O jogo.

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— Ela me trancou do lado de fora, e eu estou errado em querer comer o fígado dela no almoço? — Derian estava especialmente alterado aquela manhã, e isso para mim soava como um prêmio.
Fui até a cozinha pegando uma caixa de cereais, leite e uma tigela. Da sala, o olhar assassino que Derian me lançava era quase capaz de fazer minha cabeça explodir.
— Bom dia, rapazes — praticamente cantei. Carl me lançou um olhar alertando que eu não deveria provocar. O seu amigo se esticou de diversas formas. — Está com torcicolo, Derian?
— Sua pestinha...— ele se levantou. Carl o puxou de volta para o sofá. — Isso não vai ficar assim — ameaçou. Rolei os olhos com tédio.
— Quero ver você tentar — sorri ao colocar uma colher de cereais na boca.
— Você acaba de me incentivar ainda mais a fazer da sua vida um inferno, espero que não reclame das consequências — estreitou os olhos para mim e saiu indo para a área de lazer.
— Como as garotas lidam com o drama dele? — questionei. Ivy apareceu na cozinha com um pijama ridículo do Pooh. — Inclusive, roupinha bem sexy.
Ela abriu a geladeira tirando uma maçã e a mordendo.
— Sou imune ao seu sarcasmo — respondeu. — E acho que as garotas não costumam usar palavras com ele — comentou.
— Estou bem aqui, vendo vocês depreciarem meu amigo.
— Ninguém mandou ter péssimo gosto para amizades — retruquei.
Com um suspiro derrotado, Carl se deitou no sofá.
— Sabe que também considero você uma amiga, certo? — questionou, mas eu duvidava disso, era mais uma afinidade por ser a melhor amiga de sua namorada.
— Eu sou a exceção — expliquei.
Ivy riu indo até o namorado e beijando sua testa.
— Dormiu bem, meu anjo?
Ele sorriu a puxando para seu colo com aqueles olhos brilhantes que só apareciam quando olhava para ela. Desejo ou amor, não saberia dizer.
— Melhor impossível
E esse era o motivo pelo qual eu sabia que ele era o cara certo para a minha amiga, não tinha sequer uma mulher no mundo que ele olhasse com desejo, admiração e amor como ele olhava para Ivy. Ao menos não que eu tenha visto.
— Sem seção de pregação no sofá, por favor — interrompi.
Ambos riram ainda abraçados, mas foi Carl quem falou.
— Holly, acho que você precisa de um namorado, melhoraria o seu humor e poderíamos fazer aqueles encontros de casais.
— Ivy, tira seu namorado daqui antes que eu o agrida verbalmente.
Dito isso, ambos foram para a piscina. Terminei de comer um pouco mal-humorada. Eu não precisava de um namorado, estava bem do jeito que estava. Talvez, precisasse ter uma leve seção de beijos com alguém para não ficar enferrujada, mas namoro não, um relacionamento não funcionava como remédio e o meu humor ácido estava mais para um charme do que uma falha.
No banheiro, troquei as roupas por um biquíni básico e todo preto. Chegando na piscina, todos estavam sentados na espreguiçadeira, exceto por Derian que colocava carvão na churrasqueira para assar umas carnes dispostas em uma pequena mesa de mármore ao lado.
— Uau, olá Holly e peitos! — Ivy quase berrou. Carl olhou em qualquer outra direção. Derian estava ocupado demais para se importar com a minha existência.
— Se conseguir ser ainda mais escandalosa, eu juro que me afogo nessa piscina.
— Chata.
— Olha só... — Derian estava virado para nós com um sorriso travesso. — A puberdade não foi tão ruim assim pelo visto, quase posso ver seios em você, talvez se eu colocar meus óculos...— disse em deboche. Observei a faca pairando na mesa ao seu lado e imaginei como ela ficaria cravada em sua cabeça. — Talvez uma lupa...
Reviro os olhos decidida a ignorá-lo. Desço a pequena escada da piscina e a água está incrivelmente morna. Mergulho nadando até a borda oposta. Um cooler estava aos pés da personificação do mal, e como ele nem em mil vidas me ofereceria uma bebida, me ergui sobre a borda para tentar puxar a caixa térmica. Derian olhou por cima do ombro e me encarou enquanto eu me esticava.
Com o pé esquerdo, ele afastou ainda mais o cooler. Bufei irritada. Me impulsionei para fora da piscina e agarrei a caixa pela alça tirando uma bebida alcoólica de limão.
— Eu te pagaria para usar as palavras "por favor", pedir algo não dói — Derian falou ascendendo o fogo da churrasqueira.
— Não é como se fosse realmente atender meus pedidos só porque estou sendo educada com você — Dei um grande gole na bebida.
— Seu problema, Holly, é presumir muitas coisas — colocou uma grade sobre o fogo e começou a pôr as carnes em cima.
— Poderia enumerar seus problemas, mas perderíamos todo o dia fazendo isso.
Ele rolou os olhos e eu voltei para a água. Carl e Ivy se renderam depois de um tempo e caíram na piscina também. Depois de uma hora todos estávamos molhados, até mesmo Derian, que nem havia entrado na piscina, e não tinha gostado nada do jato de água que havia recebido de mim, o que o fez tirar a camisa ensopada a contragosto e atirá-la longe exibindo seu corpo, que eu odiava admitir, mas era louvável.
Tentei desviar o olhar diversas vezes, mas quando me sentei na espreguiçadeira tendo ele bem no meu campo de visão, era difícil não olhar sorrateiramente para todos aqueles músculos proeminentes. Ser capitão do time de futebol americano tinha suas vantagens, as consequências eram bem aparentes, diria que até deliciosamente aparentes. Me repreendi, era um crime usar a palavra deliciosamente e Derian na mesma frase. No entanto, eu compreendia porque ele conseguia todas as garotas que queria, se ele não fosse o Derian, a criatura mais insuportável na face da terra, eu certamente não me importaria de fazer parte das que caiam de quatro por ele.
Depois de beber quatro garrafinhas do drink de limão, fui ao banheiro, e quando voltei, todos pareciam me olhar de forma curiosa.
— Um carinha estava procurando por você — disse Ivy. — Até deixou o número do celular.
Carinha? Oh, Elliot, o vizinho que definitivamente era um sonho de surfista californiano.
— Serio? — controlei a animação. — E o que ele falou?
Derian tinha um garfo em uma mão com um pedaço de carne, e na outra erguia um pedaço de papel. Um sorriso perverso se espalhou pelo seu rosto.
— Ele disse que esqueceu de pegar seu número na noite passada. Então atenciosamente anotou neste papel o número dele, para combinarem de sair —o tom de Derian estava sombrio enquanto ele sacudia o papel no ar. — Ele parecia mesmo interessado.
— Me dá logo esse papel — fui até ele, o desgraçado esticou o braço afastando-o de mim. De perto, ele era dois palmos maior que eu, e nem em mil vidas eu alcançaria aquele papel se ele não quisesse.
— Ah, por favor, sejamos sensatos Holly, ele não quer você, ele quer que você babe por ele — agarrei o seu braço enquanto ele continuava com os comentários inúteis.
— Carl, dá para fazer seu amigo parar? — pedi.
— Os dois nunca me ouvem, não vai ser agora que vou me meter — fuzilei meu amigo com os olhos. Ótima ajuda.
— O cara aparece aqui, não espera dois minutos, nem pede o seu número, simplesmente deixa o dele. — deu uma risada nasalar. — Ele só quer entrar nas suas calças.
Respirei fundo antes que acabasse batendo nele, até porque não seria a primeira vez.
— Talvez eu só queira que ele entre nas minhas calças, isso é um problema meu — não queria ter dito essas palavras, não pretendia transar com o cara, mas eu simplesmente não poderia deixar que Derian me pintasse como uma vítima indefesa.
Seus olhos azuis me fitaram com um misto de raiva, descontentamento e alguma coisa a mais que eu não consegui identificar.
— É uma pena — ele soltou o papel que caiu lentamente na piscina, os rabiscos negros rapidamente viraram manchas, tornando qualquer coisa escrita ilegível.
O encarei chocada, até mesmo Ivy e Carl não disseram uma palavra.
— Você é um imbecil, Derian — empurrei seu peito e ele não se moveu nem um centímetro. Meu corpo todo borbulhava de raiva. Não costumava ficar com garotos, no máximo um ou dois beijos em alguma festa, e quando um cara bastante atraente parecia interessado o bastante, lá estava Derian minando minhas chances.
— Vai me agradecer depois — deu de ombros e levou o garfo até a boca. Que ele engasgasse com a bendita comida.
— Eu te odeio — vociferei.
— Pessoal, viemos beber, nos divertir...— Carl tentou intervir saindo da piscina e se pondo entre nós. Mas o olhar que eu e Derian sustentávamos era como uma corrente de raiva inquebrável.
— É recíproco — Derian passou pelo amigo e esbarrou o braço em meu ombro entrando na casa.
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— Não gosto dessa cor — o batom vermelho parecia gritar no meu rosto. Minha pele era muito clara e devido ao sol que tinha tomado o dia inteiro, todo meu corpo parecia imitar alguma personagem cor de rosa de desenhos infantis.
— Acho que ficou ótimo, pelo menos para dar uma variada — Ivy continuou encaracolando as pontas do meu cabelo. — Com um pouco de sorte, não vai usar esse batom por muito tempo.
— Espero o mesmo, não estou usando sutiã de bojo atoa, o mínimo que eu mereço é uma cantada bem elaborada de um cara relativamente atraente, sóbrio ou não é algo irrelevante.
— Não finja que seus padrões são tão baixos, você não engana ninguém — ela me conhecia. Se um cara ao raio de meio metro de distância cheirando a álcool desse a entender que iria se aproximar, eu nem sequer o daria a oportunidade de falar. Essa era a realidade.
— Não se preocupe, tentarei ser acessível, afinal o objetivo de vir aqui é curtir — tentei convencer a mim mesma. Não conhecia ninguém da festa, mas de acordo com Carl, a maioria dos convidados eram turistas - que assim como nós - estavam indo por ter um contato que tinha um contato com o dono da casa a qual a festa magnânima aconteceria. Para mim, soava como qualquer outra festa: uma casa, bebidas, um monte de adolescentes e universitários, possivelmente drogas, pregação e sexo. Nada de novo.
— Sabe que não precisa se sentir pressionada a ficar com ninguém, e muito menos a ter um relacionamento só porque sua melhor amiga namora, não sabe? — o tom genuíno de preocupação me fez sorrir.
— Nem de longe eu me sinto pressionada por você — admiti. — Eu seria louca de cogitar ter um relacionamento só para não parecer uma encalhada, não aceito nada menos do que algo tão lindo quanto você e o Carl tem. São meus exemplos de amor
Ela deu um gritinho.
— Ai meu Deus, isso foi tão foto — largou o babyliss na escrivaninha do seu quarto e me abraçou por trás. — Esses pequenos momentos fazem com que eu entenda porque somos amigas.
Enruguei a testa.
— Então se questiona sobre a nossa amizade? — fingi indignação. — Como ousa fazer tão pouco do meu amor?
Duas batidas na porta nos chamou a atenção, Carl tinha um sorriso de divertimento no rosto.
— Holly, poderia devolver minha mulher? — perguntou.
— Pronomes possessivos — forcei uma expressão de nojo. — Achava que isso era coisa dos livros, parece ainda pior na vida real — passei a escova no cabelo para as ondas ficarem mais naturais. — Espero vocês na sala — avisei e antes de sair, vi Carl olhar minha amiga de cima a baixo, como se fosse uma estranha a qual ele tinha esbarrado e não acreditava na sorte que tinha tido.
— Me chame de sua mulher de novo e serei obrigada a casar com você — escutei ela dizer ao fechar a porta.
— Estou torcendo por isso — ele respondeu a ela. Sorri comigo mesma indo até a sala.
Deitado no sofá, de jeans, botas e uma camisa social com metade dos botões abertos, Derian virava um copo do que eu presumi ser uma das vodcas de sabor que tínhamos comprado.
— Quem te flagrar sorrindo sozinha por conta de um casal, pode acabar pensando que possui um coração repleto de todas as expectativas clichês que garotas geralmente tem — ele só abria a boca para falar merda.
— Tenho uma novidade, babaca, eu sou uma garota — mostrei os dentes em um sorriso falso. E ele me analisou atentamente, estreitei os olhos quando vi os seus percorrerem minhas pernas.
— Nessa roupa, tenho que confessar, eu quase me sinto atraído por você — apontou para o meu busto onde eu usava um decote simples, mas um pouco mais ousado do que estava acostumada. — Mesmo sabendo que metade de tudo isso aí não é seu.
Cruzei os braços sentindo as bochechas queimarem. Maldito bojo, maldito Derian.
— Mal posso esperar para trancá-lo do lado de fora do quarto, de novo — provoquei e ele semicerrou os olhos.
— Quero vê-la tentar.
Fomos impedidos de continuar com o ataque, porque Ivy e Carl finalmente saíram do quarto. Decidimos que era melhor todo irmos no carro de Carl, que era uma quatro por quatro, grande o suficiente para não nos matarmos mesmo dividindo o banco de trás, Derian teve a decência de não estragar a noite mantendo a boca fechada, enquanto Ivy foi a escolhida como a motorista da noite. Em meia hora chegamos à casa, os portões estavam abertos e àquela altura qualquer pessoa entrava e saia.
Estacionamos no fim da rua para nenhum bêbado acabar vomitando ou riscando o carro só por graça. Ivy e eu havíamos feito isso com o carro de um estranho na primeira vez que ficamos bêbadas.
Logo que entramos na casa, havia muitas pessoas dançando, algumas gritavam ao som da música que nem estava tão alta como eu imaginei que estaria, já havia copos por todos os lugares e garrafas de bebidas também.
— Pessoal, o jogo vai começar — alguém gritou da escada e isso pareceu enlouquecer as pessoas que em seguida se calaram em expectativa.
Olhamos atentamente e avistamos um cara, ele parecia perto dos trinta.
— Uma vez por ano, desde o colegial, fazemos o jogo nas minhas festas, o que não quer dizer que ele acabe quando a festa acaba — disse o homem com uma camisa florida e um olhar sagaz. — Para os que nunca ouviram falar, o jogo é bem simples e se resume a: escolha uma pessoa da festa, a desafie a fazer seja lá o que for e se a pessoa desafiada não fizer o que lhe foi mandado, ela perde. É simples.
— Interessante — murmurei para mim mesma e vi o mesmo brilho nos olhos de Derian.
— No entanto, devo lembrar que o jogo se trata das pessoas presentes aqui. Mas nada os impede de continuar fora daqui, desde que os participantes estejam presentes hoje. O jogo só acaba quando há um único vencedor.
O homem chamou aqueles que estavam dispostos a jogar para perto e não foi surpresa nenhuma quando eu e Derian nos aproximamos de um pequeno grupo de pessoas que também estavam dispostas.
— No primeiro desafio tenho certeza que vai desistir — Derian sussurrou para mim.
— Vai sonhando.
— Você! — o homem apontou para uma menina loira. — Eu te desafio a dizer quem dos participantes você levaria para o quarto.
O rosto da garota assumiu uma tonalidade de vermelho absurda, mas ela corajosamente passou os olhos por cada pessoa amontoada ali, até que eles pararam ao meu lado, obviamente, o ego de Derian sairia nas alturas dessa festa.
— O moreno ali, ele faz meu tipo - sorriu insinuantemente para o cafajeste que retribuiu, e eu rolei os olhos.
— Agora pode desafiar quem quiser, cada pessoa só pode desafiar alguém após ter sido desafiada — o homem riu. — Divirtam-se, a casa é de vocês.
A menina olhou em volta, a não ser pela música, todos pareciam em silêncio, assistindo como aquilo se desenrolaria.
— O ruivo, ei — ela chamou a atenção do garoto. — Beije o cara de cabelo cumprido ao seu lado.
Os meninos se entreolharam. A expressão de desagrado no rosto dos dois era cômica.
Eles se beijaram, e as pessoas explodiram em gritos e risadas. O ruivo analisou cada pessoa do grupo. Seus olhos pousaram numa mulher mais velha, ao menos mais que nós.
— Desafio ela a tirar a blusa — ele disse. Ela quase bocejou de tédio arrancando a peça sem hesitar ficando apenas de saia e sutiã, vários assovios se seguiram.
Estava começando a me sentir apreensiva.
A mulher parecia carregar uma espécie de malícia nos olhos procurando alguém para desafiar. Quando ela encarou Derian e depois alternou o olhar entre nós, boa coisa não viria.
— Ei, grandão. São um casal? — apontou para nós. Ele riu negando. — Ótimo. Desafio a passar quinze minutos com ela no quarto, e quero provas de que aconteceu algo quando voltarem.
Meu queixo caiu. A mandíbula de Derian tencionou um pouco.
— O que seria uma prova de algo? — ergueu a sobrancelha para ela. Ele estava mesmo aceitando aquele desafio. Um sorriso maldoso se espalhou pelo rosto dela.
— Tenho certeza que pensará em algo — ele ponderou por alguns segundos, agarrou meu pulso firmemente e me puxou escada acima na direção dos quartos.

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