Capítulo 01

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No principal centro financeiro, corporativo e mercantil da América do Sul, "a cidade que conduz" não para. Em um dos grandes prédios empresariais de janelas espelhadas, funciona uma das várias companhias de marketing de São Paulo. Essa, por sua vez, era considerada pelo terceiro ano seguido uma das melhores empresas para se trabalhar na região.

Lara, uma jovem recém-formada, faz parte do quadro de funcionários há pouco mais de um ano e estava satisfeita com o emprego. Trabalhava bastante, fazia hora extra sem que fosse pedido, era apaixonada por seu trabalho.

O esforço extra era refletido também no final do mês, em seu salário, que chegava sempre com bonificações. Dinheiro esse muito bem-vindo, claro, pois sua família era simples, do interior do Tocantins, e ela precisava se virar sozinha. Se mudou após terminar a faculdade de publicidade e propaganda, para tentar ganhar a vida na "terra da garoa".

As vezes sentia falta da tranquilidade de sua cidadezinha do interior. Do ar fresco da natureza, das crianças brincando na rua e os idosos sentados na calçada papeando. Mas também gostava da praticidade da cidade grande, de conseguir pedir praticamente qualquer coisa pelo celular, do metrô, de comércio 24h.

Desde que se mudara para a capital, sabia que as coisas não seriam fáceis. Viver em um lugar novo, completamente diferente da sua realidade até ali e sem ninguém conhecido para ajudar. Procurava segurar a saudade de casa, dos pais, mas naquela semana em especial estava sentindo um aperto no peito.

Para seu alívio, a maioria das pessoas do seu ambiente de trabalho se mostravam bastante acolhedoras e não demorou muito para fazer boas amizades. Logo conheceu as baladas mais animadas e também as que prometeu que nunca mais voltaria.

*

Estava trabalhando havia dez horas quase ininterruptas naquele dia, mas ainda assim queria terminar um último projeto, apesar do cansaço. Só faltava verificar alguns documentos e, ao assinar, se surpreendeu com algo inesperado. Iniciou a escrita com "Mar..." e logo parou ao se dar conta do erro.

Riu sozinha por um momento, com a certeza de que o cansaço batia pesado. Não entendeu de onde tirara aquilo, nem conhecia nenhuma mulher com aquelas iniciais que se lembrasse. Achou melhor parar tudo e ir para casa, antes que cometesse outra gafe.

Chegou em seu apartamento e foi preparar o jantar. De alguma forma que ela não entendia, sentiu uma vontade louca de comer batata frita, o que não era muito comum já que procurava ter uma alimentação saudável.

Sentou no sofá e ligou a televisão, mas diminuiu o volume. Pegou um livro que havia meses tentava terminar de ler, um desses romances melosos. Devorou as batatas lendo-o, umas dez páginas até que o sono começou a se instalar.

Foi tomar banho e se preparar para dormir, estava mesmo cansada. No chuveiro pensou em tudo o que fizera naquele dia e veio a recordação de, estranhamente, ter trocado o próprio nome em um dos documentos. Por coincidência, nesse mesmo momento, seus pelos se arrepiaram. Fechou um pouco o registro do chuveiro para esquentar mais a água.

Naquela noite teve um sonho estranho. Se viu parada em um ambiente todo branco e de costas, à sua frente, uma menininha que se parecia muito com ela quando era criança. Chamou-a, que lentamente se virou. Quando seus olhos se cruzaram, sentiu pânico, mas não conseguiu gritar. Os olhos da menininha eram acinzentados, sem vida.

Acordou assustada buscando o celular no criado-mudo ao lado da cama. Ligou a lanterna e inspecionou rapidamente o cômodo. Não havia nada de diferente, apenas ela no apartamento silencioso.

Ligou de novo a TV, mas agora em um canal de desenhos, o que fazia com que se sentisse mais segura, por algum motivo aquilo lhe trazia um certo conforto. Voltou a dormir poucos minutos depois.

Depois da CurvaOnde histórias criam vida. Descubra agora