Capítulo 1

37 2 0
                                    

O dia que mudou minha vida para sempre começou bem. Acordei antes do despertador, com um sorriso nos lábios e o coração cheio de sentimentos bons. Apesar da barriga estar um rebuliço por conta de uma novidade do dia anterior, durante a noite, em meus sonhos, parecia que qualquer dúvida tinha sido sanada.

Daríamos um jeito.

Tinha vinte e cinco anos, era empreendedora e tinha sonhos. Morava com meus pais, namorava um homem que não era perfeito, mas que demonstrava seu amor como eu demonstrava o meu, com ações, não palavras.

Tanto em casa, quanto com Júlio, palavras serviam apenas para ferir. Se era para ter algo de bom, que fosse com ações, se doando e se entregando.

Antes de desistir da minha faculdade de publicidade, eu me dividia entre cuidar da casa, do meu pai e estudar. Cuidar de um doente não era fácil, ainda mais de um pai que fazia trabalhos braçais e hoje, não conseguia andar sem apoio. A lesão na coluna não só mudou seu humor, mas seu jeito de ver a vida.

Por isso, quando me arrumei para mais um dia de trabalho e encontrei meu pai tentando encher o garrafão de água do filtro, não discuti, nem argumentei que isso poderia prejudicar mais ainda seu corpo.

— Bom dia pai. — Dei um beijo em seu rosto e como sempre faço, com suavidade, apoiei o garrafão com as mãos e as dele tremendo, viraram o recipiente no filtro e trouxe um pouco de satisfação para seu ego.

Quem disse que homem precisava ser o único a ter foça bruta dentro de casa não sabia o que era lidar com limitação.

— Bom dia filha. Pulou da cama hoje?

— Sim, acordei antes do despertador. Cadê a mãe?

— Adivinha? — Com sua bengala, que estava apoiada no armário, ele mancou até a mesa e se sentou, para começar a tomar o café da manhã.

— Lavando roupa?

— Exatamente...

A mesa estava posta e nem era seis e meia da manhã. Ativa, minha mãe sempre me ensinou a acordar cedo e estar pronta para o trabalho. Servi minha xícara com café e a do meu pai, enquanto ele passava margarina em seu pão. Sua mão sem força já era comum para mim, doía ver, mas cada dia menos.

Era filha única, meus amigos eram os companheiros de equipe, também cerimonialistas da cidade. Éramos em quatro: eu, Janaina, Denis e Fausto. Tínhamos uma equipe de recepção, de organização e os terceirizados de decoração e buffet, que dividíamos entre nós. Apesar de sermos uma equipe, cada um tinha seus clientes e sua linha de trabalho. Meu foco era eventos empresariais, Denis tinha preferência para casamentos, Janaina organizava aniversários infantis e Fausto, festas em pubs, shows e por aí vai.

Sempre que um precisava, o outro cobria e nossa sociedade não-sociedade funcionava bem.

Normalmente, eu trabalhava sempre em hotéis ou no próprio espaço da empresa, mas sempre faltava algo, por isso a ideia de ter um espaço exclusivo, onde eu pudesse receber pessoas de negócios que gostariam de realizar reuniões, assim como um espaço que promovesse a socialização.

Foi com esses pensamentos que cumprimentei minha mãe assim que ela entrou na cozinha.

— Bom dia mãe!

— Já vai trabalhar? — ela perguntou desgostosa. — Você poderia me ajudar com as roupas.

— Eu tento, mãe, mas você sempre faz primeiro.

— Claro que faço, você nunca faz na hora que eu peço.

E nossas manhãs eram sempre iguais, com discussões ao invés de bons dias. Eu entendia sua amargura, meus pais, às vezes, sabiam como tirar o pior de todos.

Nenhum dos dois tinha culpa, talvez, a errada era eu.

— Poderia deixar minhas roupas para eu lavar quando chegar? — pedi, seguindo para o banheiro para escovar meus dentes.

— E que horas essas roupas irão secar? Já coloquei todas para bater.

— Durante a noite... — resmunguei quando coloquei a escova de dente na boca. Que mulher teimosa!

— E correr o risco de sentar algum bicho e ter que lavar novamente? É o sol que tira todas as bactérias das roupas, Elaine.

— Tudo bem mãe. Pelo visto, vou ter que acordar antes de você.

E foi assim que deixei minha casa, com uma bagagem de irritação que normalmente engolia ao invés de ignorar.

Eu era a cor negra, que absorvia todas as outras cores. Deveria ser a branca, que sempre refletia, nada ficava em suas partículas, mas... para que isso acontecesse precisaria nascer de novo.

E com meu humor descendo ladeira abaixo que tentei começar meu dia de trabalho.

Coloquei minha bolsa no banco do passageiro ao meu lado, liguei o carro e segui em direção ao escritório de Denis. Por ele cuidar de casamentos e também ser casado com um cabelereiro, nosso espaço profissional era na sua casa multifuncional: casa, escritório, salão de beleza e espaço da noiva.

Assim que meu carro parou na frente do Beauty Life, meu celular tocou. Nem saí do carro, apenas procurei o aparelho, conferi o identificador de chamadas e coloquei no ouvido.

— Olá, bom dia — atendi com alegria, pois números desconhecidos sempre indicavam novos clientes. A primeira impressão deveria ser sempre a melhor, mesmo que meu humor não estivesse dos melhores.

— Por favor, Elaine dos Santos.

— Ela quem fala. Quem é?

— Sou Maria Aparecida, a gerente do seu banco, que estava cuidando do seu financiamento para pessoa jurídica, tudo bem?

Meu coração saltou pela boca, tudo o que tinha a ver com meu financiamento tinha minha total atenção.

— Olá, Maria. Sim, lembro, tem novidades?

— Preciso que você venha assim que o banco abrir, para assinar os papéis. Seu empréstimo foi liberado, você terá acesso ao dinheiro em poucos dias depois dos documentos prontos.

Meu sorriso não cabia na minha face. Com euforia, confirmei minha ida até o banco, encerrei a ligação e saí do carro aos pulos.

Minha vida estava entrando nos eixos!

Entre o Caos e o Amor - DesgustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora