Abacaxi com tomate.

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Abri os olhos incomodada com a luz. A cortina do meu quarto estava escancarada.
— Agora você é uma garota comprometida, então? – Me sentei de imediato. Mamãe estava encostada na porta, usando um terninho cinza com uma calça social da mesma cor, seu cabelo quase preto em um corte chanel estava perfeitamente alinhando e a expressão curiosa, debaixo de seus óculos de armação sofisticada, era toda voltada para mim.
— Mãe, vejo que o pai de Derian já comunicou a novidade — me espreguicei. — Não sabia que era algo tão importante, por isso não falei antes.
Ela espremeu seus lábios pintados de vermelho, o preenchimento havia deixando sua boca mais carnuda e valorizado mais seu rosto.
— Holly Horn, você nunca teve um namorado, mocinha, acha que seu primeiro relacionamento é algo que não me interessaria? — seu tom era calmo e insinuativo. — Ainda mais quando o meu genro é filho do Joseph Stuart. Aquele homem é uma máquina de fazer dinheiro.
— Agora entendi o seu interesse.
— Não seja medíocre, toda nossa família construiu seu patrimônio com base em relações de duplo benefício. E pelo que eu vejo, você está compreendendo a coisa — sorriu. — Sem falar que os genes dos Stuart são ótimos. Tanto o filho quanto o pai são bem atraentes. Seus filhos seriam lindos e geniais.
— Meu Deus, mãe! Estamos apenas namorando, não vamos casar — sabia que essa merda de ideia era realmente uma grande merda.
— Não seja boba, ano que vem ambos vão para a universidade, os dois tem uma conta bancária maior do que pessoas normais que trabalham há mais de dez anos. Podem se casar aos vinte e um, não há dificuldades que impeçam vocês de construir nada. E a publicidade de um casal jovem e milionário se casando por amor iria fazer o valor das ações subirem.
Ótimo.
— Da para parar de projetar seus planos em mim? — pedi. — Nem sequer sabemos se estaremos juntos daqui há um mês. Não tem como prever essas coisas.
Ignorando tudo que eu disse, Hanna rolou os olhos e continuou:
— Já chegaram a ter relações sexuais? Não sei por quanto tempo estão juntos, então... — arregalei os olhos.
— Credo, mãe, não fizemos qualquer coisa de teor sexual! — As cenas da casa de praia, a festa e as pizzas invadiram minha cabeça como se meu próprio cérebro estivesse zombando de mim.
Ela deu duas palmas.
— Isso é ótimo! Enrole ele o máximo que puder, homens gostam de se sentirem desafiados — ela realmente não fazia ideia de quem era Derian. — Quanto mais tarde vocês transarem, irá demorar mais para ele enjoar. Homens são criaturas perversas, mas previsíveis, basta eles conseguirem uma coisa para se cansarem.
Depois do papai e suas três amantes, não era surpresa que ela pensasse assim.
— Não deveria me instruir sobre sexo e o que eu deveria fazer para me proteger e me sair bem? — cruzei os braços.  Mamãe caminhou até a cama, seus Louboutin contra o piso fazendo um barulho desagradável.
— Querida, — se sentou na cama perto de mim, agarrando uma mecha do meu cabelo. – Você é inteligente, sei que sabe como se cuidar, e é uma Horn, é naturalmente boa demais em tudo que fizer.
— Isso é sua tentativa de não ter uma conversa constrangedora sobre sexo? — questionei. Ela se levantou rindo.
— Você me conhece, filhota — piscou, saindo do quarto. Estendi a mão até o criado mudo, ao lado da cama, pegando meu celular.
“ Amiga, precisamos conversar urgentemente. Vem para cá, Fran vai nos encher de lanches”
Enviei a mensagem para Ivy voltando a afundar na cama.
*****
— Você e o Derian o que?! — deixou a colher cair no pote de doce de leite. Até mesmo Fran parou de mastigar os cookies que tinha acabado de fazer.
— Eu não gosto desse rapaz — comentou com a boca cheia de farelo. Mesmo sentada em um dos bancos altos ao redor da mesa, Francesca continuava sendo pequena.
— Também não gosto dele – apoiei. – Mas ele já me meteu nisso e não posso simplesmente desmentir para a minha mãe.
— A Hanna iria trucidar ele — Ivy disse.
— A Patroa iria destruir as chances do pobre garoto se aproximar de uma garota de novo. Não que eu me importe com ele — Francesca deu de ombros com desdém. Uma risada involuntária escapou de mim.
— Será que o Carl já sabe disso? — minha amiga se questionou. — É loucura demais, vocês nem são amigos e estão prestes a enganar praticamente a cidade inteira. Vão atualizar o status do facebook?
Fiz careta.
— Ninguém usa mais o facebook — peguei uma colher generosa de brigadeiro da panela que estava a minha frente. — Não consigo imaginar como as pessoas vão acreditar que estamos juntos — confessei. — Vou ter que treinar minhas expressões para não demonstrar repulsa toda vez que ele abrir a boca.
— Pelo menos agora podemos fazer encontros duplos — comemorou Ivy. A olhei feio. Não era possível que ela estivesse vendo um lado bom em tudo isso.
Francesca tomou o pote de doce da minha amiga.
— Você não merece este doce, senhorita — vociferou.
Minha amiga explodiu em uma gargalhada alta.
— Qual é, vocês estão sempre brigando e acabando com a paz das pessoas, serem obrigados a fingir que se suportam vai ser bom para mim e para o Carl, e não fingirei o contrário — se justificou. E ela não estava errada. Droga.
Fran devolveu o pote.
— Até que faz sentido, senhorita — fulminei Fran por ceder ao lado obscuro da força facilmente.
O toque de uma música antiga, like a virgin da Madonna, ecoou na cozinha. Fran tirou o celular do bolso atendendo a chamada de quem quer que fosse, com um sorriso enorme.
— Irei falar com meu namorado, volto já, senhoritas.
— Francesca tem um namorado de verdade. E eu não — falei perplexa. A cada dia estava me tornando mais deprimente.
— Você tem o Elliot — a menção do nome me transportou para as diversas vezes que o mesmo NÃO tinha me beijado. Meu orgulho ainda se sentia gravemente ferido.
— Nem me fale. Derian e eu temos mais contato físico do que Elliot e eu. E isso porque nos odiamos — quando as palavras saíram da minha boca me dei conta da merda que estava deixando escapar.
Os olhos afiados da minha amiga reluziram como faróis de um carro recém ligado, prestes a atropelar alguém.
— Como?
— Foi só modo de falar — tentei escapar. Mas não tinha como esconder as coisas de uma melhor amiga, ia contra a ordem natural das coisas.
— Sabe, a história da atuação da festa, você aparecendo com a camisa dele, tem algo muito estranho em tudo isso — manteve os olhos tão presos em mim que nem mesmo se a polícia me interrogasse eu me sentiria tão acuada. — Se não me contar o que anda acontecendo, irei na casa do Derian descobrir por ele — ameaçou. A conhecendo, eu sabia que era uma ameaça a ser levada a sério.
Respirei fundo conferindo se Fran ainda estava na área de serviço atrás da cozinha.
— No dia da festa, nós realmente ficamos — sussurrei. O queixo de Ivy quase fez barulho ao ir ao chão em choque.
— Vocês transaram de verdade?! — falou um pouco alto demais. Arregalei os olhos mandando ela se acalmar.
— Enlouqueceu? Claro que não, só nos beijamos — mais ou menos, mas eu não precisava contar todos os detalhes.
Minha amiga parecia atordoada demais com a informação. Não a culpava, até mesmo eu não lidava muito bem com tudo aquilo ainda.
— Mas e o incidente da camisa? — quis saber.
Expliquei sobre termos pedido duas pizzas, as conversas e como a coisa se iniciou e como acabou.
— Foi isso. Basicamente — conclui.
— Puta merda, Holly, você quase deu para o Derian! — novamente, se descontrolou.
— Eu sei — cochichei. – Acha que não me puno mentalmente todas as noites por essa merda?
— Cacete — praguejou. Ivy estava batendo sua cota anual de palavrões em uma única tarde. — E você estava saindo com o Elliot. Holly Horn, você é uma devassa. Estou incrédula, não conhecia esse seu lado.
Bufei frustrada.
— Me sinto uma piranha.
— Tudo bem, você é a minha piranha, ninguém vai te julgar além de mim — me apoiou bravamente levando a mão ao peito. — Sua falta de integridade jamais afetara nossa amizade.
— Ivy! — A engraçadinha riu.
— Desculpa, mas é muito bom para ser verdade. Derian e você, quem poderia imaginar? — ergueu as mãos. — É como dizer que comeu abacaxi com tomate, e atestar que é bom. Franzi o cenho.
— Eu sei, parece loucura, mas foi apenas um momento, um surto, nos odiamos tanto quanto sempre.
— Foram dois momentos — ressaltou cheia de sorrisos. — Como pode dizer que se odeiam quando já se agarraram mais de uma vez? Não faz sentido. Levei as mãos à cabeça.
— Sei que não faz, acho que foram os hormônios, estávamos sozinhos, uma coisa apenas levou a outra — suspirei terrivelmente arrependida. — Ele é um imbecil, mas tenho que ser honesta, ele é um imbecil bem atraente — as imagens dele apenas de cueca me envolvendo com os braços e me despindo fizeram meu corpo esquentar. Jesus Cristo! Tinha algo de muito errado comigo.
Ivy me deu um sorriso cumprido e malicioso. Como um gato.
— Agora vocês são namorados — recordou. — Mas ainda se odeiam. Mesmo que tenham quase feito sexo, do lado do quarto da amiga, a qual você esconde o segredo há dias. Tem certeza que isso não vai dar merda? — colocando dessa forma...— Isso cheira a desastre, Holly.
— O que eu deveria fazer? — deixei os braços caírem em cada lado do corpo. — Ele me desafiou.
— Desista — aconselhou. — Não estão mais apenas brincando de se odiar. Vocês ficaram, ultrapassaram uma linha, não é mais uma birra de escola, é uma questão de tempo até que...— se interrompeu.
— Até que o que? — insisti. O olhar pesaroso de Ivy me deixou nervosa e atenta.
— Antes vocês apenas se odiavam, não chegavam a ter uma relação, agora acobertam mentiras um do outro, e já se beijaram, mais de uma vez. Tudo isso enquanto dizem se odiar. Quando atacarem um ao outro como sempre fizeram, é uma questão de tempo até que um de vocês realmente se machuque, se machuque de verdade.
Ivy entendia de amizade, amor e raiva melhor do que eu, se ela se preocupava a esse ponto, teria que ser cuidadosa.
— Não vai acontecer nada. Vamos fingir, depois de um ou dois meses terminamos e seguimos a nos odiar explicitamente — a confortei. — É sério, confia em mim. Ela rolou os olhos.
— Não confio nos seus hormônios e muito menos nos dele — dei risada voltando a comer o brigadeiro. Nada daria errado.

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