VIII - Minhas mágoas

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Entre as cadeiras, encontrei, por sorte, uma vazia em frente à passarela. Rapidamente corri para lá, como Nina queria, e me sentei onde não perderia nenhum detalhe sequer. Isso parecia especial para ela, e por mais incrível que pareça, vou participar desse dia tão esperado.
As luzes dos grandes lustres diminuem, e os cochichos que eu ouvia quando cheguei, cessaram. Todos os olhares estão voltados para a passarela, e uma música emocionante passa a tocar, quando a primeira modelo entra com um vestido alaranjado, de babados e uma frente com cara de estrada de viagem. Com certeza não é criação de Nina. Continuo a assistir, à espera dos modelos de Nina.
Sinto alguém tocar meu ombro. Olho para lado e antes que eu diga qualquer coisa, esse alguém começa a falar em meu ouvido: — Com licença, Nina está chamando você lá no camarim. Urgente, me siga – declara a mulher. No mesmo instante, me
levanto e a sigo pelo caminho que já conheço.
A porta do camarim já está aberta. Quando Nina me vê, ela
vem correndo em minha direção e me pega pelo braço, me pu- xando de canto.
— O que foi, Nina?

— Preciso muito da sua ajuda – ela sussurra. – E tem que ser pra agora, Katherine.
— Então, fala, assim não posso fazer nada por você.
— Preciso que desfile na passarela com um dos meus modelos de roupa.
Arregalo os olhos.
— O quê?
— Por favor, Kate. Prometo que se fizer isso, nunca mais vou
te pedir nada – ela implora. Seus olhos brilham com seu pedido. – Por favor, Kate, please!
Expiro forte o ar e o solto antes de dizer sim à Nina.
— Obrigada! Obrigada! – ela me abraça. – Venha.
Ela pega um saco preto entre os cabides na arara de roupas,
onde está um dos modelos que ela comentou, e o coloca sobre minhas mãos.
— Este é bem especial – ela cerra os dentes. – Abra e se sur- preenda, porque essa será minha última jogada de sucesso. Esse concurso é nosso, Katherine. Quando terminar de se vestir, sente ali que a Chris vai maquiar você. – Ela se afasta. – Vamos garotas! Vamos ganhar esse concurso!
Encaro o saco preto sobre minhas mãos. Abro o zíper devagar, esperando ver o sucesso declarado de Nina. Deve ser incrível...
Só pode estar de brincadeira.
Sinto como se alguém tivesse acabado de me dar um soco no estômago, mas mesmo assim, me mantenho sem reação. Continuo a abrir todo o saco, mesmo já indignada, furiosa, com raiva a pon- to de picotar todo o vestido e Nina junto. É aquele vestido, aquele que foi descrito por Maison no dia do seu aniversário. Queria estar cega neste momento para não ver mais isso. Minha visão começa a rodar, mas meu olhar a encontra novamente. Não consigo não a olhar com raiva. É algo dentro de mim, fora do meu controle, muito mais forte que eu.
Jogo o saco com o vestido no chão.
Todos voltam o olhar para mim, e primeiramente, Nina.
Ela vem até mim.
— Kate, o que foi isso? – ela me pergunta, em choque, pegando
o saco que acabo de jogar no chão.
— E ainda me pergunta? Aquilo é então sua jogada de sucesso!
O sonho da Maison é sua jogada de sucesso pra essa droga de concurso!
— Por que ficou assim, Kate? Do que está falando? – Ela parece não entender.
— Me diz se esse não é o vestido que Maison queria, aquele que ela descreveu com tanto carinho e desejo...
— Kate esse é o vestido da May, e...
Impeço-a de continuar.
— Então, agora fala que não vai vender esse vestido pra uma
droga de marca, tudo isso é só pra você subir!
— Kate – ela faz uma pausa. – Eu vou fazer o sonho dela sair
do papel, era isso que ela queria, que isso fosse real e é isso que eu estou fazendo – ela se aproxima um passo. – Pensa no tanto de pessoas que vão suar para comprar um desses. Eu conhecia a May, e sei que ela adoraria isso.
— Isso não foi por ela – dou uma risada sarcástica. Cerro os punhos. – Se a conhecesse mesmo, saberia que ela era egoísta demais para dividir seus sonhos com alguém.
Não vou perder mais meu tempo.
Ando em direção à porta sem dizer mais nada. Simplesmente não consigo mais olhar para a cara dela. É como desfocar uma foto, deixo de ouvir a voz de Nina de fundo me chamando. Sei que ela ainda está falando, mas como nas fotos, o som foi desfocando imediatamente dos meus ouvidos.
Caminho depressa entre as pessoas, desviando delas para achar a saída o mais rápido possível. Quero sumir deste ambiente. Penso no que quero agora, para onde posso ir agora. Aqueles tiques roti- neiros passam a me dar na perna e eu não paro de balançá-las. Tiro do bolso um cigarro, acendo com um isqueiro e passo a fumar. Ah, May, ninguém se importa com a gente. Sempre fomos usadas, sempre servimos de passagem para aqueles que não encontram o próprio caminho. Mas desta vez, somos nós que usaremos eles como linhas e tinta para caneta.
Recosto-me sobre o poste do ponto de ônibus.
O que eu faço, Maison? O que eu faço?
Esfrego a palma da minha mão em minha testa, e bato algumas vezes nela, esperando que algo literalmente saia da minha cabeça. O celular vibra dentro do meu bolso. Quando o pego, vejo que a chamada é de Jason.
Não quero atender.
Meu peito dói. Sinto tanta raiva.
Vamos ver quanto tempo tocará. O celular não para de vibrar.
Espero que seja importante. Atendo a chamada.
— Fala logo.
— Boa noite, querida. Como vai?
— Não vai me dizer que me fez atender essa droga de celular para falar isso?

— Mas é claro que não, Maison. Não sou um homem de acasos, mas sim de propósitos a serem cumpridos.
— Sem rodeios.
— Tem algumas pessoas atrapalhando meu negócio, e eu pre- ciso que eles saiam do caminho. Está livre para um serviço extra?
— Quando foi que eu neguei uma noite de serviço? É disso que estou precisando, de uma noite de trabalho.
— Tenho dois trabalhos pra você. Os dados vão chegar agora via SMS, já sabe como funciona. Trabalho feito, depósito na conta. É pra hoje, Maison! Boa noite e bom trabalho.
Ele desliga o celular, e como havia dito, o SMS chegou assim que a chamada se encerrou. Era disso que eu precisava, é disso que precisamos.
Eu preciso matar.

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