Parte III - Idênticas

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Londres, 21 de junho de 2073, 06h07 

As duas mulheres eram realmente idênticas, se não fosse por um pequeno detalhe.

Katherine o descobrira ao iniciar a autópsia, quando abriu o crânio da Lillie morta pelo tiro. E eu, que fazia todas as anotações no tablet, deixei que ele caísse sobre o meu pé quando, ao invés de ossos, sangue coagulado e massa cerebral, tivemos a visão de carbono, vidro, fluídos da mesma cor de sangue, fios e uma placa-mãe destruída.

Mesmo que o exterior fosse de um ser humano – com a pele, cabelos e textura perfeita; que o corpo tinha sido capaz de enganar os Scanners; que havia sangue saindo pelo buraco da bala; a mulher assassinada em plena avenida era um sofisticado robô.

- O corpo é feito de uma fibra de carbono ultraleve e a pele feita pela reprodução excessiva e modificada de células reais. – Katherine contou, observando os dados revelados pelo computador. – A constituição do DNA é tão perfeita nessas células, idêntica à amostra que tiramos da Lillie humana.

- Como puderam construir um robô tão humano?

- Esse é um ponto. – Kathe se levantou da cadeira onde estava sentada e circulou os dois corpos, cada um aberto sobre uma maca metálica, um mostrando órgãos, o outro fios e baterias. – Mas o mais impressionante é a sequência dos fatos: a Lillie humana saltou da London Bridge às 22h03, 29 minutos antes do tiro que derrubou a Lillie robô. Os dados que colhemos da robô mostram uma alta atividade psíquica, ou seja, havia consciência ali, mas como? É a primeira vez que temos níveis de consciência em um corpo 100% artificial.

Ela bufou, irritada por não ter sido capaz de desvendar o mistério das "duas" mortes. Andei até ela e apertei seus ombros:

- Um café na varanda vai ajudar.

De repente, ela arregalou os olhos:

- Café! É isso! Você é um gênio, Rayner!

Confuso, assisti enquanto ela velozmente ia até a Lillie humana e tirava mais uma amostra de pele. Colocou-a na máquina de análise, códigos químicos gigantescos surgiam na tela: incompreensíveis para mim, mas não para ela.

- Quando eu estudava medicina, li sobre uma cientista da RLCorp que tinha conseguido transferir consciência de macacos vivos para robôs através da estimulação cerebral com uma substância similar à cafeína. – Ela corria os olhos pela tela. – A RLCorp faliu e fechou, então a pesquisa dela foi junto. Depois disso, a cientista cometeu suicídio na London Bridge alguns meses antes da reforma. Não acha muita coincidência? Se eu encontrar cafeína no corpo então... e bingo! Veja!

Olhei para a tela. Uma molécula em especial aparecia em excesso no corpo.

- É a molécula similar à cafeína. – Kathe explicou. – Alguém está copiando as antigas pesquisas da RLCorp e essa pessoa pode ter conseguido a passagem de consciência de um ser humano... – Apontou para Lillie –... para um robô. – Apontou para o corpo robótico.

- Investigando a empresa, podemos ver o que foi feito com os dados da pesquisa e entender o que está acontecendo! – Concluí.

Katherine sorriu, quase orgulhosa, e arrancou as luvas de silicone que usava:

- Vamos?

Poucos minutos depois, estávamos saindo da Estação de Polícia. O dia tinha amanhecido, o céu ganhando as cores do sol, e eu estava entusiasmado para seguir Katherine naquele momento. Ela subiu na moto e então estendeu o segundo capacete para mim.

Foi nesse momento que vi, do outro lado da rua, o cano preto da arma surgir de dentro de um carro antigo. Gritei e agarrei Kathe pela cintura, puxando-a para o chão violentamente e derrubando a moto ao mesmo tempo em que pequenas explosões de tiros nos rodeavam. Uma das balas se cravou na minha perna e encarrei Katherine completamente apavorado, o sangue manchando minhas roupas.

Sangue e carbonoOnde histórias criam vida. Descubra agora