Quando abri a porta de entrada da Beauty Life e dei de cara com Denis, pulei em seu pescoço e beijei a sua bochecha várias vezes.
— Eu consegui! Eu consegui!
— O que foi, sua louca. Isso tudo é TPM? Ontem você estava enlouquecida de raiva, hoje de felicidade.
Apesar de não sermos os melhores amigos, sentia que com eles eu poderia contar minhas conquistas. Com mais de quarenta anos cada um, eu era a mascote da turma, todos só queriam o meu bem e eu o deles.
— O financiamento saiu, vou poder construir meu espaço empresarial chique! — Afastei-me e levantei meus braços em comemoração.
— Sua diva, trate de fazer um banheiro espetacular e um quarto para os noivos, que iremos usar para os nossos casamentos!
Abraçamo-nos novamente, dando pulos e comemorando, essa era a dança da vitória!
Foi nesse clima de satisfação e conquista que meu dia se transformou. No banco, para assinar os papéis do financiamento, demorei mais do que o normal e quando voltei para casa, para almoçar, meu peito já sentia que haviam coisas difíceis para lidar, como não avisar dona Elizamar sobre meu atraso.
Numa tentativa de mostrar minha felicidade e justificativa, entrei na cozinha com o contrato na mão e um enorme sorriso no rosto, que morreu assim que olhei minha mãe, com lágrimas não derramadas nos olhos lavando a louça.
— O que foi mãe?
— Por que demorou? Já não te pedi mil vezes que avisasse se demorasse para o almoço?
— Desculpa, mãe. Estava empolgada no banco assinando meu contrato de financiamento. Finalmente...
— Esse dinheiro é para pagar uma fisioterapia decente para o seu pai? — Ela pegou o pano de prato, enxugou as mãos e virou todo o seu corpo em minha direção. Seu tom de ressentimento me machucava. — Esse dinheiro vai ajudar nossa família ou apenas seu ego?
Um tapa na cara iria doer menos. O caso do meu pai ia muito além de uma boa fisioterapia. Eu... não tinha palavras para me justificar nem na minha mente. Por que tinha que lidar com meus pais como se fossem meus filhos?
— Desculpa mãe... — respondi, guardando o contrato na bolsa e seguindo para sentar à mesa. Caramba, nunca um papel pesou tanto, nunca um dinheiro foi tão manchado por dor. — Vou almoçar rápido...
— Você vai terminar de arrumar a cozinha. Estou cansada de ser empregada sua e do seu pai. No dia que arranjar um emprego, quero ver quem vai cuidar dessa casa.
Engoli em seco, controlei as lágrimas e minha respiração. Se éramos um fardo na vida dela, imagine quando soubesse do que descobri ontem e ainda não tinha coragem de verbalizar nem na minha mente, apesar da resolução que existia.
Em silêncio, vi minha mãe se afastar para seu quarto e depois de três garfadas, joguei a comida do meu prato fora e finalizei tudo o que ela havia deixado de fazer.
Passei pela sala e vi meu pai, apenas de short e visivelmente suado, deitado no sofá, o mesmo móvel que minha mãe cansava de brigar para que conservássemos, para não pôr os pés, não sentar com roupa escura, muito menos suado.
Cada dia mais me sentia deslocada nessa casa, nessa família e uma vontade de ter minha independência para ontem começou a aflorar.
— Pai, você está suado no sofá — constatei o óbvio e vi ele dando de ombros, focado na televisão. — Agora sei o motivo da mãe estar tão brava.
— Sua mãe está brava toda hora. Deixa ela, um dia aprende — respondeu cansado.
— Você poderia colaborar. Custava tomar um banho e colocar uma roupa no corpo inteiro? — Sentei ao seu lado e ele mudou de canal, um hábito quando o assunto o incomodava. Com a outra mão, ele pousou no meu joelho nu, já que usava um short claro folgado e apertou.
Nunca palavras, apenas gestos.
— Se eu tomo banho, gasto muita água e preciso da ajuda dela para pegar as coisas. Se troco de roupa, é porque gasto muita roupa e não consigo ficar com a mesma... — Suspirou. — Não tente entender, filha. Eu já desisti. Sua mãe nunca está satisfeita e agora que sou um inválido...
— Você não é inválido! — afirmei com ênfase.
— Tanto sou, que nem um banho consigo sozinho. Não irei me surpreender no dia que você e sua mãe me largarem, porque só sirvo para ser um fardo.
Que os anjos me perdoassem, mas não aguentava mais estar no meio de tanta negatividade. Que eu fizesse muito dinheiro com esse espaço, para pagar uma empregada para minha mãe, um acompanhamento psicológico para a família e paz.
Será que era possível comprar paz?
Assisti um pouco de televisão com meu pai até meu celular apitar. Era Júlio, querendo saber se eu estava livre para ir no apartamento dele. Ainda tinha mais alguns minutos até voltar ao trabalho, minha agenda estava tranquila, por isso, apenas me despedi do meu pai e segui até o meu namorado.
Era bom que com ele, eu poderia comemorar minha vitória e deixar de me sentir uma merda, uma pedra no caminho de alguém.
Já deveria saber que quando se tratava de mim, precisava ser cautelosa na felicidade. Alegria, comigo, tinha prazo de validade, era quase o mesmo tempo do álcool quando exposto ao ar.
Evaporação instantânea.
Precisavamudar o foco dos meus pensamentos, ninguém deveria ter o poder de controlar aminha vida a não ser eu mesma. Júlio era meu companheiro, com certeza daria ummomento de paz e tranquilidade que eu precisava.
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Entre o Caos e o Amor - Desgustação
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