forças restantes reunidas para formar um sorriso, com grande possibilidade dele sequer ter sido esboçado.

A professora se apresentou com Cecil De Bourbon. Por muito tempo viajou o mundo com suas fotografias voltadas para as diferentes culturas no globo. Pela primeira vez me senti em uma outra linha de tempo, uma diferente fora do looping, e terminei a aula envolta na ilusão de uma nova realidade. A calmaria depois da tempestade.

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⏰ Última atualização: Oct 28, 2021 ⏰

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