Diabinho.

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Saí do quarto quase no horário de almoço, não que quatro adolescentes passando as férias longe de casa tivessem realmente um horário de almoço ou de qualquer outra refeição. Torci, com base no horário, para que todos tivessem saído para a praia ou compras ou simplesmente não enxergassem, havia passado a noite em claro e isso estava aparente nas minhas olheiras profundas e horrendas.
Para o meu infortúnio, todos pareciam felizes reunidos na cozinha preparando algo aparentemente muito difícil para necessitar de seis mãos.
Pisquei algumas vezes vendo Carl jogar molho em Derian enquanto ele ria.
— Ei, bela adormecida — Ivy sorriu para mim com o rosto sujo de farinha e o cabelo preso em um rabo de cavalo, provavelmente para que não caísse na comida.
Derian olhou na minha direção, todo humor sumiu de seu rosto. Ótimo.
— Quer se juntar a nós? — Carl perguntou animado mexendo com alguma massa junto com Derian na pia. — Estamos fazendo nhoque de batata com strogonoff.
— Acho que já tem mãos suficientes para todo o trabalho — pisquei para ele, me safando.
— Nada disso — disse Ivy. — Pode vir mexer o molho enquanto desfio a galinha — mandou gesticulando para o lugar onde estava. Sem protestar segui suas ordens pondo a barriga no fogão. Ivy colocou a sua panela em cima da bancada que dividia a sala e a cozinha, desfiando o frango no outro cômodo.
— Holly — Carl chamou minha atenção. – Essa camisa...— minha espinha congelou. — Tenho certeza que é do Derian.
Ate Ivy pareceu magicamente notar a camisa. Tinha esquecido absolutamente de tirá-la. Podia sentir o olhar de Derian pregado nas minhas costas naquele instante, ele deveria desejar que minha cabeça explodisse.
— Ela me desafiou — Derian se pronunciou. — A camisa faz parte de um desafio. É só isso — se ele soubesse o quanto soava culpado ao explicar a situação...
Ivy e Carl se entreolharam duvidosamente, mas nem suas piores ideias chegariam perto do que realmente tinha acontecido.
— O que me recorda, — Derian voltou a falar. — Que é a minha vez de desafiar.
Minha amiga bufou.
— Vocês não cansam mesmo dessa merda — notei que a brutalidade que ela usava contra a pobre galinha cozida era direcionada internamente para nós dois. — Podem acabar se machucando nessa brincadeira, digo, fisicamente, até porque não é como se realmente qualquer comentário afetasse seus corações de gelo.
Por dentro ria com a ironia da coisa.
— Ivy, relaxa — pedi. — É só uma brincadeira.
Terminamos de cozinhar em silêncio e o fato de Derian não soltar sequer uma farpa estava começando a me incomodar.
Os garotos pegaram a mesa de mármore e colocaram na sala, dispondo cadeiras de plástico ao seu redor para comermos.
Depois do almoço o resto do dia se seguiu tranquilo, troquei algumas mensagens com Elliot e marcamos de sair no dia seguinte. Evitei Derian o máximo que pude e ele parecia fazer o mesmo, nem sequer havia me imposto um desafio. Ivy e Carl deram uma pausa na lua de mel infinita e conversaram comigo sobre Elliot e possíveis futuros encontros de casais.
Os dias passaram cada vez mais rápido, e logo a viagem de duas semanas chegou ao fim e mesmo saindo com Elliot diversas vezes, o cara não me tascou um beijo decente, uma vez sequer. Decepcionante. Até tentei surfar para explorar o lado sexy na vive aventureira. Falhei miseravelmente. Mas ao menos já tínhamos marcado de sairmos quando ele voltasse para a cidade, o que seria uma semana depois da minha volta. Derian e eu falamos o mínimo possível nos dias que se seguiram, e ele nem trouxe à tona o desafio, o que estava começando a indicar que ele havia desistido da brincadeira, o que me tornava vencedora.
Depois de Ivy me deixar em casa, não foi surpresa encontrar o lugar vazio, se mamãe tinha viajado ou saído, não é como se ela tivesse o habito de avisar, e mesmo sendo o dia da minha volta, ela não era o tipo emocional que me daria boas vindas de braços abertos.
— Senhorita! — Francesca, que cozinhava e mantinha a casa limpa, me recebeu usando um vestido amarelo ovo repleto de rosas vermelhas gritantes. A abracei apertado. Francesca conseguia ser ainda mais baixa que eu e mesmo tendo quase o triplo da minha idade, ela era incrivelmente fofa e jovial.
— Como vai, Fran? — perguntei saindo de seu abraço.
— Bem, claro, não é como se sua mãe realmente parasse em casa, eu praticamente estou ganhando um salário por existir.
Dei risada.
— Nenhuma surpresa. Onde está o meu diabinho? — Assim que fiz a pergunta, de trás da escada com a pelugem negra e brilhante, meu gato veio até mim com seu andar de desdém típico. — Ei, sentiu saudades da mamãe? — o agarrei, deixando-o nada contente. — Quem é o diabinho da mamãe?
Diabinho cravou as unhas no meu braço me obrigando a larga-lo. Um ano juntos e ele continuava me recordando do porquê de eu o ter batizado de tal forma.
— Vejo que achou seu pequeno demônio —observou. — Irei preparar algum lanche para você antes de começar a fazer o jantar — anunciou entrando no corredor ao lado rumo a cozinha.
— Você não é um demônio — falei para Diabinho. — Ok, talvez você seja, mas eu te amo ainda assim. — O gato parecia me olhar com pena, o que era de seu feitio. O peguei novamente no colo, subindo as escadas e o levando até o meu quarto.
Diabinho correu direto para sua caminha de primeiro andar, com formato de castelo cor de rosa, que ficava no canto do quarto. Me atirei na minha enorme e confortável cama. Deus, sentia falta disso. Os lençóis cheiravam a céu e lavanda. Abençoada seja Francesca.
No bolso da minha calça meu celular começou a vibrar. O peguei intrigada. Duas palavras brilhavam com letras maiúsculas “ NÃO ATENDA”. O que significava que era Derian.
Atendi.
— Espero que tenha uma explicação muito boa para me fazer ouvir sua voz quando acabo de me livrar de você.
— É algo realmente importante — sua voz parecia mais grave e séria do que o normal. — Preciso da sua ajuda.
Afastei o celular do ouvido e pisquei algumas vezes para ter certeza de que não estava sonhando.
— Não sou sua amiga, seja lá o que for, não posso ajudar — desliguei jogando o celular na cama.
Quem ele pensava que era?
A campainha começou a tocar insistentemente. Provavelmente alguma entrega para minha mãe ou algo do tipo.
— Senhorita Horn. Senhorita! — Francesca começou a gritar. – Ei, não pode ir entrando assim rapazinho — escutei seus protestos. Abri a porta do quarto no exato momento em que Derian tinha alcançado o topo das escadas enquanto era perseguido por Francesca que parecia sem fôlego. Cruzei os braços erguendo as sobrancelhas para ele.
— Fran, não se preocupe — avisei. Ela olhou feio para Derian e acredito que até o xingou baixinho. Ele ajeitou sua jaqueta de couro e tirou o cabelo que pingava gostas espessas de agua da testa. Parecia ter acabado de sair do banho.
— Precisamos conversar — disse.
— Bom, eu não tenho outra saída a não ser ouvir, certo? — dei espaço para que ele entrasse no meu quarto imaginando no que diabos ele queria me meter.

Eu te Desafio ( Disponível Na Amazon)Onde histórias criam vida. Descubra agora