QUATRO - DANDO UM PULINHO NO PASSADO

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C L A R A

A casa de sua tia Rosângela era uma imensa casarão de dois andares num bairro histórico de Itacorá, uma casa tão velha quanto a cidade. Por muitos anos aquela casa estava na família de sua tia, que sem condições de manter a grande estrutura, viu a grande construção morrer aos poucos. Rosângela tentava desesperadamente vender aquela casa para se mudar dali, ao mesmo tempo em que temia perder, junto com a casa, todas as suas grandes memórias.

Enquanto a tia atendia dois policiais na ampla sala de visitas, sem que alguém notasse, Clara subiu as escadas para o segundo andar. No largo corredor do segundo andar, havia uma janela grande com vista para os fundos da casa. Havia um gramado e uma árvore centenária que fazia uma sombra majestosa. Clara escorou naquela janela e encarou o gramado, fazia muito tempo desde o dia em que ele havia partido dali.

ANOS ANTES

– Eu vou tomar bomba em inglês – resmungou Luan deitando na cama de Clara e colocando a cabeça sobre as duas mãos. Ele encarava o teto. – Pra que eu vou aprender inglês se eu nunca vou ir pros Estados Unidos? – Ele estava indignado e Clara achava graça daquilo.

Ela ficou por alguns segundos encarando aquele garoto. Clara mal acreditava que estava namorando o garoto mais bonito do colégio, o garoto por quem ela sempre teve uma paixão secreta. As coisas estavam indo tão bem na vida dela que ela até sentia um pouco de medo daquilo. Há dois meses, um outro garoto de sua turma, Samuel, havia escrito em um caderno velho, inúmeras cartas se declarando para ela, cartas que alguém descobriu, tirou cópias e espalhou por todo o colégio.

Clara quis morrer quando se viu naquela situação. Samuel era um garoto muito estranho, que nunca havia dito se quer um "oi" para ela a vida inteira e saber que ele era tão obcecado por ela a deixou, inclusive, com medo do que talvez ele pudesse fazer.

Em meio a todo aquela caos, Luan se aproximou dela. Ela nunca iria esquecer daquele dia. Clara estava sentada no gramado, no pátio do colégio, lendo a matéria atrasada de inglês quando Luan se aproximou e sentou ao seu lado.

– Ouvi dizer que você é muito boa em inglês – disse ele.

– Eu não diria boa – disse ela o fazendo rir. – Eu só sei o suficiente pra não ir com nota vermelha no boletim – ela respondeu.

– Isso é ótimo – disse ele escorando no tronco da árvore e a olhando bem fundo em seus olhos. – Será que você pode me ajudar com a matéria? – Ele lhe lançou um olhar de súplica. – Eu to ferrado em inglês – ela riu e fez um gesto positivo com a cabeça.

– Seria um prazer – ela respondeu sorrindo.

Agora os dois estavam deitados na cama de solteira de Clara, naquele pequeno quarto de paredes num tom pastel desbotado, ambos encarando o forro no teto. Clara se virou de lado para encarar Luan e ele fez o mesmo. Ela encarou os olhos castanhos do garoto e permaneceu em silêncio.

Luan era robusto e tinha ombros largos. Os braços eram definidos e estavam exposto pela camiseta regata, modelo que ele gostava sempre de usar. O cabelo estava uma bagunça, qual ele tentava esconder com um boné que havia caído para trás do travesseiro quando ele deitou na cama. Havia uma barba rebelde no queixo e costeletas no mesmo tom castanho do cabelo.

– No que você está pensando? – Perguntou Clara enquanto Luan acariciava a lateral do seu rosto com as pontas dos dedos.

– No quanto você é linda – ele disse um tom mais baixo. Clara riu e revirou os olhos.

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