Como o porteiro já me conhecia, liberou minha entrada e com a minha cópia da chave, abri a porta do apartamento que nunca passei a noite completa, já que a filha da dona Elizamar não poderia dormir com um homem antes de casar. Cansei de brigar por bobeiras, eu voltava três horas da manhã depois de uma boa noite romântica e escutava apenas sobre o perigo de se dirigir sozinha no bairro de madrugada.
— Júlio? — Senti um cheiro doce, característico de... — Júlio, você está fumando maconha?
Quando começamos a namorar, Júlio me garantiu que apenas seus amigos fumavam essa porcaria. Depois de seis meses juntos, descobri que ele também usava, quase todos os dias. O estrago já estava feito, eu estava apaixonada, ele era carinhoso e aprendi a lidar com essa sua particularidade.
Há seis meses, ele tinha prometido parar de fumar e o fez, até hoje. Bem, pelo menos eu achava.
Fui até seu quarto, onde o cheiro estava mais forte. Ele trabalhava numa empreiteira, não tinha faculdade, mas era muito esforçado, porque não só bancava suas próprias coisas, como seus pais.
Tínhamos muitas coisas em comum, mas diferente de mim, ele aceitou o fardo de ser o provedor da família inteira, saiu de casa e parecia viver livre de suas âncoras.
— O que aconteceu, Júlio?
Meus olhos acompanhavam ele andando de um lado para o outro. Vestindo apenas um short jeans, cabelos revoltos e cigarro feito a mão nos lábios, ele estava nervoso, enlouquecido.
— O que foi? — ele berrou e parou de andar. — Que porra é essa, Elaine? — Seu dedo apontou para algo em cima da cama e meu corpo gelou. Era o teste de gravidez que havia feito ontem, joguei no lixo enrolado em vários papéis para que ele não percebesse.
Não funcionou.
— É um teste de gravidez. — Engoli em seco e comecei a respirar com dificuldade, tanto pela fumaça quanto pelo o que eu precisava dizer a ele. — Por que você está fumando?
— Por que você fez o teste de gravidez? Você não usa a porra da pílula? — seu tom continuou alto e isso começou a me entristecer mais e mais.
Uma porrada no dia não era o suficiente, eu precisava de uma segunda.
— Eu tomo, mas pelo jeito, ela falhou. Vai dar tudo certo... — falei mais para mim do que para ele.
— Certo? Por um acaso você fez o teste só para me irritar? — Arregalei os olhos quando ele se aproximou. O branco em volta de sua íris estava vermelho, o cheiro podre da droga o impregnava, me deixando enjoada. — Nós não vamos ter um filho. Eu não tenho dinheiro nem para me bancar, porque tenho de dar toda a porra do meu salário para meu pai!
— Eu também trabalho, teremos nove meses para pensar nisso. Não se precipite... — pacífica, tentei apaziguar, mesmo que meu coração dizia que ele merecia escutar algumas verdades entaladas na minha garganta.
— Precipitar? — Ele tragou do seu cigarro e exalou no meu rosto, me afogando naquela nuvem ácida. — Esse filho não é meu! — falou com ódio.
— Seu idiota, pare de fumar agora, isso pode fazer mal para o bebê! — Abanei meu rosto e dei alguns passos para o lado, tentando fugir. — Esse filho é seu sim, para de babaquice!
— Babaca é você, por não se prevenir como deve. Eu não vou assumir essa criança, não tenho dinheiro para bancar essa porra!
— Pare de chamar nosso filho assim! — gritei, finalmente deixando extravasar minha raiva e frustração. — Esse era para ser um dia bom! Consegui o financiamento para a construção do meu buffet, meu trabalho me permitirá ficar com a criança. Não foi planejado, mas é um ser vivo! — Ele me olhava com raiva e sem me intimidar, aproximei meu rosto no dele. — Pare de minar o lado bom das coisas. Pare de fumar... — arranquei o cigarro da sua boca e esse foi meu erro.
Você nunca mexia com o cigarro de um fumante.
O murro que ele deu no meu rosto me fez cambalear e cair em cima da sua cama. De madeira maciça, nos dois cantos dos pés ele tinha uma ponta arredondada, que foi aonde meu baixo ventre acertou, fazendo com que meu mundo ruísse.
Minha barriga doeu de uma forma surreal, a umidade que senti entre minhas pernas era muito para que abaixasse meus olhos e confirmasse o que eu já sabia.
No fim das contas, eu não precisaria mais me preocupar com as dúvidas na minha cabeça quanto a criar um bebê, ele não existia mais.
— Elaine... — Encarei o homem que não era perfeito, mas que um dia amei, se afastar e olhar para mim com pavor. — Você está sujando o chão.
E era tudo em que ele poderia pensar. Não era na vida que se foi, não era na dor que eu iria sentir, mas na sujeira que eu estava fazendo.
Sem forças para qualquer discussão, levantei da cama, segui para fora daquele apartamento e peguei minha bolsa no caminho. Escutei vozes me chamando, questionando, mas só segui, de forma robótica, para o meu carro.
Para onde eu iria?
Para o quinto dos infernos, porque depois disso, era o único lugar onde eu poderia curtir minha solidão em paz.
Guiando em direção a estrada, com o som do carro no volume mais alto que ele poderia chegar, cantei e chorei. Dirigindo em alta velocidade, o carro seguia um caminho desconhecido, na verdade, estava seguindo meus instintos.
Questionamentos começaram a se formar na minha mente e a cada resposta, queria me encolher com o arrependimento. Se eu queria ter um filho agora? Não. Se eu pensei em tirar ele do meu ventre em algum momento? Talvez, quando vi o resultado positivo, mas só de pensar em fazer algo desse tipo, removi da minha mente essa opção. Não tive dúvida, eu iria manter o bebê para mim.
Abortar nunca seria uma opção.
Talvez não para mim, mas para Júlio e o destino sim.
Eu, com certeza, nunca mais iria comemorar nada na minha vida. Era como um imã quebrado, a cada felicidade, eu atraía quinhentas infelicidades. A cada conquista, eu atraía trezentas derrotas.
Minha vida era uma merda. Poderia piorar?
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Entre o Caos e o Amor - Desgustação
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